• newsbr badge

Detalhes de um escândalo: Conheça os publicitários que defendem as celebridades acusadas na era do #MeToo

Como publicitários e advogados atuam na defesa de famosos acusados de estupro e assédio sexual.

Os últimos 12 meses foram um desfile de celebridades e figuras públicas — a maioria homens — que sofreram acusações ligadas a uma má conduta sexual. O movimento conhecido como #MeToo dominou o noticiário e mudou a forma como encaramos o assédio sexual. No entanto, para o advogado criminal da Califórnia (EUA) Lou Shapiro, o último ano tem sido bem diferente. "Eu o chamo de movimento 'Not Me'", disse ao BuzzFeed News, "porque meus clientes estão dizendo: 'não fui eu'".

A queda de Harvey Weinstein foi o catalisador que virou não só Hollywood de cabeça para baixo, mas também a indústria midiática. Meios de comunicação de todo o mundo correram para acompanhar as notícias de novas denúncias de má conduta sexual contra outros homens influentes – na indústria do entretenimento e em outros setores.

No entanto, em meio a tudo isso, nos bastidores as engrenagens também giravam para outra indústria multimilionária: os advogados e profissionais de relações públicas de crise chamados para atuar como a primeira linha de defesa dos acusados.

Existem aproximadamente cinco publicitários para cada jornalista nos EUA, e um repórter que precise lidar com uma equipe de relações públicas muitas vezes sente que está sendo manipulado. Os publicitários deturpam e retêm informações, plantam sementes de dúvida e recebem muito mais para representar as pessoas que outras fontes juram que são culpadas de má conduta grave.

Então como têm sido os últimos 12 meses do outro lado das denúncias?

O BuzzFeed News conversou com meia dúzia de pessoas da indústria de gerenciamento de crise para saber como seus trabalhos mudaram no último ano. Devido à natureza sigilosa do ofício, a maioria só falou sob condição de anonimato.

“Você não pode representar alguém se não conhece toda a verdade.”

A primeira percepção que os entrevistados queriam combater era a de que estariam dispostos a defender qualquer pessoa, desde que fossem bem pagos. Em vez disso, eles dizem que valorizam muito sua própria reputação e não aceitam clientes em que não confiam.

"Preciso acreditar na missão que eles [os clientes] estão tentando alcançar", disse um agente ao BuzzFeed News. "Preciso acreditar que estão sendo honestos comigo."

“Porque uma coisa que você não quer fazer como relações públicas, principalmente em [gestão de] crise, é se expor e depois encontrar evidências crescentes relacionadas a coisas que você precisa combater diretamente”, disse ele.

Barbara Morgan, atual vice-presidente da empresa de comunicações Greenbrier Partners, sabe como é defender alguém que está escondendo toda a verdade. Ela atuou como diretora de comunicação de Anthony Weiner durante sua campanha para prefeito em 2013. A candidatura de Weiner implodiu quando foi revelado que ele estava trocando mensagens de sexo com outras mulheres além de sua esposa.

Morgan disse que a primeira regra para administrar uma crise é ser sincero, mas acrescentou que isso não engloba só as interações com a imprensa, mas também a relação entre um cliente e seu porta-voz. “Se você adere à regra de ser sincero, a dinâmica permite que o porta-voz possa fazer o melhor trabalho possível e ajudar a reduzir as consequências negativas”, disse ela. "Se não, haverá decepções e o risco de semear mais desconfiança e ressentimento, o que, francamente, nunca ajuda ninguém."

Ao serem sondados por alguém em busca de representação, advogados e profissionais de relações públicas trabalham juntos para pesquisar e apurar a história do potencial cliente. "Você não pode representar alguém se não conhece toda a verdade, se não tem todos os detalhes da história", disse um estrategista de comunicações, "então verificar os fatos na primeira semana de um caso é a parte mais importante.”

De acordo com o mesmo estrategista, esse processo não é muito diferente do que um repórter faria ao apurar uma história, o que inclui pesquisar pessoas online e rastrear fontes, caso necessário.

Como a indústria jornalística diminuiu nos últimos anos devido a cortes e mudanças no cenário digital, talvez não seja surpresa que muitos ex-jornalistas agora estejam do outro lado da cerca. Para a empresa de um dos estrategistas que entrevistamos, trabalhar com profissionais de relações públicas que são ex-repórteres tem sido uma vantagem.

"Porque você analisa [a informação] e consegue ver quem está mentindo e quem está dizendo a verdade", disse a fonte. "E, felizmente, tem sido muito fácil identificar isso, principalmente se você obtém os fatos no início do caso."

Shapiro, o advogado da Califórnia, acredita que um pouco de ceticismo é saudável para o relacionamento cliente-advogado.

"Se vamos ser os melhores advogados, precisamos ser céticos sobre o que o cliente está dizendo, porque é que o promotor fará", disse ele. "Precisamos fazer todas as perguntas que o outro lado fará para preparar adequadamente o cliente."

“Precisamos ser céticos sobre o que o cliente está dizendo, porque é que o promotor fará.”

