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Uma fundação arrecadou milhões de dólares usando o nome Black Lives Matter. Ela não tem nada a ver com o movimento.

Funcionários da Apple, Google e Microsoft arrecadaram milhões de dólares para a Black Lives Matter Foundation pensando ser o movimento internacional de justiça racial que busca acabar com a brutalidade policial. Isso não poderia ser mais falso.

Quando Elena Iliadis pesquisou "Black Lives Matter" no GoFundMe, a popular plataforma de arrecadação de fundos on-line, ela não pesquisou muito a respeito da primeira fundação verificada que apareceu.

Inspirada a ajudar a causa, a estudante de 19 anos da Universidade de Georgetown (EUA) e seu grupo a capella, o Phantoms, arrecadaram quase US$ 1,1 mil para o que eles pensavam ser o movimento global para trazer justiça racial e reduzir o financiamento da polícia. Somente quando o BuzzFeed News contou a aluna soube que seu grupo havia coletado dinheiro para uma causa completamente não relacionada.

A Black Lives Matter Foundation, uma organização de caridade com sede em Santa Clarita, Califórnia, que tem um único funcionário remunerado e anuncia uma loja da UPS como seu endereço, tem um objetivo muito diferente, segundo seu fundador: "Aproximar a comunidade e a polícia."

O grupo Phantoms não foi o único a apoiar por engano a Black Lives Matter Foundation. Após o assassinato de George Floyd, empresas como Apple, Google e Microsoft arrecadaram US$ 4 milhões para a fundação de fonética semelhante — e quase entregaram o dinheiro. Centenas de angariadores de fundos populares também direcionaram mais dinheiro e atenção.

"Eu não tenho nada a ver com a Rede Global Black Lives Matter. Eu nunca os conheci; nunca falei com eles. Eu não os conheço; não tenho nenhum relacionamento com eles", disse Robert Ray Barnes, fundador da Black Lives Matter Foundation, ao BuzzFeed News em uma longa entrevista. "Nosso objetivo é a unidade com o departamento de polícia."

"Nosso objetivo é a unidade com o departamento de polícia."

Enquanto o Black Lives Matter se transformou de uma hashtag de 2013 após a absolvição do assassino de Trayvon Martin em um movimento internacional, sua falta inicial de liderança centralizada ou hierarquia formal deixou oportunidades para imitadores como a fundação de Barnes. Com base nas estimativas do BuzzFeed News, os doadores arrecadaram pelo menos US$ 4,35 milhões para a Black Lives Matter Foundation nas primeiras semanas de junho, embora a maior parte tenha sido congelada antes que pudesse ser desembolsada. Em alguns casos, empresas como o GoFundMe desconheciam que a fundação não tinha ligação com o movimento mais abrangente, e congelaram os fundos somente após serem contatados pelo BuzzFeed News.

Um porta-voz do Black Lives Matter confirmou que os grupos são realmente "duas organizações completamente separadas" e que a fundação de Barnes "não tem nada a ver conosco".

"O grupo de Santa Clarita está usando indevidamente o nosso nome", disse o porta-voz. "Pretendemos pedir explicações a eles e acompanhar."

Mas Barnes, um produtor musical de 67 anos de Los Angeles, defendeu sua organização e seu nome. "Ninguém é dono do conceito", disse Barnes, acrescentando que, como homem negro, sua vida foi marcada por experiências dolorosas com a polícia, incluindo a morte do ex-marido de sua esposa em 2011, supostamente pelas mãos do Departamento de Polícia de Los Angeles.

Embora o movimento social tenha entrado na consciência nacional durante as manifestações de Ferguson em agosto de 2014, ele alegou que o Black Lives Matter, na verdade, havia "roubado" seu nome e ideia, e lançado o movimento global como uma organização obscura que não tem sido transparente sobre como usa as doações. Barnes registrou sua fundação em maio de 2015.

"O grupo de Santa Clarita está usando indevidamente o nosso nome. Pretendemos pedir explicações a eles e acompanhar."

"Parece que existem muitos golpes rolando, mas como isso pode ter a ver comigo?", perguntou Barnes. "Eu tive muita motivação para criar a Black Lives Matter Foundation, e as pessoas no movimento Black Lives Matter não estavam interessadas em uma fundação. Elas jamais a criaram. Agora, de repente, elas estão interessadas nisso."

