• newsbr badge
  • Coronavi­rus Brasil badge

A lista deste restaurante de procedimentos contra o coronavírus mostra como a reabertura é difícil

"Não deveríamos ter reaberto", disse uma atendente, que não quer se identificar por medo de perder o emprego. "Não há como os funcionários fazerem o que estão nos pedindo. Simplesmente não é possível."

Um documento de 8 páginas de uma cadeia de restaurantes que detalha o que é necessário para o funcionamento durante a pandemia de coronavírus está sendo chamado por funcionários de "impossível", "impraticável" e "exaustivo".

Aqui estão alguns procedimentos que a equipe do restaurante O'Charley's – uma rede do Tennessee (EUA), onde foi permitido que os restaurantes reabrissem parcialmente em meio à pandemia – precisa seguir:

- Verificar a temperatura de cada cliente e funcionário antes de sua entrada.

- Questionar cada cliente a respeito de possíveis sintomas da COVID-19 ou exposição ao coronavírus.

- Pedir às pessoas para elas mesmas peguem a refeição na bandeja — e coloquem de volta quando acabarem.

- Se elas não quiserem fazer isso, o atendente precisa colocar e retirar os pratos usando "quaisquer meios possíveis para manter o distanciamento".

- Os atendentes precisam substituir suas luvas sempre que forem servir outra mesa.

- Precisam lavar as mãos antes da troca de luvas.

- Precisam lavar as mãos depois de manusear dinheiro.

- Precisam lavar as mãos depois de cada transação com cartão de crédito

- Precisam lavar as mãos sempre que voltarem para o salão.

Uma atendente do restaurante, que reabriu na quinta-feira passada, disse que muito pouco disso está de fato sendo seguido por falta de equipe e recursos.

"Não acho que deveríamos ter reaberto", disse a atendente, que não quis ser identificada por medo de perder o emprego. "Não há como os funcionários fazerem o que estão nos pedindo. Simplesmente não é possível."

A atendente disse: "Não estamos praticando o distanciamento social."

"Não consigo ficar a 1,80m de distância", ela disse, referindo-se aos clientes.

Ela contou que está usando luvas e uma máscara, mas que as "máscaras que estamos usando são basicamente feitas por nós mesmos".

Ela manuseia todo o dinheiro do restaurante, e disse que é impossível lavar as mãos depois de cada transação.

Os garçons não estão substituindo as luvas sempre que servem uma mesa diferente, ela contou, acrescentando: "Isso nem passa pela nossa cabeça."

Ela disse que não tem tempo de lavar as mãos sempre que sai da cozinha para o salão. Revelou ainda que a temperatura de ninguém está sendo verificada, já que o restaurante não tem termômetros.

Outros funcionários do O'Charley's — que possui 200 pontos em 17 estados nos EUA e reabriu 42 de suas unidades na Geórgia e no Tennessee desde quinta-feira — também contaram ao BuzzFeed News que acham que os restaurantes estão reabrindo "prematuramente" e que não tiveram tempo, recursos e pessoal suficientes para seguir as diretrizes emitidas pelo estado.

Aproximadamente 6% das pessoas que foram testadas no Tennessee tiveram resultado positivo para a COVID-19.

Em uma declaração ao BuzzFeed News, um porta-voz do O'Charley's disse que sua equipe "planejou o retorno dos clientes aos salões durante várias semanas e acompanhou de perto o desenvolvimento das diretrizes".

"Como sempre, a saúde e a segurança dos nossos clientes e dos membros da equipe continuam sendo a prioridade máxima do O'Charley's", afirmou a declaração.

Os funcionários disseram que estão preocupados com a segurança deles, de suas famílias e do público, já que os restaurantes começaram a reabrir no Tennessee na segunda-feira, o mesmo dia em que o estado viu o maior salto em um dia de novos casos confirmados da COVID-19.

"Sinceramente, é assustador", contou uma gerente do O'Charley's no Tennessee, que também não quis ser identificada por medo de perder o emprego.

"Não acredito que estejamos preparados para abrir", ela disse. "E não acho que somos capazes de seguir as ordens."

A atendente disse que o restaurante deu aos empregados cerca de dois dias para se prepararem para retornar ao cronograma.

"Estamos funcionando com uma equipe reduzida, e não é possível fazer o que deveríamos", ela disse. Ela contou que no sábado pela manhã havia apenas dois garçons, incluindo ela mesma, no restaurante.

A atendente disse que não vira nem recebera o documento de conformidade de oito páginas. Em uma reunião da equipe, ela contou que os funcionários precisaram assistir a um vídeo de 10 minutos sobre "servir com segurança", mas que a maioria não aumentou o volume no telefone.