Shapiro acrescentou que, uma vez que evidências suficientes tenham sido coletadas e cuidadosamente examinadas, a defesa pode começar a elaborar uma versão que ajude a credibilidade do cliente. "Não podemos mentir e não podemos apresentar nada falso", disse ele, "mas podemos criar uma narrativa mais favorável ao cliente".

Armados com essa versão, a equipe de gerenciamento de crise começa a fazer contato com repórteres para apresentá-la, às vezes lidando com prazos extremamente curtos. "Cresci em uma época em que você recebia um telefonema do The New York Times e eles diziam: 'Olá, seu prazo é amanhã às 15h30'", disse o chefe de uma empresa de relações públicas. "Hoje, meu prazo é 20 minutos."

Criar comentários para uma declaração é como “andar na corda bamba com minas terrestres ao redor”.

E se antes, segundo o mesmo profissional, havia a mentalidade "que algo é sempre melhor do que nada" quando se trata de criar uma declaração, hoje se valoriza mais a discrição para evitar "se meter em apuros" em um processo que está muito acelerado.

Os repórteres geralmente fazem várias perguntas sobre as denúncias contra um cliente, o que pode indicar, segundo o chefe da empresa de relações públicas, que o repórter ainda não definiu como a história será contada. "Não posso responder tudo e não quero responder algo que não se aplique ao que eles publicarão", disse o chefe. "Então, às vezes, faço um comentário só após a publicação."

Elaborar uma declaração é como “andar na corda bamba com minas terrestres ao redor”, disse uma fonte entrevistada. "É preciso ter cuidado para que seu comentário cumpra o propósito estabelecido — e não é fácil."

Os prós e contras do que revelar em uma declaração variam dependendo de para quem você pergunta. Mas uma regra constante é nunca mentir. E, se você não souber a resposta para algo, ficar quieto geralmente é a melhor opção. Mas se você quiser falar, ser sucinto é essencial. "Não dê muitos detalhes se a pergunta não exigir", disse Shapiro, "porque, se você começar a dar informações demais, às vezes elas podem ser contrárias ao seu argumento geral".

Impedidos de falar sobre seus próprios casos, alguns especialistas em relações públicas tentaram explicar suas estratégias usando um exemplo público: como Brett Kavanaugh lidou com as audiências de nomeação da Suprema Corte após ser acusado de má conduta sexual por Christine Blasey Ford e outras mulheres na década de 1980.

"Mas quando você diz: ei, sou um coroinha, vou na igreja e nunca fiz nada de mal na minha vida... Não entendo quem disse para ele falar isso."

"Teria sido melhor se ele tivesse sido apresentado como um jovem jogador de basquete ou atleta que bebia cerveja e se divertia, e que nunca tinha passado pela sua cabeça que tinha ido tão longe", disse o chefe de uma empresa de relações públicas, acrescentando que não achou inteligente Kavanaugh representar sua imagem como um menino de igreja rico.

"Mas quando você diz: ei, sou um coroinha, vou na igreja e nunca fiz nada de mal na minha vida... Não entendo quem disse para ele falar isso."

Segundo o profissional, ter "espaço de manobra para o público acreditar em você" é especialmente importante se você for o acusado.

A mesma fonte salientou que não estava apoiando Kavanaugh ou Ford, mas "apenas queria que alguém o tivesse orientado melhor".

O apoio público foi forte para Christine Ford, e muitas pessoas usaram broches que diziam: "Eu acredito em Christine". E as evidências com certeza sugerem que as declarações: "acredite nas mulheres" ou "acredite nas sobreviventes" — um grito de guerra constante para pessoas que foram vítimas de abuso sexual — são apoiadas por estatísticas plausíveis. De acordo com o Centro Nacional de Recursos de Violência Sexual, 1 em cada 5 mulheres e 1 em cada 71 homens serão estuprados em algum momento de suas vidas. Mas, mesmo que alguns sejam rápidos em descartar as alegações como mentiras, apenas entre 2% e 10% das alegações de abuso sexual são falsas. Na verdade, a maioria das vítimas nunca denuncia o crime.

Ainda assim, os estrategistas de comunicação que falaram com o BuzzFeed News disseram que aceitam clientes acusados de comportamentos horríveis porque querem impedir que eles sejam uma das poucas pessoas que são acusadas injustamente de abuso sexual. “Ainda acho que a coisa mais poderosa que temos neste país é o devido processo”, disse o mesmo especialista em relações públicas.

"Você não tem outras testemunhas", disse Shapiro sobre algumas das acusações feitas contra seus clientes. "É a palavra dele contra a dela."

Dentro dessa falta de informação, as pessoas que lidam com as crises, como Shapiro, intervêm e trabalham para criar uma versão da história que se adapte melhor a seu cliente. E, embora muitos possam se opor ao fato de defenderem pessoas que alguns consideram indefensáveis, eles acreditam que estão apenas fazendo a devida diligência em benefício de todas as partes envolvidas.

"Não estamos aqui para proteger estupradores, não estamos aqui para proteger vigaristas", disse um especialista em comunicação de crise. "Na verdade, são pessoas que nos procuram como último recurso tentando proteger tudo o que construíram em sua vida." ●

Colaborou David Mack.


A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.