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O Grindr queria fazer um mundo melhor para pessoas LGBTI+. Até que uma empresa chinesa de games o comprou.

Nos últimos 18 meses, o Grindr enfrentou uma investigação federal, demissões, má administração e problemas internos. Agora, o popular aplicativo de encontros para gays procura um novo dono.

Numa tarde turbulenta de novembro, os funcionários da revista digital interna do Grindr, a Into, estavam no limite. Eles tinham acabado de sair de uma reunião de emergência na sede da empresa em West Hollywood, onde disseram que a agência de notícias LGBTI+ estava prestes a publicar uma das reportagens mais explosivas em sua história de 15 meses. O assunto: uma publicação no Facebook em que Scott Chen, presidente do aplicativo de namoros e encontros gays, dizia que o casamento deve ser “entre um homem e uma mulher”.

Não discutam essa matéria com seus colegas do Grindr, disseram os editores ao pessoal da Into. Relaxem e façam o melhor para agir naturalmente no almoço. Quando inesperadamente acabou a energia no prédio naquela tarde, alguns funcionários paranoicos se perguntaram se Chen estava tentando abafar a matéria cortando a energia elétrica. (Depois, foi comprovado que o motivo foi um apagão causado pela chuva.)

Publicado por três funcionários da Into que estavam no Zinqué, um bistrô francês ali perto, o artigo — "Presidente do Grindr diz numa publicação social excluída que o casamento é 'o santo matrimônio entre um homem e uma mulher'" — mandou ondas de choque por toda a empresa. Era uma vergonha para o aplicativo popular, uma das marcas gays mais famosas do mundo, e uma baita gafe que prejudicou seriamente sua posição perante os funcionários. Dentro de dois meses, toda a equipe editorial da Into foi demitida e, na primavera, o Grindr arquivou seus planos de abrir o capital numa oferta pública de ações, que havia sido prejudicada pela má administração e pelo escrutínio governamental de seus donos chineses.

Para os funcionários do Grindr, a morte prematura da Into foi o ápice das falhas internas e erros táticos que continuam a afligir a empresa até hoje. No fim deste ano, o Grindr deverá lançar outro empreendimento de mídia, sua segunda tentativa em um site LGBTI+, e se preparar para ser vendida. Mas seis ex-funcionários que falaram com o BuzzFeed News — sob a condição de anonimato, por causa de acordos de não divulgação e medo de retaliação — não estão tão otimistas.

"Houve uma sequência de acontecimentos infelizes que expuseram diferenças culturais, falta de clareza estratégica e uma apreensão interna entre aqueles que eram gays e heterossexuais", disse um ex-funcionário. "E o Grindr é assim até hoje."

O Grindr se recusou a responder à maioria das perguntas de uma lista enviada pelo BuzzFeed News sobre a investigação do Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (CFIUS), as reclamações de funcionários e os problemas internos, mas disse em um comunicado que seu "crescimento significativo" de 3,3 milhões para mais de 4,5 milhões de usuários ativos por dia era um sinal de seu "trabalho árduo e esforços cooperativos de toda a equipe".

"Infelizmente, é difícil mudar, e nem todos concordarão com nossos esforços para profissionalizar as operações do Grindr e melhorar a experiência do usuário", disse um porta-voz da empresa. "Em resultado disso, alguns funcionários nos deixaram, e tivemos de dispensar outros. Mas, em todo o processo, ouvimos nossos usuários e nossa equipe ao tomar essas decisões."

Muitos dos erros do Grindr nos últimos 18 meses remontam às decisões relacionadas à sua venda ao Kunlun Group, uma empresa chinesa de games, e à chegada da nova liderança: Scott Chen. De acordo com vários funcionários importantes que deixaram a empresa, as demissões e a desordem que seguiram à ascensão de Chen prejudicaram o Grindr e continuam a prejudicá-lo até hoje.

"Já seria de surpreender ele atuar como diretor técnico, quanto mais como presidente", disse um ex-funcionário ao BuzzFeed News. "Ele não estava preparado para comandar uma empresa daquele porte. Scott não entendia o tamanho da marca e era cabeça fechada e imprudente.