"Eu nem sequer assisti", ela revelou. "Precisamos reproduzir o vídeo para mostrar que assistimos durante a reunião, mas nem sei lhe dizer o que havia nele."

A gerente contou que recebeu o documento de conformidade apenas dois dias antes de sua filial reabrir na quinta-feira. Em uma teleconferência um dia antes, as ordens foram lidas para todos os gerentes de loja, mas não houve oportunidade para fazer perguntas, disse a gerente. Em vez disso, pediram que eles enviassem suas dúvidas por e-mail.

"Acho que é tarde demais para isso", ela disse. "Estamos abrindo prematuramente, e a lista é exaustiva. Não estamos pronto."

O governador do Tennessee, Bill Lee, divulgou as diretrizes na semana passada como parte de seu plano "Tennessee Pledge" para a reabertura dos negócios em 89 dos 95 condados do estado.

"Os habitantes do Tennessee se uniram para achatar a curva, e é hora de as pessoas começarem a voltar para o trabalho e para os seus negócios", Lee declarou na ocasião.

"Estamos adotando uma abordagem cuidadosa e calculada para reabrir nossa economia que não depende de ordens opressivas, mas fornece ferramentas práticas para negócios de todos os portes", ele disse.

A atendente do O'Charley's falou que "não era uma boa decisão" reabrir os restaurantes no estado.

"Eles não esperaram tempo suficiente para a pandemia desacelerar", ela disse. "Muitas pessoas estão nervosas."

O BuzzFeed News recebeu o documento de conformidade do O'Charley's, que lista as ordens de reabertura do estado e os procedimentos para segui-las.

As diretrizes do estado solicitam que os restaurantes façam uma triagem de todos os clientes e funcionários em busca de possíveis sintomas da COVID-19 antes que eles entrem nos estabelecimentos.

O documento do O'Charley's sugere que a "melhor prática" seria a verificação de temperatura de cada cliente e funcionário no local.

Tanto a atendente quanto a gerente disseram que seus restaurantes não receberam termômetros. O documento sugere que o "requisito mínimo" seria que os empregados verificassem a própria temperatura antes de irem trabalhar, mas a gerente disse que não possui um termômetro e que levaria dias até que um fosse entregue.

Se verificar a temperatura não é possível, o requisito mínimo seria posicionar um assistente "usando máscaras e luvas" na porta, que faria aos clientes uma série de perguntas a respeito de possíveis sintomas e exposição à COVID-19 antes que eles entrassem.

Mas a gerente disse que a equipe estava muito reduzida durante a pandemia e que não houve tempo de treinar alguém para ser um "assistente".

"Esse é um novo cargo que foi criado", disse a gerente. "Não sei bem quem é essa pessoa no momento. Não sei nem mesmo se essa pessoa existe."

Ela contou que, na videoconferência da quarta-feira, foi dito aos gerentes que empresa estava tentando adquirir lenços com álcool e termômetros para os restaurantes.

Outra ordem do estado solicita a ampliação do "espaço físico" entre a equipe do restaurante e os clientes.

"Não estamos seguindo o distanciamento de 1,80m, isso eu posso te dizer", falou a atendente.

Embora as mesas em si estejam separadas por 1,80m, "como atendente, ainda me aproximo das pessoas para servi-las", contou.

As ordens dizem que os atendentes devem pedir aos clientes para retirarem a comida dos suportes de bandeja colocados ao lado da mesa e para colocarem os pratos nas bandejas depois que terminarem suas refeições.

"Se o cliente se recusar, o garçom deve usar quaisquer meios possíveis para manter o distanciamento do cliente ao colocar o prato na frente dele", dizem as diretrizes.

A atendente do O'Charley's disse que a solicitação de pedir aos clientes para se servirem usando suportes de bandeja "não está sendo atendida".

"Metade de nossas refeições está sendo entregue por apenas um garçom, então, não temos tempo de colocar um suporte, ou acabaremos sem suportes", ela disse.

"Estamos simplesmente servindo os clientes normalmente, mas usando máscaras e luvas", ela revelou.

E disse também que era impossível os funcionários manterem o distanciamento social entre eles mesmos.

Há cinco ou seis cozinheiros em um corredor de quatro metros de comprimento na cozinha, e "não há como eles ficarem a 1,80m uns dos outros", disse a atendente.

"Não sei se você já trabalhou em um restaurante, mas é simplesmente impraticável", afirmou a gerente do O'Charley's.

Um gerente de outra filial do O'Charley's no Tennessee contou ao BuzzFeed News que pelo menos 50% dos clientes que foram ao restaurante após a reabertura na segunda-feira não ficaram a 1,80m de distância e se recusaram a seguir as setas no chão para manter os requisitos de distanciamento social — apesar dos apelos da equipe.

