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Não se preocupe com o coronavírus. Preocupe-se com a gripe

O primeiro surto de uma doença na era das redes sociais resultou na rápida disseminação de pânico e incerteza. Veja com o que você deve se preocupar — e com o que não deve.

O mundo das notícias 24 horas e dos mercados de ações globais encontrou seu adversário à altura no recém-identificado coronavírus chinês, que se move na velocidade da biologia e gera um enorme debate sobre o quanto de ameaça ele representa para a humanidade.

"Este surto está se desenrolando bem diante dos nossos olhos", disse Nancy Messonnier, diretora do Centro Nacional de Imunização e Doenças Respiratórias do CDC (a agência de controle e prevenção de doenças dos Estados Unidos), sobre o vírus 2019-nCoV. "Cientistas do mundo todo estão examinando os dados disponíveis para analisá-los e fornecer informações úteis."

Em menos de um mês, um relatório de dezenas de pessoas infectadas com um vírus recém-identificado em Wuhan, China, depois de visitarem um mercado de frutos do mar, transformou-se em um surto que infectou mais de 2.000, causando mais de 100 mortes até agora. O governo chinês colocou 50 milhões de pessoas em quarentena na China central, proibindo as viagens em resposta a um pequeno número de casos relacionados a viagens aéreas, todos não fatais, que se espalharam para mais de 12 países.

Nos EUA, há agora cinco casos confirmados, todos viajantes de Wuhan, e mais 110 pessoas sob observação, segundo Messonnier. A "grande maioria" são viajantes de Wuhan ou pessoas que tiveram contato próximo com eles.

Ainda assim, o primeiro surto da era das mídias sociais tem sido definido pelo pânico e pela incerteza. Um ataque de desinformação sensacionalista se espalhou como fogo em plataformas como o Twitter e o WhatsApp, juntamente com propaganda ostensiva e censura da mídia estatal chinesa, tornando difícil de entender os riscos reais do surto de rápido avanço.

De certa forma, a incerteza é intrínseca, pois cientistas e autoridades de saúde ainda estão tentando entender a nova doença. Estas primeiras semanas viram a confusão aumentar à medida que o número de casos — sendo disponibilizados por relatórios da mídia estatal chinesa — continua subindo. E autoridades de saúde do mundo todo têm tentado identificar a propagação de uma nova doença com o que um relatório científico inicial tem chamado de sintomas "não específicos": tosse, febre e pneumonia.

No momento, o vírus tem mais perguntas do que respostas. Aqui está o que sabemos até agora — e o que não sabemos.

O coronavírus é infeccioso — mas isso não deveria causar pânico.

Especialistas em saúde medem o potencial infeccioso de uma doença por uma medida chamada R0, ou “R-Naught”. O número é uma estimativa do número médio de pessoas infectadas por cada novo caso em uma população completamente suscetível e em que nenhum esforço é feito — medidas como quarentena, higiene ou hospitalização — para impedir sua propagação.

Friendly reminder about #nCoV2019 transmissibility estimates from the past day: The basic reproduction number (R_0) is an *average*. An R_0 of 2 doesn't necessarily mean that every case will infect 2 other people. In fact, here are 3 (non-exhaustive) scenarios in which R_0 = 2.

Mas a medida R0 também é um "ponto no tempo": a medida muda conforme os cientistas obtêm mais dados sobre a propagação da doença.

No final de semana, surgiram várias estimativas, variando de 1,3 a 3,8. O economista de saúde de Harvard, Eric Feigl-Ding, classificou o valor de 3,8 como "nível de pandemia termonuclear ruim", em um tuíte que provocou milhares de ações de pânico na plataforma, seguidas de críticas generalizadas de cientistas.

Tais declarações foram "absolutamente prematuras e hiperbólicas", disse ao BuzzFeed News a epidemiologista Maimuna Majumder, da Harvard Medical School e do Boston Children's Hospital, autora de um dos documentos de estimativa de R0 preliminares.

Mesmo o número alto não é tão aterrorizante, disse Messonnier. "Como comparação, a medida R0 para o sarampo é entre 12 e 18", disse. Ela observou que a medida R0 é um "alvo em movimento" durante um surto, com o objetivo de movê-lo para um valor abaixo de 1, à medida que ações mais fortes são tomadas para identificar rapidamente os casos existentes e impedir novos. Cada caso então levaria a menos pessoas com a doença ao longo do tempo, extinguindo sua propagação.

