Garotas adolescentes são as protagonistas do ativismo climático. E estão sendo atacadas por isso

    Não é só a Greta.

    Na manhã do dia 25 de agosto, Lilly Platt, de 11 anos, tuitou um vídeo de uma tribo amazônica brasileira se manifestando contra o desmatamento. A discussão sobre os incêndios incontroláveis na Amazônia estava no auge, e o tuíte viralizou. E, em menos de uma hora, uma horda de perfis de trolls encheu a conta dela com pornografia.

    Pouco depois do ataque, a mãe de Lilly, Eleanor Platt, fez um apelo online pedindo ajuda: "Queridos amigos de Lilly, aqui é a mãe dela. Ela está sendo alvo de trolls revoltantes que estão enchendo seu feed com pornografia. Não há muito que eu possa fazer para impedir isso. Por favor, se vocês virem essas postagens, denunciem-nas". Ao longo do dia, alguns dos quase 10 mil seguidores de Lilly fizeram exatamente isso.

    Jovens garotas como Lilly, que fez greve na sua cidade natal — Utrecht, na Holanda — toda sexta-feira ao longo do último ano, estão liderando de forma esmagadora um crescente movimento mundial para chamar atenção para a crise climática. Elas incentivaram cerca de 4 milhões de pessoas pelos sete continentes a saírem do trabalho e da escola no dia 20 de setembro — e estão sendo atacadas por causa disso.

    Elas estão enfrentando um bombardeio de insultos diários, que aparentemente são ataques coordenados (como o que atingiu Lilly), DMs assustadoras, exposição de informações, contas hackeadas e ameaças de morte. Essa é a nova normalidade para as jovens líderes climáticas, mostram entrevistas feitas pelo BuzzFeed News com quase uma dúzia dessas adolescentes e seus pais.

    Ataques pessoais sempre fizeram parte do manual de negação climática, mesmo com as empresas de combustíveis fósseis financiando secretamente campanhas e pesquisadores para questionarem o consenso científico sobre a mudança do clima. No incidente mais famoso, o Climategate, em 2009, houve hackeamento dos e-mails de cientistas, que posteriormente sofreram ameaças de morte. E, à medida que a mudança climática entraram mais profundamente no debate político mundial, a intimidação, os memes e a desinformação emergiram como principal instrumento do negacionismo climático.

    Mas a ascensão de um novo movimento pelo clima significa que agora há um alvo muito mais visível, e muito mais vulnerável: os adolescentes que surgem como líderes desse movimento. O exemplo mais claro disso é o que está acontecendo hoje com a maior estrela do ativismo climático, Greta Thunberg.

    A ativista sueca de 16 anos lançou sozinha, no ano passado, um movimento de greve pelo clima, tornando-se o maior alvo dos ataques online ao ativismo climático. Negacionistas da ciência climática, youtubers de direita e políticos são as figuras de maior importância com fixação em tudo a respeito dela, desde suas tranças e sua síndrome de Asperger até a motivação por trás das greves.

    No dia 14 de agosto, quando Greta partiu pelo Atlântico para uma viagem repleta de compromissos, incluindo várias greves, depoimentos ao Congresso americano e a cúpula climática das Nações Unidas, em Nova York, o ex-financiador do Partido Independente do Reino Unido, Arron Banks, tuitou que "acontecem estranhos acidentes de iate em agosto". Pouco depois da chegada de Greta aos Estados Unidos, Maxime Bernier, um político canadense associado a grupos de extrema-direita, escreveu: "Ela deveria ser denunciada e atacada". Um tuíte viral do conservador Dinesh D'Souza após a greve mundial pelo clima tocou em outro tema recorrente: a comparação de Greta a crianças da propaganda nazista. Na segunda-feira, um convidado da Fox News a chamou de "doente mental", um golpe em seu diagnóstico de Asperger, levando a emissora a divulgar um pedido de desculpas. Pouco depois da cúpula das Nações Unidas, o presidente Donald Trump tuitou de forma sarcástica: "Ela parece uma jovem muito feliz em busca de um futuro brilhante e maravilhoso. Tão bonitinho!"

