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A corrida do Twitter e do Facebook para o fundo do poço

As escorregadas das duas empresas nos anos 2010 não tiveram outros culpados além delas próprias.

Foi uma década difícil para o Facebook e o Twitter. Os dois entraram nos anos 2010 com um futuro muito promissor. No Twitter, você pode conversar com praticamente qualquer pessoa. No Facebook, você pode se deliciar com diversão infinita, acompanhando as fotos e os status que seus amigos provavelmente jamais deveriam ter publicado.

E, então, os mundos das duas companhias desabaram. A rede social não tinha mais graça. Era tóxica. E ficou assim por uma razão.

No fim das contas, o Facebook e o Twitter mergulharam no caos por conta própria. Ao longo da década, eles tomaram algumas decisões equivocadas sobre seus produtos, e isso os transformou de parques de diversões online em verdadeiros infernos. Aqui está como isso aconteceu.

2010

A revista Time nomeou o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, como a Pessoa do Ano em 2010, no que provavelmente foi o auge da popularidade das redes sociais. A plataforma, naquela época, tinha meros 550 milhões de usuários. "Começou como uma brincadeira, uma diversão, mas se transformou em algo real, algo que mudou a maneira como os seres humanos se relacionam em termos de espécie", informou o artigo da Time.

A Time abordou Zuckerberg com um tom otimista — até mesmo de veneração —, ciente de suas realizações e seu poder. Em seu perfil, no entanto, havia uma sensação de incerteza sobre as consequências desse poder.

Enquanto a Time estava entrevistando Zuckerberg, o então diretor do FBI, Robert Mueller, entrou na sala. Um porta-voz do Facebook tentou manter isso em sigilo, mas o repórter não permitiu. "Eles apertaram as mãos e conversaram sobre nada por alguns minutos, e depois Mueller saiu", informou o perfil da Time. "Houve um silêncio vertiginoso, enquanto todos se entreolharam como se dissessem: o que diabos aconteceu?"

O Facebook tinha esta aparência na época:

O feed de notícias da rede social estava funcionando, mas o Facebook era mais como um diretório onde as pessoas podiam compartilhar suas vidas com amigos e familiares. O conteúdo público — de celebridades, sites de notícias e políticos — mal aparecia.

O Facebook tinha projetos grandiosos. Ele queria que desenvolvedores terceirizados construíssem aplicativos e queria se aprofundar mais nos serviços de internet. Para isso, afrouxou as restrições sobre a quantidade de dados que os desenvolvedores poderiam armazenar. "Temos essa política em que você não pode armazenar, nem em cache, nenhum dado por mais de 24 horas, e vamos seguir em frente e nos livrar dessa política", disse Zuckerberg na conferência de desenvolvedores F8 de 2010 do Facebook. De acordo com a reportagem da CNET, a plateia aplaudiu.

Enquanto isso, o Twitter tinha esta aparência:

O cofundador do Twitter e então CEO, Evan Williams, estava enviando atualizações sobre seus planos de assistir à palestra do CEO da Apple, Steve Jobs, na Conferência Mundial de Desenvolvedores da Apple. Ele também estava tuitando sobre um novo serviço de carona, o "Ubercab". Um dia e tanto.

2011

Em 2011, o Facebook introduziu o botão "Seguir", um novo recurso que deixaria o serviço melhor e mais influente. O botão "permite que você saiba o que está acontecendo com pessoas interessantes que não estão na sua lista de amigos — como jornalistas, artistas e figuras políticas", informou o Facebook em seu comunicado. "Basta clicar no botão para receber suas atualizações públicas no seu feed de notícias."

O botão "Seguir" era viciante, tanto para usuários do Facebook quanto para pessoas públicas. Mas, ao criar esse botão, o Facebook sacrificou um pouco daquele ambiente criado para amigos e família.

O Twitter em 2011 introduziu o compartilhamento de fotos, dando um grande passo para se tornar uma rede mais visual e com menos texto. "140 caracteres que agora valem 1.000 palavras", escreveu o então presidente do conselho da companhia, Jack Dorsey.

2012

O Facebook entrou em 2012 com mais de 800 milhões de usuários. Ele se tornou uma empresa de capital aberto em maio, aumentando a pressão para que sua base de usuários e receita crescessem a cada trimestre. "O Facebook quer construir serviços que dão às pessoas o poder de compartilhar e ajudá-las a transformar o centro das nossas instituições e indústrias", escreveu Zuckerberg na declaração de IPO (oferta pública inicial de ações) da empresa.