Outra gerente, que também não quis ser identificada por medo de perder o emprego, disse que houve algumas "mesas difíceis" nas quais os clientes se recusaram a retirar a comida das bandejas, dizendo que os garçons "deveriam servi-los".

"Tudo bem, mas estamos vivendo novos tempos", disse a gerente.

A atendente revelou que não estava lavando as mãos sempre que voltava da cozinha para o salão por causa da restrição de tempo.

"Se uma pessoa me pedir uma porção de molho ranch, eu vou até a cozinha, pego o molho e levo até o cliente, em vez de parar, tirar as luvas, lavar as mãos, voltar para pegar um novo par de luvas, colocá-las, pegar o molho e levar para o cliente", ela disse. "Simplesmente não é viável."

A atendente disse que também não estava substituindo as luvas sempre que servia uma mesa diferente.

"Acho que ninguém está pensando nisso porque estamos muito sobrecarregados com o que precisamos fazer e a quantidade de trabalho que precisamos realizar para que o restaurante funcione", ela disse.

Enquanto atendia seis ou sete mesas sozinha, ela disse que trocou as luvas algumas vezes sempre que se lembrou de fazê-lo.

"Mas cada um está fazendo o trabalho de três pessoas", ela revelou. "Quando você pensa em trocar suas luvas sempre que atende uma mesa diferente... Isso nem passa pela nossa cabeça."

Uma diretriz diz que a equipe deve manter o distanciamento social em reuniões e usar proteção facial o tempo todo.

Mas a primeira gerente contou ao BuzzFeed News que, em uma reunião da equipe na terça-feira — dois dias antes de o restaurante reabrir —, todos estavam sentados à mesma mesa e "não houve prática de distanciamento social nem uso de máscaras".

"Se não pedimos o uso de máscaras em uma reunião na qual discutimos a importância do uso de máscaras, devo me preocupar com minha própria segurança, da minha família e de toda a equipe que trabalha aqui", ela disse.

Ela contou que o restaurante não forneceu máscaras para os funcionários.

"A certa altura, a esposa do gerente geral, que não é funcionária, fez máscaras para nós com coisas que tinha em casa", ela disse. "Elas foram fornecidas, mas acabaram em um ou dois dias."

A outra gerente contou que estava "muito preocupada" com a segurança dos membros da equipe, principalmente alguns que têm familiares com problemas de saúde e estão "com muito medo de vir trabalhar".

Ela disse que, embora a maioria das vendas seja de pedidos para viagem, o salão de seu restaurante teve lotação de 30% após a reabertura na segunda-feira.

"Eu prevejo que, com as verificações de estímulo do governo, as pessoas vão comer fora", disse a primeira gerente. "Recentemente, houve um tornado nessa região, então, há muitas pessoas comendo fora no momento, mais do que o habitual."

Ambas as gerentes do O'Charley's disseram que, embora tenham concordado com a decisão de reabrir os restaurantes no estado, precisavam de mais tempo e recursos para se prepararem.

"A lista que eles fizeram é simplesmente impraticável", disse a primeira gerente. "Acho que, com mais preparação, isso poderia ter acontecido de uma forma bem-feita."

"Definitivamente, não estamos preparados", disse outra gerente. "É muito difícil administrar um negócio com equipe reduzida."

"Eles estão nos pedindo para reabrir, mas não estamos recebendo os recursos adequados", disse a atendente. "Deveríamos ter esperado até estarmos com a equipe completa para podermos realizar nosso trabalho de maneira adequada."

Na sua declaração para o BuzzFeed News, o O'Charley's disse: "Embora as diretrizes de reabertura variem de estado para estado e até de cidade para cidade, estamos trabalhando com afinco a fim de treinar os membros da nossa equipe para que eles estejam em conformidade total com todas as ordens sanitárias federais, estaduais e locais. Diversos membros da equipe estão monitorando os requisitos para garantir que atendamos tanto às expectativas do governo quanto dos clientes com protocolos e procedimentos detalhados."

Alguns restaurantes do Tennessee, como o The Main Street Pizza Company, optaram por não reabrir, apesar da garantia do governo de que a "recuperação econômica segura é amparada por dados que mostram que a curva de novas infecções por coronavírus do Tennessee está atingindo um platô".

"Nós NÃO VAMOS REABRIR NOSSOS SALÕES até que a ciência diga que é muito mais seguro", disse um post do The Main Street Pizza Company no Facebook. "Quando a segunda onda chegar em três semanas por causa dessa decisão insensata, lembre-se dos estabelecimentos que cuidaram de você. Salões de beleza, estúdios de tatuagem, lojas de varejo etc. deveriam fazer o mesmo e esperar. Só porque alguém disse que você pode, não quer dizer que você deve", disse o restaurante.

Veja o documento de conformidade completo do O'Charley's:

Este post foi traduzido do inglês.

Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.