Ainda mais obscuro na situação é o nome oficial do movimento, “Black Lives Matter Global Network Foundation, Inc” — que só foi registrado no estado de Delaware em 2017 —, embora Barnes seja proprietário e opere a Black Lives Matter Foundation, uma organização sem fins lucrativos registrada na Califórnia. Como o movimento oficial não é uma organização sem fins lucrativos — ele arrecada dinheiro através de um ramo de caridade chamado Thousand Currents —, a organização de Barnes tem se beneficiado da confusão da marca, pois as pessoas têm confundido as duas e doado dinheiro para sua caridade via GoFundMe , PayPal ou plataformas de correspondência de doação dos funcionários.

"Eles pegaram meu nome e colocaram esse 'inc' depois dele", disse Barnes. "Eles pegaram meu nome. Esse nome é meu. Eu não roubei nada deles. Eles que roubaram de mim. Eles mentiram e foram capazes de lucrar usando meu nome."

Barnes se recusou a contar ao BuzzFeed News quanto sua fundação havia arrecadado até o momento. Ele disse que ainda não havia feito nada com as doações, mas insistiu que pretende usar esses fundos para criar seus "protótipos" para uma conexão entre a comunidade e a polícia. Desde 2017, ano de seus mais recentes registros de impostos disponíveis publicamente, a Black Lives Matter Foundation de Barnes havia arrecadado mais de US$ 300 mil em doações, um número que tem crescido com o aumento real da notoriedade do movimento, uma mudança nacional na opinião pública sobre o racismo sistêmico e uma corrida de doações para caridade nesta primavera.

Embora os nomes sejam semelhantes, as organizações têm posicionamentos muito diferentes sobre as relações policiais. Embora o movimento Black Lives Matter tenha defendido o "corte de financiamento nacional da polícia" e o reinvestimento do dinheiro em recursos para a comunidade negra, a fundação de Barnes quer "ajudar a aproximar a polícia e a comunidade em uma tentativa de salvar vidas".

"Hoje, achamos que a maioria das pessoas concordaria que, independentemente da raça, algo deve ser feito para curar as diferenças entre algumas comunidades e a polícia, e com a sua ajuda, nós na BLMFoundation pensamos em fazer exatamente isso", diz uma declaração de missão da Black Lives Matter Foundation publicada na Benevity, uma plataforma de caridade usada pela Apple, Google e outras empresas para incentivar a doação de funcionários.

"Eu não roubei nada deles. Eles que roubaram de mim."

Na declaração, Barnes apresenta uma visão para “Programas Comunitários Organizados” ou “eventos COP” que reuniriam policiais e membros de certos bairros para uma jantar anual e outras reuniões. Ele também descreve um programa que distribuiria boletins com notícias positivas sobre a polícia para exibição em empresas locais.

“O crime existe agora e continuará para sempre, por isso precisamos desesperadamente dos serviços da polícia; no entanto, precisamos dos serviços da boa polícia”, escreve Barnes sobre a fundação. "Precisamos de policiais que respeitem todas as vidas igualmente e que façam uso da força mortal somente quando for absolutamente necessário. Eu sei que isso pode parecer um pouco louco, mas o que aconteceu com os tiros de aviso e com os tiros na perna em suspeitos desarmados?"

Barnes reconheceu ao BuzzFeed News que sua organização tem uma missão muito diferente da do movimento Black Lives Matter.

"Não queremos ser inimigos da polícia. Vamos deixar o movimento fazer isso", disse o produtor musical. "Queremos chegar ao ponto em que teremos programas, e é aí que a mudança ocorrerá. É aí que entramos."

Embora sua organização exista há cinco anos, Barnes ainda não lançou nenhum dos programas porque tem levado um tempo para ele "traçar um plano de ação real". Uma dessas ideias é "tomar uma xícara de café com um policial" nas reuniões locais, onde os moradores conversariam com policiais tomando café e comendo rosquinhas.

"Isso não pode ser feito da noite para o dia. A ideia é ir devagar", disse Barnes sobre o trabalho, chamando seu programa de "um plano de como podemos trabalhar com a polícia".

Uma dessas ideias é "tomar uma xícara de café com um policial" nas reuniões locais, onde os moradores conversariam com policiais tomando café e comendo rosquinhas. 

O Departamento do Xerife do Condado de Los Angeles, a principal agência de aplicação da lei em Santa Clarita, cidade natal da fundação, disse que nunca ouviu falar de Barnes ou de sua organização.