Enquanto isso, o Twitter era a plataforma política que decidia as eleições presidenciais de 2012 nos EUA. Um tuíte com uma foto de Barack e Michelle Obama após a vitória se tornou a publicação mais retuitada de de todos os tempos.

Oito dias após a eleição, o Facebook tentou recuperar o atraso. Ele introduziu um botão de compartilhar nos dispositivos móveis — um clone do retweet — que aumentaria a velocidade de seu serviço, tornando-o mais atrativo para agências de notícias e políticos.

2013

Com 230 milhões de usuários, o Twitter se tornou uma empresa de capital aberto em 2013, aumentando a pressão para que sua base de usuários e receita crescessem.

O Facebook passou 2013 copiando mais recursos do Twitter. Adicionou hashtags em março e uma coluna de "trending topics" em agosto. A mensagem era clara: o Facebook queria muito um conteúdo mais público e em tempo real.

Veículos de notícias mais tradicionais responderam ao chamado do Facebook, trabalhando duro para criar operações que traduzissem seu trabalho de algo que as pessoas pagariam para algo em que clicariam. Veículos menos tradicionais também entraram na onda, incluindo sites de notícias e entretenimento que só estão disponíveis digitalmente (como o BuzzFeed), além de sites de fake news feitas-para-o-Facebook.

"Estava vendo esse tipo de site em todo lugar com muitos seguidores, eles estavam recebendo muitas visitas, e pensei comigo mesmo: bom, eu poderia fazer isso", disse em 2013 Jestin Coler, criador do site de notícias falsas National Report.

A decisão do Facebook de aumentar o conteúdo público e adicionar um botão de compartilhar para dispositivos móveis estimulou o aparecimento de muitas notícias falsas em seu serviço. As pessoas espalham qualquer tipo de mentira sem pensar muito a respeito — o botão eliminou quase que por completo a hesitação na hora de compartilhar — desde que essas mentiras confirmassem sua visão de mundo.

2014

O Twitter começou a experimentar um recurso de "retuitar com comentário" em 2014. E os usuários do Twitter descobriram uma nova maneira de magoar os outros com as ferramentas do serviço. Naquele ano, o Gamergate surgiu. O Gamergate era uma campanha de assédio contra mulheres na indústria dos games, e isso transformou o botão de retuíte em uma arma. Chris Wetherell, líder do projeto do botão de retuíte em 2009, assistiu horrorizado ao desenrolar do Gamergate, entendendo os danos causados por sua criação. "Não construímos uma defesa para isso. Só construímos um canal de ataque."

O Facebook também teve um ano agitado em 2014. Ele revelou ter manipulado as emoções dos usuários por meio de um experimento com o feed de notícias, comprou a startup de realidade virtual, Oculus, por US$ 2 bilhões e o aplicativo de mensagens WhatsApp por US$ 19 bilhões. O Facebook agora estava gigantesco — com mais de 1 bilhão de usuários apenas em dispositivos móveis — e não estava dedicando recursos suficientes para monitorar seus produtos.

2015

O desejo do Facebook por conteúdo público fez com que seu serviço fosse inundado com publicações de fontes públicas, fazendo com que o compartilhamento normal entre amigos e familiares parecesse assustador. Em 2015, as pessoas compartilhavam um número menor de publicações originais no Facebook, deixando um vazio que os disseminadores de notícias falsas e sensacionalistas preencheram com gosto. Naquele ano, o Facebook sabia que tinha um problema em suas mãos e prometeu mostrar menos "hoaxes" (tipo de spam no feed de notícias, como fraudes, ou notícias deliberadamente falsas ou enganosas).

Em 2015, a campanha presidencial de Ted Cruz nos EUA começou a trabalhar com uma empresa de dados, a Cambridge Analytica, para direcionar mensagens aos eleitores. A Cambridge Analytica, de acordo com uma reportagem do Guardian naquele ano, estava usando "perfis psicográficos" de cidadãos americanos construídos com dados do Facebook, dados que o pesquisador Aleksandr Kogan coletava e mantinha com base nas políticas frouxas de desenvolvedores do site.

O Twitter — focado em ganhar dinheiro e aumentar sua base de usuários para agradar aos acionistas — ignorou amplamente um problema de assédio cada vez mais intenso que piorou após o Gamergate. "Somos péssimos em lidar com abusos", disse o CEO do Twitter, Dick Costolo, no início de 2015, em um raro momento de autorreflexão. Costolo renunciou, deixando a bagunça para Dorsey, que retornou como CEO do Twitter.