Apenas dois anos antes, o Grindr era um lugar bem diferente — uma empresa estável e lucrativa de 8 anos que tinha a esperança de abandonar sua imagem como um aplicativo de encontros para homens gays cisgênero para se tornar uma mídia focada em conteúdo LGBTI+. A Into era uma peça-chave dessa visão, uma revista digital que os executivos venderam como uma "Atlantic gay". Havia também o Grindr for Equality, um braço ativista destinado a "ajudar pessoas LGBTI+ ao redor do mundo" com campanhas de saúde e proteção sexuais.

Essa visão está em ruínas agora. Chen voltou o foco do Grindr novamente ao seu núcleo demográfico de homens gays cisgênero e ao seu principal negócio de facilitar encontros enquanto lida com as repercussões de uma investigação federal do CFIUS. No início deste ano, o CFIUS — um comitê federal interinstitucional que supervisiona investimentos estrangeiros nos Estados Unidos — declarou que a propriedade chinesa do Grindr era um risco à segurança nacional, obrigando sua empresa-mãe a colocá-la à venda. Desde então, o Kunlun Group se comprometeu a vendê-la até junho de 2020.

Mesmo que encontre um novo dono, os ex-funcionários se preocupam que o Grindr nunca mais será a mesma.

"Em termos de danos organizacionais, provavelmente eles serão irreparáveis", disse um deles. "A empresa será uma sombra de si mesma quando a transação estiver concluída."

Conectando homens que querem fazer sexo

Lançado em 2009, o Grindr foi a criação de Joel Simkhai, um empreendedor gay que afirmava ter "muito pouco conhecimento em termos de tecnologia". O aplicativo atendia a uma necessidade humana básica — conectar homens que queriam fazer sexo —, e seu uso de geolocalização nos iPhones dos usuários foi um jeito inovador de ajudá-los a fazer isso. (O Grindr foi lançado para Android em 2011.)

Simkhai manteve o controle da empresa até junho de 2016, quando vendeu uma participação de 60% para o Kunlun Group por US$ 93 milhões. Depois de vender o restante para a empresa chinesa de jogos sociais em janeiro de 2018, ele estava fora, e os relatórios de gestão passaram a ser enviados para a sede do Kunlun Group em Pequim. Simkhai não respondeu a um pedido de entrevista para este artigo.

De início, pouca coisa mudou. Os funcionários ainda aproveitavam seus benefícios, incluindo almoços servidos por garçons, festas financiadas pela empresa e atividades no escritório, como reuniões sociais e encontros de filhotes. Na Into, lançada em agosto de 2017, os repórteres — em sua maioria terceirizados ou freelancers — produziam reportagens ambiciosas que exigiam viajar e gravar vídeos. Enquanto isso, o aplicativo Grindr estava bombando, com 3,3 milhões de usuários por dia.

Em assembleias gerais e em entrevistas, a liderança do Grindr falava com otimismo sobre o futuro da empresa, que era focada em uma plataforma mais inclusiva. Apesar do sucesso do aplicativo, alguns executivos se preocupavam que ele não fosse sustentável e achavam que a empresa precisava diversificar criando conteúdo LGBTI+ para ir além dos encontros e das noites amorosas.

As primeiras grandes mudanças vieram em fevereiro. O CEO interino do Grindr, o bilionário Yahui Zhou, consolidou algumas das operações da empresa com as da empresa-mãe em Pequim. Isso levou às demissões: primeiro para a maioria dos 30 engenheiros do Grindr e, em março, para outras 20 pessoas de vendas e marketing. Essa segunda onda de demissões, que incluiu alguns funcionários que foram contratados poucos meses antes, ficou conhecida internamente como "o Casamento Vermelho", uma referência sombria a um episódio particularmente chocante de Game of Thrones.

Culturalmente inaptos

Quatro ex-funcionários do Grindr que conversaram com o BuzzFeed News atribuíram o início dos problemas da empresa a duas decisões importantes tomadas durante sua venda ao Kunlun Group. A primeira, segundo eles, foi a decisão de Joel Simkhai e do Kunlun Group de não submeter o acordo à análise do CFIUS, que no momento da venda inicial em junho de 2016 era inteiramente voluntária. Ainda assim, as partes envolvidas e seus consultores deveriam ter tomado todas as precauções para proteger o acordo, e as políticas linha-dura da administração Trump contra a China hoje apenas ressaltam essa falta de visão, disse uma fonte.

