Venezuelanos fogem a pé em busca de comida e remédios no Brasil, diz relatório

    Quatro mil esperam refúgio em Boa Vista (RR). Sistema de saúde de Roraima não dá conta de atender os migrantes que deixaram para trás um país em colapso.

    A venezuelana Geraldine Dhil, 32, caminhou 200 quilômetros para cruzar a fronteira e chegar até Boa Vista, em Roraima atrás de um emprego. O dinheiro servirá para comprar o remédio para o filha de 13 anos, que tem câncer.

    Barbara Rosales, 21, estava grávida de seis meses. Em Santa Helena de Uairén, na Venezuela, não havia como ser atendida. A cidade a mandou de carro ao Brasil, sem medicação, com uma enfermeira. Em Roraima, a jovem teve o bebê, que pesava um quilo e passou mais de um mês na UTI.

    As duas mulheres estão entre os 60 venezuelanos entrevistados pela Human Rights Watch (HRW) em fevereiro para a elaboração de um relatório que aborda como a crise humanitária na Venezuela se espalhou para o lado brasileiro da fronteira.

    Os entrevistados dizem que deixaram o país por não ter condições de comprar alimentos e medicamentos e por conta da expansão da criminalidade.

    De acordo com a entidade, o sistema de saúde de Roraima entrou em colapso com a chegada desses imigrantes que buscam, sobretudo, alimentos, medicamentos e atendimento médico.

    No hospital de Pacaraima, um pequena cidade de 12 mil habitantes na fronteira com a Venezuela, 80% dos pacientes são venezuelanos.

    O Hospital Geral de Roraima atendeu 1.815 venezuelanos em 2016, mais que o triplo dos atendimentos feitos a esses migrantes no ano anterior.

    O hospital responde por 80% dos atendimentos a adultos de todo o estado, cuja população é de 327 mil pessoas. Ali, são atendidos 300 venezuelanos por mês.

    De acordo com o levantamento da entidade, os profissionais de saúde do Brasil relataram que os pacientes venezuelanos chegam aos hospitais em situação mais grave que os brasileiros, por não ter recebido atendimento em seu país de origem.

    Exemplos disso são as pessoas com complicações decorrentes da falta de tratamento para HIV/Aids, tuberculose, malária e pneumonia.

    "Os venezuelanos chegam mais doentes que os brasileiros: 7% dos brasileiros ficam internados enquanto 20% dos venezuelanos que procuram um hospital ficam internados", disse o pesquisador espanhol César Muñoz, um dos autores do relatório divulgado nesta terça-feira.

    Pelo levantamento da HWR, a situação em Roraima é cada vez mais grave. Em Boa Vista, muitos venezuelanos vivem em situação de rua ou em abrigo precário.

    Ainda assim, os entrevistados dizem preferir viver no Brasil do que retornar ao país.

    Quatro mil venezuelanos aguardam, há meses, uma audiência para apresentar seu pedido de refúgio ao Brasil.

    “O Brasil está tendo dificuldades para atender às necessidades urgentes dos venezuelanos, vítimas de uma crise humanitária pela qual a administração de Nicolás Maduro é amplamente responsável”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da HRW, que pediu aos países vizinhos que pressionem a Venezuela por soluções para a crise.

    O governo brasileiro informou à entidade que 12 mil venezuelanos vivem no Brasil desde 2014, sendo que 7.150 chegaram ao país nos primeiros 11 meses de 2016.

    Só em Roraima, 4 mil venezuelanos aguardam há meses para apresentar seu pedido de refúgio ao Brasil.

    O número de venezuelanos que pedem refúgio aumentou de 54 em 2013 para 2.595 nos primeiros onze meses de 2016. Até o final do ano, informa o relatório, o Ministério da Justiça havia decidido apenas sobre 89 desses casos, sendo que o refúgio foi concedido para 34 pessoas.

    Além do aumento da migração para o Brasil, Argentina, Chile, Peru e países vizinhos também refletem a crise. E, só nos Estados Unidos, os pedidos de refúgio saltaram de 395 em 2014 para 2.334 em 2016.

    No ano passado, a Polícia Federal (PF) deportou 514 venezuelanos de Roraima (em 2015, foram 20).

    De acordo com a organização, em dezembro, a Defensoria Pública impediu que a PF deportasse 450 pessoas do povo indígena Warao, oriundo da Venezuela.

    "A responsabilidade do sofrimento desses venezuelanos recai sobretudo no governo venezuelano, que além de recusar o reconhecimento de uma crise não tem feito muito para aliviar a situação", disse Maria Laura Canineu, diretora do Human Rights Watch no Brasil, em entrevista coletiva nesta terça-feira em São Paulo.

    "O aumento (da imigração para o Brasil) reflete a deterioração da situação nacional da Venezuela", disse ela, afirmando que é preocupante o aumento de prisões arbitrárias políticas: "Existem mais de cem presos políticos".

    César Muñoz afirmou que "estamos vendo que milhares de venezuelanos estão fugindo de uma crise humanitária que o governo Maduro diz que não existe".

    Segundo ele, a falta de documentos para viver no Brasil coloca os venezuelanos em uma situação ainda mais fragilizada, com relatos sobre abusos trabalhistas e de vítimas de crimes que não podem reportar os casos às autoridades porque estão no país sem refúgio.

    Ele explica ainda que os venezuelanos não conseguem pedir o visto humanitário ao Brasil, uma alternativa ao refúgio, porque não tem os cerca de R$ 500 do custo do pedido.

    Maria Laura Canineu pediu que o Brasil aumente a pressão sobre a Organização dos Estados Americanos (OEA) para que a Venezuela tome quatro medidas: reconhecimento da crise para ajuda humanitária, libertação de presos políticos, fixação de um calendário eleitoral e a divisão dos poderes, com a independência do Judiciário.













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