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"Friends" não envelheceu bem

Ano passado Friends completou 25 anos, mas eis a verdade: a série sempre foi horrível.

Estou começando a perceber que, em anos de internet, sou muito velha. Mas, em vez de me sentir irrelevante por causa da minha ignorância quanto aos memes atuais ou pelo fato de que, cada vez mais, todos os meus tuítes são sobre o quanto odeio viagens aéreas, sinto-me incitada a compartilhar minha sabedoria conquistada com tanto esforço. Quanto mais me afasto da minha juventude, mais quero avisar a geração mais jovem, aquela Geração Z com seus tênis Vans, de que o que ela adora é na verdade lixo total. Eu jamais soube que repetiria as frases que meu irmão da Geração X costumava me dizer — "quando você for mais velha, entenderá que estou certo" —, e mesmo assim estou aqui, dizendo à minha sobrinha que não, eu não vou ver Friends com ela. Friends, minha querida, é horrível.

Desde setembro do ano passado, o aniversário de 25 anos da estreia de Friends desencadeou uma onda de nostalgia coletiva. Eventos temporários, exibições públicas e produtos estão se materializando para fãs obstinados.

Biólogos marinhos que provavelmente passaram anos na escola e gastaram centenas de milhares de reais em educação estão aí nos informando que, na verdade, lagostas não acasalam por toda a vida, ao contrário do que Phoebe – uma personagem fictícia de uma série de televisão ruim, cujo traço de personalidade é ser distraída – disse em algum momento no final dos anos 90. Nós também soubemos recentemente que o macaco ator que interpretou o animal de estimação de Ross (em uma série sobre pessoas que moram em Nova York, onde metade dos proprietários nem deixa você ter um cachorro bem comportado) ainda está trabalhando — o que é, eu acho, bom para o macaco. O conteúdo nunca termina e, no entanto, de alguma forma, as pessoas parecem nunca perder o apetite por mais. Recentemente, foi noticiado que Robert De Niro processou uma ex-funcionária por, entre outras coisas, assistir a 55 episódios de Friends em quatro dias.

Eu não quero ser dramática, mas se eu ler mais uma manchete que diz “Poderíamos ESTAR mais empolgados?” sobre alguma notícia relacionada a Friends, vou me jogar no vulcão ativo mais próximo.

Ninguém, muito menos eu, deveria julgar o gosto de outras pessoas sobre a programação da televisão. Atualmente, meu programa favorito são clipes do YouTube de uma série britânica chamada Just Tattoo of Us, onde "amigos" ou "parceiros" criam tatuagens profundamente humilhantes que serão aplicadas permanentemente nos corpos uns dos outros sem a aprovação prévia do desenho ou onde serão feitas. Eu e meu gosto somos lixo, e eu não mereço nada além de uma morte dolorosa. Mas, como alguém que sobreviveu à primeira rodada do reinado cultural de Friends, consciente de pelo menos metade dele e que participou dele em tempo real, eu seria negligente se não lembrasse vocês de toda a verdade: Friends, uma série sobre pessoas brancas e magras, com os mamilos mais pontudos das Américas continentais — e uma série que eu, em certo momento, assisti e gostei —, é lixo absoluto.

Friends estreou em 1994, quando eu tinha 3 anos de idade. O episódio final foi uma década depois. Passei os anos mais importantes da minha formação assistindo a Friends. Meus colegas de classe e eu representamos cenas na escola. Eu queria ser uma Rachel, mas me contentaria com uma Monica, apesar de dizer a outras pessoas que eu era uma Phoebe, quando na verdade eu era um Ross. Meu irmão, que estava à frente dos outros em saber que essa série era impossível de assistir, costumava brigar comigo quando eu insistia em assistir a reprises que eu tinha acabado de ver na semana anterior. (Espero que ele nunca leia isto; me sentirei constrangida para sempre.) Em 2004, quando meus pais me proibiram de assistir televisão (depois de eu ser esperta o bastante para passar um trote telefônico em um professor, mas burra o bastante para deixar meu número no correio de voz), escrevi uma carta pedindo-lhes que me deixassem assistir ao último episódio. Rachel saiu do avião!!! Fiquei feliz, mas eu também era virgem e não entendi que a Rachel certamente poderia encontrar outro pau em Paris.

Friends, uma série sobre pessoas brancas e magras, com os mamilos mais pontudos das Américas continentais — e uma série que eu, em certo momento, assisti e gostei —, é lixo absoluto.