O segundo erro foi a decisão de transferir as principais operações de engenharia do Grindr para Pequim, uma manobra que levou a empresa a disponibilizar os dados pessoais de milhões de usuários ao redor do mundo — incluindo fotos, mensagens particulares e status de HIV — a engenheiros num país conhecido pelas violações dos direitos humanos. A investigação do CFIUS, que começou a todo o vapor logo após a aquisição da empresa em janeiro de 2018, concentrou-se nesse passo em falso, como noticiado pela Reuters, embora não tenha sido encontrada nenhuma evidência de que os dados tenham sido mal utilizados.

Um porta-voz do Departamento do Tesouro, cujo chefe preside o CFIUS, disse em um e-mail que "o Departamento não comenta informações relacionadas a casos específicos do CFIUS".

Embora alguns funcionários estivessem preocupados com o compartilhamento de dados com seus colegas chineses, suas preocupações acabaram não sendo ouvidas devido ao vácuo de liderança que se formou na sede da empresa em West Hollywood. Ex-funcionários disseram que nunca viram o CEO interino Zhou em seu escritório, deixando Scott Chen, CTO da empresa, como chefe efetivo das operações do dia a dia.

Enquanto a investigação do CFIUS seguia em sigilo, a empresa enfrentava uma prestação de contas pública naquela primavera. Em abril, o BuzzFeed News noticiou que o Grindr, que na época tinha 3,6 milhões de usuários ativos diários, estava compartilhando o status de HIV de seus clientes e outras informações de identificação pessoal, incluindo localização, telefone e e-mail, em formatos de arquivo inseguros com empresas terceirizadas.

"Essas são práticas-padrão no ecossistema de aplicativos móveis", disse Chen ao BuzzFeed News em um comunicado na época. "Nenhuma informação de usuários do Grindr é vendida para terceiros."

Essa resposta representou muito bem a liderança de Chen na época, disse um ex-funcionário, que descreveu o artigo como "uma bomba". Os usuários ficaram indignados com o fato de seus dados médicos pessoais terem sido compartilhados sem seu consentimento informado, senadores criticaram o Grindr, e executivos deliberaram internamente se o artigo reforçaria ainda mais a impressão de que a empresa chinesa estava sendo negligente com os dados dos usuários.

O Grindr disse posteriormente que interromperia o compartilhamento de informações de HIV dos usuários com terceiros, e o furor diminuiu, mas o fiasco e suas consequências escancararam as deficiências da nova liderança. Os funcionários estavam particularmente irritados com Chen e o que eles viram como uma reação insensível e inadequada dele a uma clara violação da privacidade dos usuários. E seu comportamento no escritório não ajudou em nada.

Vários ex-funcionários do Grindr descreveram Chen e seus braços direitos, dois ex-engenheiros do Facebook chamados Alex Lin e Po-chun "Birdy" Chang, como culturalmente inaptos. Embora administrassem o maior aplicativo para homens gays cisgênero, os três homens — todos heterossexuais — pareciam ter pouca compreensão da cultura gay. Também não ajudava o fato de viverem na região da baía de São Francisco, voando toda semana para trabalhar em Los Angeles às custas da empresa.

Por meio de um porta-voz, Chen recusou um pedido de entrevista para este artigo. Chang se recusou a falar, e Lin não respondeu a um pedido de comentário.

Entre as coisas mais frustrantes sobre Chen, de acordo com três ex-funcionários, estava sua aparente falta de interesse em qualquer coisa fora o aplicativo principal Grindr. Embora a empresa tenha feito avanços desde 2017 para desenvolver uma marca de mídia e atrair um público mais amplo do que apenas gays, ele parecia totalmente focado em números e determinado a atingir 4 milhões de usuários ativos por dia.

"Scott zombou do Kindr na cara dura", lembrou um ex-funcionário. "Ele não entendia por que a gente queria celebrar o que ele via como 'pessoas gordas'."