Foi isso o que aconteceu com a SARS, que tem uma medida R0 de 3,0, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, mas uma infecciosidade "eficaz" de menos de 1 em medidas de quarentena que só começaram cinco meses após o surto de 2002. A SARS infectou mais de 8 mil pessoas em dois anos, matando 774.

O coronavírus se propaga de uma pessoa para outra — mas exatamente como ele se espalha ainda está sendo investigado.

O vírus é um membro recém-descoberto da família dos coronavírus, que inclui os vírus que causaram os surtos de SARS e MERS.

Os coronavírus humanos primeiro saltam de animais para pessoas — de morcegos durante a SARS e de camelos na MERS — e depois sofrem mutação para se propagarem de uma pessoa para outra. De qual animal o novo coronavírus se originou ainda é um assunto em discussão, com um artigo científico inicial concluindo que ele também veio de morcegos, e outro argumentando que ele se parecia muito com um vírus que infecta cobras. É importante saber essa origem para ajudar a impedir futuros surtos de vírus de animais para humanos.

Outro debate no surto de 2019-nCoV é sobre quando ele se torna infeccioso no curso de uma doença, com algumas autoridades chinesas sugerindo que é no início, quando nenhum sintoma é evidente. Isso importa porque se imagina que a doença tem um período de incubação de 2 a 14 dias em que uma pessoa potencialmente infecciosa pode transmitir a doença sem saber.

A China está enfrentando uma escassez de máscaras faciais médicas, as quais especialistas em saúde consideram apenas parcialmente eficazes em limitar a exposição a partículas de vírus propagadas pela tosse ou espirros em locais públicos. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, prometeu fornecer aos hospitais em Wuhan 20 mil pares de óculos de segurança para evitar a exposição por meio dos olhos, o que pode fazer mais sentido em um ambiente médico onde os profissionais de saúde de alto risco estão expostos a pacientes com tosse nos piores estágios da doença.

A SARS, a genética mais próxima conhecida do novo coronavírus, só se torna infecciosa no final da doença, quando está alojada nos pulmões e desencadeia a tosse, liberando germes. A gripe, por outro lado, infecta o nariz e a garganta no início de uma infecção, geralmente se espalhando ao espirrar.

O coronavírus pode sofrer mutação — mas até agora isso não levou a um supervírus.

Esses vírus são "confusos" em sua reprodução, disse o especialista em coronavírus Stanley Perlman, da Universidade de Iowa, ao BuzzFeed News, porque seu material genético é o RNA. Isso significa que eles não têm as enzimas de reparação que as plantas e os animais têm em suas células, que usam o DNA como seu material genético; quando as células se dividem, as enzimas controlam as mutações.

Os vírus, pelo contrário, são organismos minimamente vivos; a maioria é apenas pacotes de genes reprodutivos cercados por uma casca de proteína. Isso torna esses vírus de RNA propensos a mutações como a que facilitou o salto do coronavírus de alguma coisa em um mercado de frutos do mar em Wuhan para as pessoas em primeiro lugar. Isso também gera receios sobre uma mutação que tornaria o vírus mais infeccioso à medida que o surto se propaga.

No entanto, o CDC tem comparado o mapa genético do vírus que infectou os dois primeiros pacientes dos EUA com o do primeiro paciente chinês documentado em Wuhan. Ele não vê nenhuma diferença. Isso sugere que o vírus não sofreu mutações, disse Messonnier.

O risco de ser infectado é alto na China — mas as pessoas em outros países deveriam estar muito mais preocupadas com a gripe.

A grande maioria dos casos está na China, onde o risco de contrair a doença é alto, segundo a OMS. "Está claro que o surto está se espalhando rapidamente na China", disse o secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Alex Azar. Mais de 50% dos novos casos na China estão fora da província de Hubei, em Wuhan, observou ele, espalhando-se por 30 províncias chinesas.

Fora da China, os casos não estão aumentando. Embora tenham aparecido em 18 países, eles parecem concentrados entre as pessoas que estiveram em Wuhan antes do início da proibição de viagens ou tiveram contato próximo com as pessoas que estiveram lá. Isso levou uma comissão de emergência da OMS a recusar-se a declarar o surto como uma emergência internacional na semana passada.