2016

O Twitter introduziu um algoritmo em seu feed em 2016, e os trolls enlouqueceram. Numa noite de verão, um grupo incitado pelo editor do Breitbart Milo Yiannopoulos agiu tão brutalmente que sua vítima, a atriz Leslie Jones de "Caça-Fantasmas", saiu da rede social. O Twitter tinha se tornado um local que atraía idiotas.

Enquanto isso, o Facebook se tornou a plataforma decisiva nas eleições presidenciais dos EUA em 2016, mas talvez não pelas razões esperadas. As principais notícias falsas viralizaram mais no Facebook do que as notícias reais, as páginas hiperpartidárias espalharam informações enganosas sobre os candidatos, e adolescentes na Macedônia administravam dezenas de sites com notícias falsas e a favor de Trump para lucrarem com o frenesi.

Uma fazenda de trolls ligada ao Kremlin, a Internet Research Agency, espalhou publicações no Facebook e no Twitter com o objetivo de semear a discórdia entre o público americano.

E depois que Ted Cruz desistiu da candidatura, a campanha presidencial de Donald Trump, que seria a vitoriosa, começou a trabalhar com a Cambridge Analytica.

2017

Depois de quase saturar o mercado americano, o Facebook trabalhou durante anos para se expandir nos mercados internacionais. A empresa teve sucesso, alcançando 2 bilhões de usuários mensais em meados de 2017, mas estava terrivelmente despreparada para manter sua expansão segura. Em 2017, os legisladores de Mianmar publicaram discursos de ódio e mentiras sobre a minoria muçulmana rohingya. Para esses legisladores, o Facebook se tornou uma ferramenta fundamental em uma campanha violenta que obrigou 700.000 rohingya a fugirem do país, e a ONU chamou o ocorrido de genocídio.

No Twitter, um funcionário no último dia de trabalho desativou a conta do presidente Trump.

2018

Em março de 2018, o New York Times e o Guardian publicaram reportagens que revelavam a extensão do trabalho da Cambridge Analytica nas eleições de 2016. Kogan forneceu à empresa dados de até 87 milhões de usuários do Facebook, mas apenas 270.000 pessoas haviam consentido em entregar seus dados. Os dados identificaram os traços de personalidade das pessoas e ajudaram a adequar as mensagens, que eram baseadas na predisposição da pessoa em aceitar algo, por exemplo, ou na religiosidade dela. Christopher Wylie, o delator, declarou: "Eu criei a ferramenta da guerra psicológica de Steve Bannon". Um mês depois, Zuckerberg estava se explicando no Capitólio.

Tendo sido convocado e arrastado perante o Congresso por suas falhas, o Facebook começou a corrigir algumas das vulnerabilidades em seu serviço principal. Mas ele ainda lutava para conter o dano causado em seus aplicativos secundários. Assim como o botão de retuíte e o de compartilhar, o WhatsApp tinha um botão de "encaminhar" que permitia que notícias, memes e rumores se espalhassem rapidamente e fossem compartilhados sem nenhuma reflexão ou hesitação. Em julho de 2018, uma multidão na vila de Rainpada, na Índia, espancou cinco desconhecidos até a morte depois de assistir a vídeos não rastreáveis no WhatsApp que alertavam — sem qualquer fundamento — sobre sequestradores de crianças. O Facebook limitaria o encaminhamento de mensagens em 2019.

O Twitter passou boa parte de 2018 defendendo sua decisão de não banir o teórico da conspiração Alex Jones, dando a impressão de que ainda não tinha certeza de como definir um limite nas suas regras de discurso. Então, em setembro, depois que a Apple baniu Jones, o Twitter seguiu o exemplo.

2019

Com o fim da década se aproximando, o Facebook e o Twitter estavam se esforçando para colocar seus serviços em ordem. O Twitter proibiu anúncios políticos antes da eleição, e o Facebook está considerando suas próprias restrições. O Twitter informou que vai marcar os tuítes dos políticos quando violarem suas regras, e o Facebook está tentando dar novamente ênfase em conteúdos provenientes de amigos e familiares.

Durante uma década, os dois serviços priorizaram o crescimento e a influência em vez de segurança, criando uma bagunça que vai levar a próxima década para ser arrumada. Eles alcançaram seus objetivos, e como resultado conquistaram muita riqueza e poder, mas compreender completamente os efeitos de seus atos na sociedade deve levar alguns anos.


Este post foi traduzido do inglês.

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