Ex-funcionários do Grindr disseram ao BuzzFeed News que Chen passava boa parte do tempo trabalhando com os engenheiros de Pequim no desenvolvimento de pequenos recursos e mudanças no aplicativo que ele esperava que gerassem mais engajamento e que ele muitas vezes não os comunicava à equipe de Los Angeles. Dois ex-funcionários disseram que Chen também parecia ter pouco interesse em corrigir os problemas de toxicidade e assédio que assolavam o aplicativo; ele não queria mexer no que parecia estar funcionando. "Sua visão arcaica das coisas é que sexo vende", disse um deles, mencionando que qualquer coisa que não incentivasse os encontros era vista como uma distração.

"Ele achava que a Into era um jogo de mídia social e não percebeu que era uma agência de notícias independente", disse um ex-funcionário. Outro relembrou a tentativa de explicar a Chen que empresas de mídia demoram para desenvolver público e fluxos de receita, e que não havia um jeito rápido e fácil de tornar a Into rentável. Pelo visto, Chen não ouviu, eles disseram.

Ex-funcionários do Grindr disseram que essa falta de interesse também se manifestou de outras formas, muitas vezes em decisões que pareciam insensíveis ou inadequadas. Depois de uma rodada de demissões no ano passado, segundo ex-funcionários, Chen removeu um conjunto de mesas do escritório cavernoso da empresa para montar sua própria academia. Um porta-voz disse ao BuzzFeed News que qualquer um podia usar a academia, mas dois ex-funcionários disseram que ninguém nunca fez isso e que todos entendiam que ela era para uso exclusivo dele.

Chen também ridicularizou publicamente a campanha publicitária "Kindr" da empresa, que buscava combater o racismo e o bullying no aplicativo por compartilhar histórias de diferentes membros da comunidade LGBTI+.

"Scott zombou do Kindr na cara dura", lembrou um ex-funcionário. "Ele não entendia por que a gente queria celebrar o que ele via como 'pessoas gordas'."

Fontes disseram que Chen nunca pareceu muito interessado em lidar de foram direta com assédio e abuso, e ele tentou ativamente ignorar essas questões. Três pessoas lembram de a administração excluir mais de 500 mil relatórios — instâncias em que os usuários denunciavam conteúdo ou interações que potencialmente violavam os termos de serviço da empresa — dos sistemas internos do Grindr. Os relatórios abrangiam uma série de reclamações que iam desde spam e nudes não solicitados até solicitações de dinheiro e assédio, e supostamente seriam revisados ​​por moderadores terceirizados.

Mas, no verão de 2018, Chen e Po-chun Chang decidiram substituir a parceria de moderação com seu fornecedor indiano pela Mooley, uma empresa com sede em Taiwan que já tinha uma relação de trabalho com a empresa-mãe do Grindr, o Kunlun Group. Na época, o Grindr acumulou uma enorme lista de relatórios de usuários. Em vez de mantê-los na fila de moderação, Chen e Chang optaram por apagá-los, como disseram ao BuzzFeed News duas fontes. Essas mesmas pessoas disseram que foram pelo menos duas exclusões em massa, e ambas ocorreram sem explicação.

Um porta-voz do Grindr não quis comentar o assunto.

"Interessados em uma relação com o governo chinês"

Na primavera de 2018, Chen estava entre os poucos executivos do Grindr que sabiam que a empresa estava sendo investigada pelo CFIUS. Em junho, a empresa contratou um diretor de proteção de dados e um gerente de conformidade global em Overland Park, Kansas, que logo aconselhou os executivos a documentar suas interações com Pequim.

Três ex-funcionários disseram que Chen não levou a sério a ameaça de investigação do CFIUS. Depois de eliminar a maior parte da equipe de engenharia nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, buscando diversificar de Pequim, Chen começou a fazer viagens a Taipei, onde ele finalmente abriu um escritório de engenharia com 20 funcionários. Além do talento barato, o escritório em Taiwan foi visto como uma forma de atenuar parte do escrutínio direto sobre Pequim, disseram duas pessoas em condições de saber isso e que entenderam que essa manobra foi motivada pela investigação do CFIUS.

