Este algoritmo consegue prever quais pacientes de um hospital têm mais chances de morrer

    O algoritmo foi criado para outro propósito, mas acabou tendo uma função mais importante: alertar os médicos sobre pacientes em condições críticas.

    A septicemia é um dos maiores perigos de um hospital. Quando o corpo reage exageradamente a uma infecção, ele pode provocar inflamação generalizada, que por sua vez pode causar danos nos tecidos e falência dos órgãos. A septicemia é responsável por um terço à metade de todas as mortes em hospitais dos EUA.

    No entanto, os sintomas da septicemia, como febre e dificuldade em respirar, às vezes se parecem muito com outras doenças. Isso torna difícil detectá-la, especialmente em suas fases iniciais. Assim, uma equipe da Banner Health, rede hospitalar em Phoenix, cidade dos EUA localizada no Estado de Arizona, voltou-se para a ciência da computação para uma solução. A ideia era desenvolver um algoritmo que constantemente monitorasse registos de saúde eletrônicos e avisasse os funcionários do hospital, em tempo real, quando os pacientes estivessem com alto risco de septicemia.

    Isso não funcionou. Pelo menos não da forma esperada.

    Cinco anos após a Banner implementar o alerta, ele não conseguiu fazer um bom trabalho no diagnóstico de septicemia. No entanto, a equipe por trás dele, liderada pelo médico Hargobind Khurana, descobriu que o algoritmo tinha uma função inesperada: Ele era bom em identificar pacientes que estavam geralmente muito mais doentes do que a média, mesmo se eles não tivessem septicemia. Embora o alerta tenha falhado em grande parte no seu objetivo principal, ele acabou tendo um potencial diferente, talvez até mais poderoso: alertar os médicos sobre seus pacientes mais vulneráveis.


    Comparados
    aos pacientes
    que não desencadeavam
    o alerta,
    aqueles que desencadeavam tinham quatro vezes mais chances de morrer no dia seguinte.

    Os algoritmos estão presentes em quase todas as partes de nossas vidas. Eles atuam, por exemplo, em alertas de calendário, anúncios do Facebook e previsões do Google. Um dos papéis mais importantes desempenhados por algoritmos está nos prontuários eletrônicos, usados por hospitais e consultórios médicos para monitorar e gerenciar a saúde e as doenças dos pacientes.

    Os alertas baseados em algoritmos devem destacar informações importantes escondidas em montanhas de dados — coisas como quando a medicação de alguém precisa ser reposta ou quando um paciente tem uma frequência cardíaca anormalmente elevada.

    Na melhor das hipóteses, esses alertas salvam a energia da tomada de decisão de médicos e enfermeiros sobrecarregados, chamando a atenção deles para os perigos que de outra forma passariam despercebidos. Muitas vezes, no entanto, eles diluem sua utilidade e urgência por um sinal sonoro, zumbindo e piscando dezenas de milhares de vezes por dia, muitas vezes sem uma boa razão.

    O experimento da Banner Health demonstra alguns dos principais desafios da fusão dos cuidados de saúde com a automação digital do século 21. É uma luta contínua mesmo nos Estados Unidos, onde o governo gastou bilhões na digitalização de registros médicos na esperança de torná-los mais seguros ao longo das últimas décadas.

    "É difícil criar um bom alerta. E é difícil obter apoio de médicos e enfermeiros, porque eles veem isso como mais uma tarefa a cumprir", disse Khurana, diretor de gestão de saúde da Banner, ao BuzzFeed News. "Como podemos manter esse equilíbrio de não sobrecarregar os profissionais e ter a certeza de que o paciente está sendo bem-cuidado?... Quão bom os alertas precisam ser?... Todo mundo no campo da saúde está tentando descobrir uma resposta"

    A Banner Health começou a trabalhar no alerta em 2009; Khurana juntou-se dois anos depois. No início, eles olharam para os critérios comuns para a septicemia e disfunção de órgãos, como frequência respiratória e cardíaca elevadas, temperatura corporal anormalmente alta ou baixa e níveis químicos desproporcionais no sangue e nos órgãos de alguém. Em seguida, eles usaram esses critérios para projetar um alerta que continuamente analisava dados de registro médico eletrônico a partir de sensores de dispositivos médicos e outras fontes. O alerta seria acionado sempre que um paciente mostrasse dois dos quatro sintomas da septicemia e pelo menos um dos 14 sintomas de disfunção orgânica — se as duas coisas acontecessem dentro de oito horas uma da outra.

    Khurana acrescentou o alerta ao software de prontuário eletrônico Cerner da Banner Health, o qual, como outros programas, vem com sua própria base de alertas (mas não tinha no momento um alerta de septicemia). De abril de 2011 a junho de 2013, o algoritmo de septicemia monitorou mais de 312 mil pacientes, tanto do setor de emergência quanto de internados e em UTIs, de 24 hospitais da Banner Health.

    Sobrecarregados e cansados, profissionais de saúde tendem a ignorar alertas automáticos.

    Nem todo mundo ficou empolgado, lembra Khurana. Algumas enfermeiras e alguns médicos se queixaram de que nem todos os pacientes sinalizados pelo algoritmo realmente tinham septicemia — mas os cuidadores ainda tinham que avaliar os pacientes, cancelar os alertas e documentá-los. Esses passos podem levar apenas alguns minutos, mas os muitos alarmes falsos fizeram alguns membros da equipe duvidarem se o algoritmo estava funcionando mesmo.