    Enquanto isso, mais de 5 mil tuítes de bots suspeitos fizeram menção a Greta, de acordo com uma análise do Bot Sentinel fornecida ao BuzzFeed News.

    Mas não é só Greta. Outras jovens garotas do movimento estão enfrentando uma onda de assédio online. Não está tão claro de onde vêm os ataques, mas é uma combinação de contas normais, trolls e bots. Embora as ativistas mais jovens sejam blindadas com frequência graças ao monitoramento que seus pais fazem das redes sociais, muitas das adolescentes não têm esse filtro. Jamie Margolin, ativista climática de 17 anos de Seattle, descreveu como se sentiu ao passar por um ataque recente no Twitter: "Você começa a ficar muito ansiosa".

    Com a ocasional lentidão nas respostas e na prevenção de abusos por parte de plataformas como Twitter e Instagram, outros defensores da comunidade climática também estão intervindo intensamente para denunciar contas que têm como alvo menores de idade.

    "A verdade nua e crua é que essas garotas estão diariamente sujeitas ao lado mais profundamente sombrio das redes sociais", disse por e-mail Bethany Edwards, mãe da ativista climática de 8 anos Havana Chapman-Edwards. Havana, que é negra, recebeu mensagens racistas, ameaças de morte e foi contatada por um homem que, a família descobriu mais tarde, era um agressor sexual com ficha criminal.

    A cientista climática Katharine Hayhoe, da Universidade de Tecnologia do Texas, revelou que adiciona alguém à sua lista de bloqueados do Twitter "em média pelo menos uma vez por dia, se não mais". Para Hayhoe, à medida que as vozes de jovens ativistas ficam mais altas, o alvo em suas costas torna-se cada vez maior.

    "Eles atacam qualquer um que seja considerado eficaz", disse. "Quanto mais eficaz você é, maiores são os ataques."

    A princípio, Greta começou a greve sozinha.

    "Se a queima de combustíveis fósseis era tão ruim que ameaçava nossa própria existência, como pudemos continuar como antes? Por que não houve restrições? Por que não foi considerado ilegal? Para mim, isso não fazia sentido. Era irreal demais", disse Greta em seu TEDx Talk, em Estocolmo, em novembro de 2018.

    Greta começou a fazer greve sozinha em agosto do ano passado, quando tinha 15 anos, faltando a escola às sextas-feiras para ficar em frente ao prédio do Parlamento da Suécia, em Estocolmo, e entregar panfletos chamando atenção para a crise climática. Ela não tinha o apoio dos pais, de acordo com uma de suas postagens no Facebook, e conseguiu propagar sua mensagem pela imprensa e pelas redes sociais. Toda semana, ela postava uma foto de si mesma fazendo greve no Instagram.

    Os seguidores de Greta no Instagram cresceram rapidamente. Sua primeira postagem sobre a greve, em 20 de agosto, teve mais de 19 mil curtidas. Outra publicação em 15 de março, o dia da primeira greve mundial, recebeu cerca de 264 mil curtidas. Na segunda-feira, ela compartilhou um vídeo de seu discurso nas Nações Unidas que até o momento contabiliza 3,7 milhões de curtidas.

    Cerca de uma dúzia de jovens que fizeram greve pela primeira vez em Washington, D.C., e na cidade de Nova York nas últimas semanas contaram ao BuzzFeed News que foram inspiradas por Greta; para algumas, seu TED Talk ou sua página do Instagram foram até mesmo o que os apresentou à urgência da mudança climática.

    Lilly estava entre as primeiras crianças que se juntaram ao movimento de Greta. Quando ela começou sua própria greve semanal em Utrecht em setembro do ano passado, Greta percebeu. Ela compartilhou um vídeo do Instagram de Lilly dizendo ao mundo: "Há algo que eu gostaria de falar: nós só temos um planeta, e esse planeta é a Terra. Se nós o destruirmos, não teremos uma segunda chance". E pedindo para que todos fizessem greve pelo clima. Um mês depois, as duas garotas se encontraram e fizeram greve juntas.