O registro de impostos da fundação em 2017 — o mais recentemente disponível — mostra que ela recebeu mais de US$ 279 mil em contribuições e presentes naquele ano, enquanto gastou US$ 89 mil em despesas, incluindo US$ 24 mil no salário de Barnes. Além de uma doação de US$ 5.150 em dinheiro para algo chamado “Centro de Desenvolvimento da Renovação Familiar” em Carson, Califórnia, não há outros desembolsos ou indicações de que a fundação tenha trabalhado em seu objetivo declarado de promover melhores relacionamentos da comunidade com a polícia. O BuzzFeed News não conseguiu contato com o centro para comentar.

Barnes diz que doou para algumas igrejas, sua fundação de veteranos administrada por uma família e fundos paras bolsas de estudos, mas não pôde fornecer nomes ou detalhes quando pressionado mais.

Embora a Black Lives Matter Foundation exista há anos, só agora plataformas on-line e grandes corporações começaram a desvendar o problema apresentado por seu nome semelhante. O GoFundMe interrompeu todas as campanhas ativas associadas à fundação no início deste mês e congelou US$ 350 mil coletivos, que incluíam mais de US$ 1 mil da segundanista de Georgetown, Iliadis, e seu grupo a capella.

"Você presumiria que ela é popular por um motivo, e eu não tinha nenhum motivo para supor que ela não seria a fundação oficial", disse Iliadis. "É terrível saber que o dinheiro pode ter sido destinado a sabe-se lá quem, e isso é muito preocupante."

Um porta-voz do GoFundMe disse que a empresa usa o banco de dados do Giving Fund do PayPal para permitir que as pessoas selecionem instituições de caridade e que, como a fundação tinha sido aprovada pelo PayPal, ela foi permitida na plataforma de arrecadação de fundos.

"Trabalharemos com todos os organizadores da campanha para garantir que o dinheiro vá ao lugar certo para apoiar o movimento Black Lives Matter", disse o porta-voz do GoFundMe. De 2018 a 2019, a plataforma enviou US$ 1,4 mil em doações para a Black Lives Matter Foundation. O GoFundMe disse que reembolsará esse dinheiro se os doadores não tinham a pretensão de enviar esses fundos para a organização sediada em Santa Clarita.

Um porta-voz do PayPal disse ao BuzzFeed News que a Black Lives Matter Foundation havia sido adicionada ao seu banco de dados do Giving Fund porque era uma instituição de caridade registrada no IRS. Eles chamaram a adição de "uma situação única" porque o nome Black Lives Matter não havia sido registrado.

"Eu não tinha nenhum motivo para supor que ela não seria a fundação oficial."

O PayPal se recusou a dizer quanto dinheiro havia sido arrecadado para a Black Lives Matter Foundation como resultado de sua inclusão no banco de dados amplamente utilizado, mas mencionou que estava trabalhando para redirecionar fundos para instituições de caridade diretamente associadas ao movimento Black Lives Matter, após questionamentos do BuzzFeed News.

Em outra plataforma de arrecadação de fundos, a Benevity, algumas das maiores empresas do mundo pressionaram seus funcionários a apoiarem a causa de Barnes, que acumulou sete dígitos em doações. Por meio do serviço, que permite aos empregadores rastrearem e fazerem doações correspondentes às dos funcionários a instituições de caridade, empresas como Apple, Google, Microsoft e Dropbox arrecadaram US$ 4 milhões entre 31 de maio e 5 de junho, de acordo com o fundador da Benevity, Bryan de Lottinville.

O valor dessa quantia foi impulsionado por empresas como a Apple e a Microsoft, que prometeram dobrar ou triplicar doações de funcionários para causas de justiça racial aprovadas. Em cartas a seus funcionários, Satya Nadella, CEO da Microsoft, e Drew Houston, CEO do Dropbox, listaram a Black Lives Matter Foundation como uma instituição de caridade aprovada por suas empresas, embora ambas vinculadas ao site do movimento real. O portal interno da Benevity da Apple listou a Black Lives Matter Foundation como uma organização qualificada para as doações em dobro — sobre o valor das doações dos funcionários — da empresa no mês de junho.

Funcionários dessas empresas tuitaram sobre programas de doações correspondentes, alguns com capturas de tela da plataforma da Benevity incluindo a Black Lives Matter Foundation. No Google, os funcionários lideraram uma campanha de doação para a fundação por meio da Benevity — a empresa de pesquisa e publicidade confirmou ao BuzzFeed News.