Tem havido alguma discussão online constante sobre a estranha dissonância entre a nostalgia de Friends e a realidade da baixa qualidade da série. Mas, ainda assim, esmagadoramente, o público parece bem em fingir que Friends era bom. A provável contribuição para essa conclusão errada é como é fácil acessar ao catálogo de episódios da série, que está prontamente disponível para streaming e que os adolescentes adoram maratonar em massa. Simplesmente parece estranho que a série que a geração mais comercializável esteja, por algum motivo, assistindo também seja a série menos relevante ainda no mercado. (Aqui é onde eu admito livremente que o BuzzFeed tem fornecido um fluxo contínuo de conteúdo de Friends para jovens impressionáveis, o que poderia ter algo a ver com isso.)

Muitas séries não caem bem com o passar do tempo, mas ainda são convenientes para assistir novamente de vez em quando. Mas, ao contrário de outras série do gênero que inspiram maratonas de streaming nostálgicas — Seinfeld, The Office, Um Maluco na TV, Parks and Recreation ou Cheers —, Friends não tem o benefício de realmente ser boa. Steve Carell está certo: The Office jamais deveria ter uma nova versão, porque é uma série sobre um chefe abusivo que assedia seus funcionárias, todos desenvolvendo um tipo de síndrome de Estocolmo para que possam continuar trabalhando em uma empresa de papel (os adolescentes se lembram do que é papel?). Mas, ainda assim, é muito engraçada e cheia de páthos e redenção.

Frasier ainda é uma série agradável sobre os dois únicos homens vivos ainda bebendo xerez. Tudo em Família nos mostrou como alguém que você ama também pode ser um idiota racista (que profético, Cristo), e Seinfeld mudou para sempre o que seria uma comédia de meia hora. Mesmo agora, eu preferiria assistir ao mesmo episódio de Will & Grace, em que a mãe de Grace aparece, do que até mesmo tentar dar uma chance a Chernobyl. Maratonar séries que são confortáveis e familiares é tranquilizante, como ligar para sua mãe quando você está chateada ou fumar um cigarro de cravo no estacionamento da sua escola — o que, é claro, eu nunca fiz, e, se meu irmão mais velho estiver lendo isto, não conte para a mamãe, seu maldito dedo-duro.

Mas adorar Friends em 2020 requer um nível de ginástica mental que deveria forçar a série a permanecer um ponto esquecido no passado. Liste qualquer um dos seus episódios "favoritos", e é provável que tenha algo grotesco enterrado no roteiro. O pai de Chandler é inexplicável e desnecessariamente uma drag queen, interpretada pela atriz cis Kathleen Turner, e é a fonte de muitas piadas antitrans. Quando adolescente, Monica era gorda, e é isso, essa é a piada. Aqui, veja ela dançando em um traje de gorda. A ex-esposa de Ross é lésbica, e não é engraçado que o filho dele tenha duas mamães? Com exceção de poucos personagens não-brancos simbólicos que apareciam de vez em quando, a série era tão branca que Phoebe, como a única loira, poderia ser considerada uma minoria.

Várias estrelas convidadas de Friends relataram, duas décadas e meia mais tarde, experiências menos do que estelares no set. E depois, é claro, há o infame processo de 2004 que Amaani Lyle, uma assistente na sala de roteiristas, apresentou contra a série por ser forçada a ouvir as piadas dos roteiristas sobre Joey estuprando Rachel, e vê-los se masturbando gestualmente e zombando da "conversa do gueto dos negros" (o juiz decidiu que o comportamento dos roteiristas era necessário para um ambiente criativo, estabelecendo as bases problemáticas para uma defesa da "necessidade criativa" a ser implantada em outro lugar).

Além de tornar mais difícil processar por assédio no local de trabalho, que relevância cultural permanente Friends nos deu exatamente? Um corte de cabelo? Justin Theroux?? Matthew Perry parecendo tenso no The Graham Norton Show quando a atriz septuagenária Miriam Margolyes fala sobre “começar a ficar com calcinha [dela] molhada”??? (Essa última é muito boa, na verdade.) Mal posso esperar para os bebês de 2020 do futuro tentarem argumentar que Riverdale é realmente uma obra-prima.

Mas, é claro, nada disso importa. Pelas regras da internet, sou apenas uma mulher velha, com um envelhecimento da geração do milênio sem importância. São as garotas VSCO e as estrelas do TikTok que herdarão a Terra — suas bobagens, suas falhas, seus sucessos. E elas também um dia crescerão e perceberão a verdade sobre Friends, que era apenas uma série sobre pessoas lindas e magras vestindo camisetas de moletom com uma máquina de marketing de uma rede gigante por trás. Esse será seu rito de passagem, e a boa notícia é que elas provavelmente aceitarão a decepção de retornarem a algo que adoravam; a série que elas gostavam aos 14 anos, embora tenha terminado antes de nascerem, não é realmente tão boa. A reivindicação por mim terá que esperar. Eu poderia ESTAR mais animada para o momento quando ele finalmente chegar? ●

Este post foi traduzido do inglês.

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