Embora Chen nunca tenha mencionado especificamente a seus funcionários que o Grindr estava sendo investigada pelo governo federal, alguns deduziram que a empresa estava enfrentando um inquérito, como uma pessoa que foi convidada para uma reunião relacionada ao CFIUS na qual ela não deveria estar. O presidente do Grindr também contratou consultores externos para ajudar, incluindo a empresa de comunicações TrailRunner International, assessorada por Jeb Bush, o que limitou o número de funcionários que lidaram com a questão.

Ainda assim, Chen seguiu em frente, lançando novos recursos do aplicativo e parcerias em potencial, algumas das quais eram uma preocupação para pelo menos quatro ex-funcionários que tinham ouvido alguma coisa sobre a investigação federal em andamento.

"Não podemos deixar as pessoas dizerem que se trata de 'compartilhar dados de usuários com o governo chinês'."

Como foi noticiado primeiro pela NBC News, e-mails de julho de 2018 mostraram que Chen procurou formar uma parceria com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China por compartilhar dados de HIV com um pesquisador chinês, mesmo sabendo da investigação do CFIUS e as anteriores preocupações de privacidade relacionadas a dados de HIV.

"Eles estão interessados ​​em publicação e pesquisa. Eles são atraídos por nossa marca, alcance e dados", escreveu Chen num e-mail enviado aos subordinados no início de julho de 2018 e compartilhado com o BuzzFeed News. "Não podemos deixar as pessoas dizerem que se trata de 'compartilhar dados de usuários com o governo chinês'."

"Pois estamos interessados ​​em uma relação com o governo chinês e, claro, promover a saúde sexual (nosso principal valor [do Grindr for Equality])", acrescentou ele na nota.

Na primeira declaração da empresa ao BuzzFeed News, um porta-voz de Chen defendeu suas ações dizendo que a empresa e sua equipe do Grindr for Equality "periodicamente participam de discussões com organizações e pesquisadores de saúde nacionais e internacionais muito respeitados".

Inicialmente, essa declaração dizia que o Grindr nunca havia se envolvido com "nenhum estagiário de alguma forma associado ao governo chinês". Quando o BuzzFeed News posteriormente notificou a empresa de que eles tinham e-mails mostrando a correspondência de Chen com o pesquisador do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, o Grindr modificou sua resposta.

"Independentemente dos e-mails que vocês possam ter em relação a uma discussão interna preliminar, o Grindr nunca contratou um estagiário ou pesquisador de alguma forma associado ao governo chinês", disse um porta-voz na nova declaração.

O BuzzFeed News também obteve e-mails mostrando que Chen, em setembro, pretendia criar um aplicativo separado para usuários na China, Coreia do Sul e Japão. Considerado uma forma de entrar no mercado chinês e manter os dados de clientes asiáticos na China, o aplicativo separado foi imediatamente rejeitado pelos executivos porque não havia sido aprovado pelo CFIUS. Muitos também tinham preocupações de ordem ética.

"Tivemos a forte sensação de que isso colocaria as pessoas lá em verdadeiro perigo e que seria impossível que os dados desses usuários estivessem a salvo do governo", disse um ex-funcionário do Grindr, citando o histórico de violação de direitos humanos e de perseguição de pessoas LGBTI+ na China. "Para os de nós que eram gays, isso parecia absolutamente óbvio."

"Há tantas histórias de como ele era cego para o fato de que os gays enfrentam consequências reais por serem quem eles são em algumas partes do mundo", acrescentaram.

Rumo ao desconhecido

Chen assumiu oficialmente o cargo de presidente em agosto de 2018, o mesmo mês em que o Grindr anunciou sua intenção de abrir o capital. Três pessoas familiarizadas com esses planos disseram que eles foram em grande parte impulsionados pelo Kunlun Group, que anunciou esse movimento num registro regulatório chinês, sem o conhecimento da maioria dos funcionários do Grindr, que só foram descobrir ao ler as notícias.

Uma pessoa que sabia do empenho para abrir o capital disse que ele tinha "um cronograma impossível desde o início". A empresa esperava ser incluída dentro de 90 dias, uma meta agressiva que foi ainda mais complicada pelo CFIUS, que ordenou que aoGrindr cortasse o acesso dos funcionários de Pequim aos bancos de dados da empresa até setembro.