Howdy everyone. One of the cool benefits I get for working at Microsoft is that they match up to $15k in my donations. So every dollar I get on stream we’ll be doubled to a charity. I’ve narrowed it down to these 6 ✊✊🏻✊🏼✊🏽✊🏾✊🏿

De Lottinville disse que, embora a Black Lives Matter Foundation tenha arrecadado milhões de dólares de empresas no serviço da Benevity, ela ainda não havia distribuído os fundos para a organização. Normalmente, o dinheiro é reunido antes de ser enviado em pagamento único no final do mês, ele disse, e alguns doadores manifestaram preocupação sobre a Black Lives Matter Foundation à Benevity, levando-a a adicionar inicialmente um aviso à página da organização antes "desativá-la" em 5 de junho.

"Parte do problema é que ela está usando exatamente o mesmo nome, e é uma organização regularizada", disse. Ele observou que a descrição da fundação parecia "um pouco contraditória" com os objetivos declarados do movimento Black Lives Matter.

A Benevity e suas empresas parceiras planejam oferecer aos doadores da Black Lives Matter Foundation a opção de redirecionarem os fundos para o movimento Black Lives Matter real ou para outras causas de justiça racial. De Lottinville disse que, nos últimos três anos, a Benevity havia coletado e enviado cerca de US$ 80 mil em doações para a fundação, dos quais US$ 5,7 mil somente em maio. Ele não disse se tomaria alguma ação a respeito dos fundos já desembolsados para a fundação de Barnes.

Ele observou que a descrição da fundação parecia "um pouco contraditória" com os objetivos declarados do movimento Black Lives Matter.

O YourCause, um serviço de doação de funcionários usado por empresas como SiriusXM e Electronic Arts, havia apresentado a Black Lives Matter Foundation em uma lista de causas populares em seu portal de doações, de acordo com um doador recente que falou com o BuzzFeed News. Um porta-voz do site disse em um comunicado que existe "um processo rigoroso de verificação para garantir a legitimidade dessas organizações sem fins lucrativos". No entanto, o porta-voz se recusou a dizer quanto a plataforma havia arrecadado para a Black Lives Matter Foundation ou quanto dinheiro ela havia entregue à organização no passado. "Estamos fazendo nossa devida diligência para garantir que as doações para o Black Lives Matter estejam indo para a causa pretendida", disseram eles.

Plataformas de doação menores também não sabiam que a Black Lives Matter Foundation não era afiliada ao movimento global, explicando que a organização sem fins lucrativos foi parar em seus sites a partir de bancos de dados maiores. Josh Kelly, porta-voz do Bonfire, um site que permite a arrecadação de fundos através da venda de roupas, explicou que sua empresa recebe grupos de serviços de informações de organizações sem fins lucrativos da Charity Navigator e da GuideStar, e que confia nesses bancos de dados para verificar as organizações.

Desde então, a Bonfire congelou os US$ 14 mil arrecadados por 738 pessoas e que estavam programados para ir à fundação de Barnes, e entrará em contato com esses angariadores de fundos para garantir que o dinheiro vá "para onde deveria ir".

O Pledgeling, outro site de arrecadação de fundos, adicionou a Black Lives Matter Foundation ao seu banco de dados em 2017, após a solicitação de um usuário. Naquele ano, a fundação arrecadou US$ 1 mil, antes que a empresa percebesse que os doadores poderiam estar confundindo a organização com o movimento.

Cassie Fowler, diretora de impacto do Pledgeling, disse que a empresa tentou entrar em contato com a fundação, mas nunca obteve resposta. "Dada a nossa preocupação com a confusão dos doadores e com a falta de resposta da organização sem fins lucrativos, colocamos proativamente uma etiqueta de aviso na página de perfil da organização sem fins lucrativos em 2017, alertando os doadores de que existem várias organizações com o mesmo nome", disse ela.

Como resultado, apenas três doadores parecem ter criado campanhas para a Black Lives Matter Foundation este ano, arrecadando apenas US$ 42.

Barnes disse que simpatiza com os apoiadores do Black Lives Matter, que inadvertidamente enviaram dinheiro para sua organização pensando que estavam doando para o movimento global. Mas ele diz que isso é uma ocorrência rara, argumentando que as pessoas realmente querem apoiar sua organização e seus programas, os quais ele finalmente se sente pronto para concretizar.

"O timing é tudo", disse ele. "Não tenho nada a esconder. Minha organização é séria. Isso faz parte do meu coração. Eu até escrevi uma música chamada 'Hands Up, Don't Shoot'. Talvez eu a lance agora." ●

Este post foi traduzido do inglês.

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