    Mas, à medida que a popularidade de Greta cresceu, as retaliações também aumentaram. No início de suas manifestações, Greta foi atacada, e Lilly a defendeu. Em seguida, as hordas se voltaram para Lilly. Greta saiu em sua defesa, tuitando em 11 de novembro de 2018: "Ela me defendeu e agora está sendo alvo do ódio de trolls anônimos 'corajosos'. Por favor, sigam e apoiem Lilly."

    Desde então, os ataques se acumularam. Lilly recebe com frequência mensagens antissemitas, odiosas e com ameaças no Twitter; links para pornografia no Instagram; e até mesmo foi vítima de um hackeamento que, segundo Eleanor Platt, que supervisiona todas as mídias sociais de Lilly, fez com que sua família inteira precisasse adquirir novos telefones.

    No final de novembro, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison pediu "mais aprendizado e menos ativismo nas escolas", levando Lilly a criticá-lo online. Dias após a imprensa australiana saber de seus comentários, os telefones de Lilly e de sua família foram todos hackeados, contou a mãe.

    Posteriormente, Eleanor Platt conversou com um cientista climático que a ajudou a adotar uma rotina mais segura nas mídias sociais. Agora, a família nunca entra no Twitter pelo aplicativo do telefone, por exemplo. Em vez disso, conecta-se através de uma rede privada virtual, ou VPN. Eleanor também verifica constantemente os seguidores das redes sociais de Lilly em busca de contas suspeitas.

    "Eu preciso fazer isso todos os dias. Todas as manhãs. Todas as noites", revelou.

    Ela também analisa qualquer mensagem direta enviada a Lilly, além de todas as suas notificações, à procura de algum material problemático que precise de bloqueio, denúncia ou silenciamento de contas — tudo antes que Lilly veja qualquer coisa.

    Esse intenso microgerenciamento de contas é uma exigência para que Lilly até mesmo utilize plataformas como o Twitter, que não permite a presença de usuários com menos de 13 anos, além de ser uma precaução de segurança, disse sua mãe. Em resposta às críticas de que Lilly e outras crianças pequenas são "fantoches" que vocalizam as crenças políticas de seus pais, Eleanor afirmou: "Desde o hackeamento, eu precisei ajudar a fazer as coisas de uma maneira diferente", acrescentando que "de jeito nenhum" é ela quem escreve os tuítes ou forçando Lilly a seguir com o ativismo.

    Os pais de Havana, de 8 anos, têm uma abordagem semelhante. "A questão não é *se* haverá problemas nos esperando sempre que entrarmos nas redes sociais, e sim quantos problemas serão", disse Bethany Edwards. "Nossa realidade diária, em razão do assédio, dos spams pornográficos e dos homens esquisitos tentando 'apoiar' a mensagem dela, é que Havana não pode entrar no Twitter ou no Instagram antes que meu marido e eu façamos uma varredura."

    Para Edwards e Platt, outra peça-chave na proteção das crianças é a conversa entre eles. Os pais estão sempre trocando dicas, como, por exemplo, como entrar no Twitter usando VPN, e avisando sobre contas suspeitas uns para os outros.

    "Uma coisa boa do grupo das meninas é que seus relacionamentos nos uniram como pais para que possamos protegê-las juntos e de forma incansável", disse Bethany. "Precisamos nos unir, porque muito provavelmente os homens que mandam DMs para elas são os mesmos."

    Haven Coleman, 13 anos, de Denver, e Alexandria Villaseñor, 14 anos, da cidade de Nova York, são grandes o suficiente para ter suas próprias contas no Twitter, mas ainda assim compartilham as senhas dessas contas com suas mães. Haven contou ao BuzzFeed News que, quando recebe uma mensagem direta estranha, ou ela ou sua mãe bloqueiam e denunciam a conta, dependendo de quem vir primeiro.

    Jamie Margolin, de 17 anos, fundadora do grupo ativista Zero Hour, cuida de suas próprias redes sociais.