    Um médico que ajudou a desenvolver o alerta, Nidhi Nikhanj, lembra de sentimentos semelhantes. "Havia muito ceticismo, especialmente daqueles que tinham que responder aos alertas, por causa da carga de trabalho extra que isso traria", disse.

    Esses médicos estavam lutando com um fenômeno generalizado nos cuidados de saúde apelidado de "fadiga de alarme". Em um relatório de 2013, a Joint Commission, organização sem fins lucrativos de acreditação de cuidados de saúde, descobriu que centenas de alertas podem disparar por paciente por dia, o que equivale a dezenas de milhares de zumbidos ou sinais sonoros pelo hospital inteiro todos os dias.

    No entanto, de 85% a 99% desses alertas não necessitam realmente da intervenção médica. Isso acontece porque muitas vezes as configurações dos alertas são muito restritas ou amplas para identificar corretamente os pacientes que precisam de ajuda. Cansados, funcionários sobrecarregados ficam propensos a ignorar esses alertas.

    Os alertas são melhores quando eles "dizem aos médicos o que eles realmente não estão cientes", disse Lorraine Possanza, analista de gestão de riscos no Instituto ECRI, organização sem fins lucrativos que estuda questões de segurança do paciente. "Se você continua a dar informações que os médicos já sabem, a probabilidade de eles ignorarem o alerta ou ficarem sobrecarregados com o número de alertas é muito maior."


    Em maio deste ano, quase cinco anos após o experimento começar, a equipe de Khurana analisou os dados e publicou os resultados na revista "American Journal of Medicine". As queixas dos seus colegas têm sido, em parte, precisas: O alerta nem sempre sinaliza pacientes com septicemia. Mais precisamente, apenas cerca de um quarto dos pacientes que o alerta sinalizou tinha a condição.

    Descobriu-se que os pacientes identificados pelo alerta, no entanto, estariam muito mais doentes do que a média em geral. Essa correlação não foi totalmente surpreendente, já que os sintomas da septicemia coincidem com os de outras doenças graves.

    O algoritmo identificou uma pequena minoria de pacientes que representava quase 90% de todas as mortes no hospital.

    Khurana, no entanto, ficou surpreso ao perceber que o algoritmo estava identificando um grupo minoritário de pacientes – cerca de um quinto do total – que depois respondiam por quase 90% das mortes no hospital.

    Em comparação aos pacientes que não desencadeavam o alerta, aqueles que desencadeavam tinham quatro vezes mais chance de morrer no dia seguinte. Eles também eram mais propensos a sofrer de condições médicas crônicas, como doença renal crônica e doença pulmonar obstrutiva, e de ficarem no hospital o dobro do tempo.

    "Nós já esperávamos que o algoritmo identificasse os pacientes mais doentes e que as taxas de mortalidade fossem mais elevadas, mas não assim", disse Khurana. Em outras palavras, os dados mostraram que o alerta tinha o potencial de chamar a atenção dos médicos para pacientes de alto risco.

    Agora, os médicos da Banner Health veem o algoritmo com novos olhos, disse Khurana. Segundo ele, o procedimento no início era: "O paciente tem septicemia? Se não, siga em frente."

    Hoje, disse, o alerta faz os médicos pensarem duas vezes e perguntar: “O paciente está mais doente do que eu esperava? Existe alguma coisa que eu possa fazer diferente?” Khurana disse que essas coisas incluem mover um paciente para uma unidade de terapia intensiva, verificá-los com mais frequência e reavaliar seu diagnóstico e tratamento.

    A equipe ainda não analisou os números para saber como, ou se, essas intervenções estão melhorando a saúde do paciente. Mas, depois de verem os primeiros resultados, os membros da equipe estão mais dispostos a abraçarem o potencial do algoritmo. "O interesse e o entusiasmo dos profissionais de saúde foram renovados, agora temos mais apoio", disse Khurana.

    Apesar de sua equipe ainda desejar criar um alerta de septicemia totalmente funcional, o seu principal foco no momento é refinar o algoritmo original para melhor identificar os pacientes mais doentes do que a média. Uma visão à primeira vista, por exemplo, foi de que os pacientes que desencadearam os alertas e que tinham níveis de ácido láctico elevados apresentavam maior probabilidade de morrer do que pacientes que desencadearam o alerta com níveis normais (níveis elevados podem significar que o corpo não está recebendo sangue suficiente).

    Levando isso em consideração, o seu alerta reformulado não dispara se um paciente tiver níveis de ácido láctico normais e geralmente tiver sinais vitais estáveis. É muito cedo para saber se o ajuste tornou o algoritmo mais preciso ou ajudou a salvar mais vidas; respostas a essas perguntas serão reveladas em estudos futuros. Mas há sinais promissores. "Isso nos ajudou a filtrar muito dos falsos negativos", disse Nikhanj.

    O que a Banner aprendeu é que os alertas de registro de saúde eletrônicos são obras em constante progresso. É provável que ninguém nunca chegue a um conjunto de algoritmos que salve a vida dos pacientes 100% das vezes, mas os médicos e programadores não podem parar de tentar chegar lá.

    De qualquer maneira, depender inteiramente de algoritmos nunca foi o ponto. O objetivo, diz John Gresham, vice-presidente da Cerner, a empresa que faz o software de registro de saúde eletrônico da Banner Health, é "orientar os médicos a tomarem uma decisão diferente ou intervir mais rapidamente. Não é tirar o cuidado das mãos do médico, mas, sim, orientá-los a para um melhor resultado clínico."

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