Essa ordem efetivamente acabou com qualquer desenvolvimento que pudesse ser feito por engenheiros chineses. Além disso, os funcionários foram instruídos a parar de se comunicar com seus colegas de Pequim e a transferir todas as comunicações relacionadas à empresa do WeChat, uma popular plataforma chinesa de mensagens que pertence à Tencent, para o Slack. Alguns funcionários foram convocados para reuniões em que auditores externos os entrevistaram sobre como o Grindr tratava e protegia os dados do usuário.

Uma fonte que falou com o BuzzFeed News disse que as preocupações regulatórias "aceleraram" os planos de abertura do capital do Grindr, e três pessoas mencionaram que Chen e outros executivos se reuniram com investidores no verão passado para buscar opções alternativas caso a inclusão não fosse possível. Investidores, tanto americanos quanto estrangeiros, foram se reunir com a empresa, e Chen também fez viagens a Pequim para cortejar outros apoiadores chineses.

As reuniões com investidores, algumas das quais ocorreram em salas de conferência de vidro nos escritórios da empresa em West Hollywood, foram muitas vezes desastrosas, de acordo com duas fontes familiarizadas com elas. Uma dessas pessoas disse que Chen "não conseguiu vender o Grindr" porque não sabia nada sobre o produto ou como as pessoas o usavam. Confrontado com a necessidade de explicar o potencial de crescimento de um aplicativo de 10 anos, Chen preferiu se concentrar no passado de encontros da empresa em vez de num argumento triplo de venda com o aplicativo principal, a revista Into e o Grindr for Equality, que mostravam que o Grindr poderia ser um agregador de "tudo que é gay".

"[Investidores] foram se encontrar com Scott e saíram balançando a cabeça", disse uma fonte.

Apesar do tumulto interno, a Into prosperou até o segundo semestre de 2018 sob a liderança do redator-chefe Zach Stafford e da editora-chefe Trish Bendix. Embora a publicação não tivesse orçamento para contratar funcionários em tempo integral, seus editores encomendavam artigos ambiciosos, enviando repórteres até a caravana de migrantes em Tijuana para cobrir questões LGBTI+ e a estados distantes como o Alasca e Massachusetts.

Chen, de acordo com três pessoas, não via nenhum valor disso. "Ele via [a revista] como uma fonte de gastos", explicou um ex-funcionário. Stafford, que agora apresenta o programa matutino do BuzzFeed News AM2DM, recusou-se a comentar. Bendix não respondeu a um pedido de comentário.

Daí, no fim de novembro, Chen publicou uma nota em sua página pessoal no Facebook comentando uma votação em Taiwan que definia o casamento legal como a união entre um homem e uma mulher.

"Algumas pessoas acham que o casamento é um matrimônio sagrado entre um homem e uma mulher", escreveu ele. "E eu também penso assim."

A reportagem da Into inspirada nessa observação e a subsequente repercussão causaram um enorme abismo no Grindr. Logo após a publicação do texto, Chen, que estava viajando a trabalho, escreveu uma longa mensagem nos comentários do artigo, criticando-o como "desequilibrado e enganoso". Ele disse que ele prejudicava a reputação do Grindr e queixou-se de não ter sido convidado para comentar o assunto antes da publicação. As comunicações obtidas pelo BuzzFeed News contradizem essa afirmação. (As seções de comentários sobre todos os artigos da Into foram removidas desde então.)

Enquanto isso, alguns funcionários do Grindr estavam divididos. Por um lado, estavam furiosos com os comentários de Chen. Por outro lado, eles se perguntavam por que os repórteres da Into, conhecendo a falta de experiência de seu presidente, não haviam perguntado diretamente sobre suas opiniões quando ele estava no escritório, a fim de evitar a controvérsia pública. Um dia depois da matéria, Chen publicou uma nota a toda a empresa afirmando que seu comentário foi "destinado a expressar meus sentimentos pessoais sobre meu casamento com minha esposa — não para sugerir que eu sou contra a igualdade no casamento".