    Jamie, que é judia, gay e latina, contou que, com frequência, ignora comentários sexistas e depreciativos de pessoas que ela descreve como negacionistas climáticos online.

    Mas o que aconteceu na noite de terça-feira, 20 de agosto, foi diferente. Às 19h27, ela tuitou: "Peço desculpas em nome de todas as pessoas brancas. Nós de fato estamos por aí colonizando e destruindo as coisas, e isso não é brincadeira 😒...." Em retaliação ao tuíte, já apagado, ela foi inundada por centenas de respostas ofensivas e odiosas, que traziam insultos antissemitas, piadas obscenas e muito mais.

    "Algumas era bem ameaçadoras. Outras eram, tipo: 'Cadê sua sinagoga?'", contou Jamie. Ela compartilhou com o BuzzFeed News capturas de tela de alguns dos comentários; a maioria dessas contas agora estão suspensas, e os tuítes foram excluídos.

    Jamie revelou que uma das coisas mais assustadoras que aconteceu foi que, com esses ataques, começaram a vasculhar a internet em busca de informações sobre ela: desenterraram tuítes passados, pegaram fotos do Facebook, descobriram entrevistas antigas e procuraram as origens de seu sobrenome.

    "Continuavam chegando cada vez mais e mais e mais e mais, e ficou mais assustador quando eles começaram a desenterrar minhas coisas antigas", disse Jamie. Ela procurou suas conselheiras adultas — como Natalie Mebane, diretora de políticas dos Estados Unidos do grupo ambiental 350.org, e Mary Heglar, diretora de publicações do Conselho de Defesa de Recursos Naturais — para pedir ajuda.

    Em um grupo do WhatsApp, Jamie, suas conselheiras e outras pessoas discutiram sobre como cada um poderia "sinalizar individualmente os tuítes de diferentes usuários e denunciá-los", contou Mebane, "de modo que fosse um esforço em grupo". Juntos, eles denunciaram dezenas e dezenas de contas.

    "É necessário que o Twitter fique ciente [das contas e tuítes problemáticos], porque eles provavelmente estão postando coisas semelhantes em outros lugares", disse Mebane.

    Após mais de uma hora de bloqueios, denúncias e silenciamentos de contas no Twitter, Jamie apagou o Twitter de seu telefone e deu um tempo da internet. Semanas depois, ela ainda pensa sobre isso.

    "Isso não me impede de ser uma ativista pública e uma figura pública", contou Jamie, "mas, sempre que estou prestes a tuitar algo, fico paranoica a respeito do que as pessoas vão dizer, o que vão pensar de mim, como posso ser mal-interpretada. Então, me dou conta de que qualquer um pode encontrar alguma coisa errada o tempo inteiro; sendo assim, posso muito bem postar o que eu penso e o que eu sei".

    Em uma indicação de que as ameaças, online e pessoalmente, estão aumentando contra as ativistas, Jamie contou que o Zero Hour enfrentou problemas com um perseguidor, o que levou o grupo a contratar segurança armada para uma cúpula de treinamento de jovens em Miami, em julho.

    A ameaça principal, esclareceu Mebane, foi feita a um apoiador famoso, mas havia a preocupação de que o perigo se estendesse aos jovens ativistas. "Foi a primeira vez que uma ameaça séria foi feita", revelou Mebane.

    Em outro caso de crescente preocupação com a segurança, Haven, que tem feito greve nos degraus do prédio do Capitólio Estadual do Colorado, em Denver, vivenciou situações intimidadoras recentemente. Um homem passou por ela enquanto subia as escadas, voltou, foi em sua direção e disse que sua greve era "estúpida". Outro homem usando o chapéu do MAGA (Make America Great Again) não parou de fotografá-la do outro lado da rua. A mãe de Haven fazia companhia a ela em suas greves, mas, após os últimos incidentes, o pai também passou a acompanhá-la.

    Haven tem dois conselhos para outras crianças que querem fazer greve com segurança: "Sempre tenha seu celular à mão, independentemente de qualquer coisa" e "Por favor, não faça greve sozinho". ●

    Este post foi traduzido do inglês.

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