Propagandas em apps para crianças manipulam e distraem, conclui novo estudo

    Segundo a líder da pesquisa, a pediatra Jenny Radesky, da Universidade de Michigan (EUA), crianças não têm a habilidade de pensamento crítico para entender a "intenção persuasiva" de uma propaganda — ou seja, que os aplicativos querem que você assista aos anúncios porque se beneficiam financeiramente.

    Aplicativos populares para crianças pequenas, especialmente os disponíveis na loja de apps do Google, estão repletos de propagandas distrativas que manipulam e extraem informações pessoais, segundo uma nova pesquisa.

    A conclusão levou uma série de grupos de defesa das crianças a pedir ao governo federal americano que investigue estes produtos. Segundo eles, muitos aplicativos violam a Lei da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos.

    "O que esperamos é que a CFC multe os desenvolvedores de aplicativos e mande uma mensagem clara à indústria de apps para pré-escolares", disse ao BuzzFeed News Josh Golin, diretor-executivo da Campaign for a Commercial-Free Childhood [Campanha para uma Infância Sem Publicidade].

    Na TV, anúncios direcionados a crianças devem seguir certas regras. Não é permitida a veiculação de produtos, por exemplo, e tampouco o "personagem vendedor", quando um personagem encoraja as crianças a comprar algo. No entanto, estas regras, estabelecidas pela Comissão Federal de Comunicações, não se aplicam à internet. "Temos este vácuo regulatório", disse Golin.

    O novo estudo analisou 135 aplicativos para crianças, entre pagos e gratuitos, iOS e Android, incluindo 96 dos mais frequentemente baixados na categoria de "Até 5 Anos" do Google Play Store dos EUA. Cerca de um terço estavam classificados como "educativos". A maioria dos aplicativos gratuitos foram baixados mais de 5 milhões de vezes cada, e os pagos mais de 50.000 vezes.

    Quase todos — 88% dos aplicativos pagos e 100% dos gratuitos — continham pelo menos um tipo de propaganda, segundo o estudo, como: anúncios pop-up, banners de publicidade, compras no aplicativo e personagens comerciais.

    Os pesquisadores disseram que os banners de publicidade mostravam conteúdo inapropriado para crianças, como, por exemplo, um anúncio da Health Living Today sobre "10 Fatos para Aprender Sobre Distúrbio Bipolar: Pesquise Tratamentos". Outros anúncios eram para aplicativos tipo o Pocket Politcs, jogo que mostra um desenho do Presidente Donald Trump querendo apertar um botão de "arma nuclear", e FastLand, um jogo de tiroteio em carro. Ambas as propagandas dos aplicativos mostravam um vídeo demonstrativo antes que pudessem ser fechadas.

    Para Golin, um dos exemplos mais perturbadores foi o Doctor Kids, que mostra um personagem chorando se você não clicar em uma compra no aplicativo. "As crianças criam um vínculo real com estes personagens", disse. "Para uma criança, esse é um sentimento muito forte para se expressar, quando um personagem está chorando". (O criador do Doctor Kids, Bubadu, não respondeu a pedidos de comentário).

    Nove dos aplicativos para crianças continham o que os pesquisadores chamam de anúncios "camuflados", que são feitos para parecer parte do jogo, mas que mostram um vídeo quando clicados. No aplicativo My Talking Tom, por exemplo — que já foi baixado mais de 500 milhões de vezes, de acordo com o Google Play — as crianças veem um presente cair do teto. Se elas tocarem nele, verão uma solicitação que diz: "assista aos vídeos e ganhe". (O criador de My Talking Tom, Outifit 7, não respondeu a pedidos de comentário.)

    Em Builder Game, que tem mais de 10 milhões de instalações no Google Play, balões de pensamento aparecem sobre os personagens dizendo à criança o que fazer. O estudo descobriu que, às vezes, os balões levam à jogos que só podem ser jogados depois de se assistir um anúncio. (O criador de Builder Game, também o Bubadu, não respondeu a pedidos de comentário.)

    Segundo a líder do novo estudo, a pediatra Jenny Radesky, da Universidade de Michigan (EUA), crianças não têm a habilidade de pensamento crítico para entender a "intenção persuasiva" de uma propaganda — ou seja, que os aplicativos querem que você assista aos anúncios porque se beneficiam financeiramente.

    Estudos anteriores mostraram que mesmo a breve exposição a anúncios incluídos em desenhos e outras mídias podem influenciar as preferências de marca das crianças, segundo Tom Robinson, professor de pediatria na Universidade Stanford. É "desanimador", disse, "que criadores de apps estejam dispostos a usar métodos insidiosos que se aproveitam das vulnerabilidades das crianças".

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    Outra grande preocupação sobre os apps para crianças é a privacidade dos dados. Embora a Lei de Proteção à Privacidade On-line Infantil (LPPOI) dos EUA limite a quantidade de informação pessoal que pode ser coletada e rastreada de crianças menores de 13 anos, milhares de aplicativos distribuídos pelo Google talvez violem a regra, de acordo com um relatório publicado no início deste ano. Seis aplicativos analisados no novo estudo solicitaram a informação de localização do usuário, uma violação em potencial da LPPOI.

    Plataformas como o Google e a Apple têm um papel de guardiões a desempenhar, diz Radesky. A Apple, por exemplo, não permite que aplicativos sejam listados na categoria "Crianças" do seu iOS App Store se permitirem compras diretas (as compras devem depender do controle parental) ou se mostram anúncios baseados nas atividades do usuário (embora os apps ainda possam mostrar anúncios).

    Em uma declaração por e-mail, um porta-voz do Google disse que os aplicativos do Google Play direcionados a crianças devem integrar seu programa "Projetado para as Famílias". Eles devem aderir às regras da LPPOI e a restrições de publicidade e conteúdo. "Adicionalmente, o Google Play revela se um aplicativo tem publicidade ou compras no aplicativo, assim os pais podem tomar decisões informadas." (Uma de suas regras específicas para crianças, por exemplo, proíbe exibir anúncios que poderiam ser confundidos com o conteúdo do aplicativo — que parece ter sido violada por alguns dos aplicativos identificados no novo estudo.)

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    A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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