"As pessoas ficaram realmente chateadas e muito bravas com a Into", disse um funcionário. "Perdido em meio a tudo isso estava aquele sentimento perturbador de 'o presidente do Grindr é homofóbico?'."

Como resultado, o chefe de comunicações da empresa, Landen Zumwalt, renunciou, escrevendo numa carta aberta que ele "se recusava a comprometer [seus] valores ou integridade profissional" para defender as declarações de Chen. Depois, o presidente do Grindr fez uma assembleia geral com Stafford para acalmar os ânimos e garantir aos redatores que nenhum corte seria feito na publicação por causa do artigo.

Mas o dano já havia sido feito. Em dezembro, Stafford foi para a Advocate; no mês seguinte, o Grindr demitiu a maior parte da equipe da Into e parou de publicar conteúdo em seu site. A marca Into continua a existir como um canal do YouTube porque "nossa base de usuários se envolve e interage muito mais com vídeos do que com artigos escritos", disse um porta-voz da empresa ao BuzzFeed News.

Internamente, a empresa disse que a manobra foi feita para "se concentrar mais em vídeos", embora os funcionários que acumulavam cargos na Into e no Grindr também perderam o emprego. A maioria dos funcionários viu o fechamento como uma inevitabilidade finalmente percebida. "Scott queria se livrar da Into havia muito tempo", disse um ex-funcionário. "Ele finalmente conseguiu."

"Tenho orgulho do meu trabalho"

No início de 2019, o Grindr estava com os nervos à flor da pele e seus funcionários, desanimados, ao passo que as demissões da Into deixavam o escritório já vazio ainda mais vazio. Em fevereiro, a empresa fechou seu escritório em Pequim devido a preocupações quanto ao manuseio de dados pessoais de usuários como noticiado primeiro pela Reuters. Daí, em março, o CFIUS notificou o Kunlun Group de que sua propriedade do Grindr representava uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos e que eles teriam de vender a empresa até junho de 2020.

"Estávamos mudando a estratégia no contexto de uma investigação do governo", disse uma fonte, que acrescentou que a decisão do CFIUS acabou com qualquer perspectiva de abertura de capital. "Se o governo está forçando você a vender seu negócio, você perde o interesse do público, e qualquer comprador racional vai esperar uma promoção de última hora."

Essa mesma pessoa disse que o Grindr foi um potencial alvo de aquisição de empresas de namoro, como o Match Group, dono do Tinder, e a Badoo, dona do Bumble, mas sem sucesso. Um porta-voz da Badoo não quis comentar, e um representante do Match Group não respondeu a um pedido de comentário.

Os ex-funcionários que falaram com o BuzzFeed News disseram que não sabem qual será o destino do Grindr. Alguns foram interrogados pelo FBI, embora as autoridades com quem conversaram não tenham dito se suas investigações eram para o CFIUS ou por outro assunto. (O Departamento de Justiça é um dos nove membros do CFIUS.)

Um agente do FBI que entrevistou ex-funcionários do Grindr se recusou a comentar sobre o trabalho da agência. Um porta-voz do FBI não respondeu a um pedido de comentário.

"As falhas do Grindr são uma grande perda para a comunidade LGBT", disse um ex-funcionário ao BuzzFeed News. "É uma marca da qual as pessoas dependem e, por causa de decisões míopes, é menos eficaz e não é o que poderia ser."

Outros continuam um pouco esperançosos, observando que o aplicativo, que é lucrativo e registrou mais de US$ 50 milhões em receita no ano passado, ainda tem uma base de usuários dedicada que continua a usar o aplicativo, apesar de suas falhas internas. Talvez o Grindr encontre um comprador que a trate melhor, disseram eles.

Se os últimos 18 meses fizeram algo pelo Grindr foi dar a Chen — que continua como presidente — um curso intensivo de como NÃO administrar uma empresa. A página pessoal dele no Facebook, que causou tantos problemas a ele e ao Grindr, agora tem uma nova apresentação.

"Eu apoio a igualdade LGBTI+, incluindo a igualdade no casamento. Tenho orgulho do meu trabalho no Grindr." ●

Este post foi traduzido do inglês.

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