As mortes reportadas pela China estão em grande parte entre idosos ou pessoas com problemas de saúde subjacentes, colocando-os em alto risco de pneumonia. Um comentário na "Lancet" estimou um risco de mortalidade de 2,9% pelo vírus, comparado a 10% da SARS, mas acrescentou que esse número provavelmente diminuirá à medida que mais casos moderados forem documentados. Ao mesmo tempo, "não há espaço para complacência", disse o relatório, observando que a gripe espanhola de 1918 matou cerca de 50 milhões de pessoas no mundo todo, com uma taxa de mortalidade inferior a 5%.

Para situar o risco em um melhor contexto, a atual temporada de gripe nos EUA matou 54 crianças até agora, de acordo com o CDC. E nas duas primeiras semanas de 2020, a gripe matou mais de 5 mil pessoas nos EUA, principalmente através da pneumonia associada.

Outros têm sugerido que importações da China podem representar um risco de transmissão para o exterior. Mas as partículas do coronavírus morrem dentro de algumas horas fora da célula hospedeira, de acordo com Messonnier. Portanto, há pouco risco de o comércio da China espalhar o surto.

A quarentena generalizada pode impedir a propagação da doença — mas pode prejudicar as pessoas na China.

As quarentenas funcionaram com a SARS, assim que as autoridades chinesas deixaram de esconder a extensão do surto de 2002 no país. Essa é a rota que a China está seguindo agora, instituindo rapidamente uma proibição maciça de viagens a Wuhan, que mais tarde se expandiu para incluir grande parte da província de Hubei. Mas alguns especialistas têm criticado a resposta da China ao novo coronavírus como excessiva e provavelmente ineficaz.

"Quando feito corretamente, limitar a circulação da população pode ajudar a diminuir a velocidade com que uma doença se espalha", disse Rebecca Katz, do Centro de Ciência em Saúde e Segurança Global da Universidade de Georgetown, em um comunicado sobre a proibição de viagens sem precedentes.

“Intervenções aplicadas amplamente, como proibições de viagens, podem causar pânico público, impedir direitos individuais, levar a efeitos secundários, como escassez de alimentos, e podem não ser eficazes para conter um vírus se ele já tiver se espalhado para fora do epicentro, como o 2019-nCoV já fez”, disse Katz. Medidas de "distanciamento social", como impedir que as pessoas andem de ônibus ou trem juntas, são ferramentas melhores do que proibições de viagens generalizadas, disse ela.

Autoridades de saúde dos EUA ainda estão em alerta máximo — e já estão desenvolvendo uma vacina.

O CDC anunciou na segunda-feira um alerta de viagem "Nível 3" na China, seu alerta de mais alto nível disponível, sugerindo evitar todas as viagens não essenciais à nação de 1,4 bilhão de pessoas. O CDC examinará viajantes de Wuhan em 20 aeroportos dos EUA, anunciou o diretor do CDC, Robert Redfield, na terça-feira, e a agência está considerando ampliar esses exames a viajantes vindos de mais partes da China.

"Se você voltou recentemente da província de Hubei e está com febre, ligue para seu médico", disse ela na TV. "Queremos que você seja examinado."

Na frente médica, o CDC divulgou o modelo genético para um teste rápido de diagnóstico do vírus, ainda em validação, que espera compartilhar com os departamentos de saúde e parceiros internacionais nas próximas semanas.

Na semana passada, a Coalizão de Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI) anunciou um empenho de US$ 12,5 milhões para desenvolver uma vacina contra o coronavírus, dividido entre três empresas. Na melhor das hipóteses, o imunologista Barney Graham, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas do NIH (NIAID), disse à Science Magazine que uma vacina estaria pronta para ser testada em pessoas no meio do ano.

A aplicação de uma vacina dependerá do estado do surto quando for desenvolvida, disse o diretor do NIAID, Anthony Fauci, em uma nova conferência na terça-feira. Seu instituto espera iniciar os testes de segurança de uma vacina candidata até abril. "Estamos avançando com a pior das hipóteses, que precisaremos de uma vacina."


Este post foi traduzido do inglês.

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