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A parada do orgulho hétero não foi apenas uma brincadeira, como disseram seus organizadores

A multidão se dividia entre baby boomers pró-Trump, pessoas que pareciam não entender o motivo de toda aquela confusão e millennials se perguntando entusiasmados se encontrariam antifascistas. Eles encontraram, é claro.

BOSTON, Massachusetts — Esta cidade nunca estaria pronta para uma parada do orgulho hétero.

Na tarde de sábado, um grupo de autoproclamados defensores da liberdade de expressão trouxe o lado conservador da internet para o mundo real, marchando pela Boston (EUA) histórica. Supostamente uma paródia de uma Parada do Orgulho LGBTQ, a marcha contou com cosplayers de Pepe the Frog, o sapo que é símbolo da direita radical americana, membros da gangue de rua de extrema-direita Proud Boys e o famoso troll da alt-right Milo Yiannopoulos em cima de um carro alegórico a favor de Donald Trump. A marcha terminou com um confronto entre participantes, manifestantes opositores e policiais armados com cassetetes e sprays de pimenta.

Organizada por um grupo chamado Super Happy Fun America, a parada do orgulho hétero foi apresentada como um exercício divertido da liberdade de expressão, com tudo a que tem direito: a retórica da extrema-direita promovida em megafones, a parafernália nacionalista branca e placas comemorando o muro de Trump na fronteira. Não se tratava de uma agitação política ou um confronto orquestrado entre esquerda e direita, insistiu o grupo. Era apenas um desfile com carros alegóricos e fantasias. "Era só um jeito de zombar da esquerda e da política de identidade", disse um participante com uma fantasia de meme do Left Shark. "Ninguém aqui é hater."

Mas, por trás do visual alegre, havia um contexto preocupante. A organização e site progressista de defesa pública ThinkProgress recentemente descobriu ligações entre a Super Happy Fun America e o violento grupo nacionalista branco Resist Marxism. O vice-presidente da SHFA, Mark Sahady, foi fotografado marchando com o grupo de extrema-direita Patriot Prayer. Ele também foi visto ao lado de membros dos Proud Boys na manifestação em Providence, Rhode Island, em outubro de 2018. Em janeiro, Sahady foi filmado atacando uma mulher trans na Marcha das Mulheres em Boston. O sócio de Sahady, Samson Racioppi, que trabalha com ele desde 2017, também foi fotografado com membros do Resist Marxism.

Embora os organizadores da parada hétero tenham considerado o evento apenas como uma brincadeira, ela foi mais do que isso — foi uma tentativa de empurrar uma certa ideologia para um público além de seu nicho.

"Ouvimos a indignação online", disse Clayton Cresswell, um homem que se vestiu de Pepe the Frog, com uma peruca de palhaço para o evento. "Achamos que era um bom momento para confrontar a esquerda coletivista, idealista e identitária."

Cresswell dirigiu da Pensilvânia até Boston só para a parada, com seu amigo Carl Hoover, que usava uma camiseta do Kekistan e uma almofada com uma caricatura do youtuber de extrema direita e candidato político fracassado do Reino Unido Carl Benjamin.

Cresswell e Hoover faziam parte de uma multidão de umas 300 pessoas que parecia dividida igualmente entre baby boomers pró-Trump, pessoas que alegavam não entender o verdadeiro motivo de toda aquela confusão e millennials extremamente conectados se perguntando com entusiasmo se encontrariam antifascistas.

Eles encontraram, é claro. Em certo momento, a marcha virou uma esquina para uma rua ladeada de manifestantes com máscaras e óculos de proteção.

Quando o grande marechal da parada, Yiannopoulos, começou a se preparar para falar com a multidão em cima de uma motocicleta no carro alegórico, qualquer chance de um discurso civilizado — de fachada ou não — havia desaparecido. O tipicamente incisivo Yiannopoulos foi rapidamente sobrepujado pelos gritos dos manifestantes. "Sou da agência de cobranças, você nos deve muito dinheiro", gritou um deles, referindo-se aos relatos de que Yiannopoulos está endividado. A parada só tinha 40 minutos, e as coisas já estavam desandando.

Na sexta-feira, um dia antes da parada do orgulho hétero, o Departamento de Polícia de Boston postou um comunicado em que se comprometia a manter a ordem no evento. "O Departamento tem um plano operacional abrangente", explicava, observando que havia mobilizado policiais uniformizados e à paisana, bem como equipes móveis de apoio por vídeo para manter as coisas sob controle. Uma semana antes, as autoridades locais receberam um e-mail informando sobre as personalidades envolvidas e o potencial de violência.

Então, quando as coisas começaram a ficar desagradáveis no trajeto da parada, as tensões já estavam bem altas. O cordão de policiais entre manifestantes opositores e participantes da parada logo se dissolveu. As brigas começaram. O membro dos Proud Boys Kenny Lizardo perseguiu com raiva um grupo de manifestantes adolescentes na rua. A certa altura, Yiannopoulos teve de deixar seu carro alegórico escoltado por seguranças à medida que manifestantes opositores o invadiam. A polícia de bicicletas e motos teve de dividir a multidão; foram usados sprays de pimenta e cassetetes. Por fim, cerca de 50 participantes chegaram ao anfiteatro do City Hall Plaza. E centenas de manifestantes os atacaram do lado de fora.

O ex-candidato republicano ao Congresso e presidente do SHFA John Hugo havia dito ao BuzzFeed News que a parada hétero visava inspirar o discurso público civil. "É melhor conversar com pessoas com quem você discorda", disse ele.

Como se viu, havia muitas delas.

Até mesmo o candidato à Presidência dos Estados Unidos e artista performático de Boston, Vermin Supreme, estava lá. Supreme apareceu no sábado de manhã usando uma coroa e, com um megafone, impiedosamente provocou os participantes. "Bem-vindos à cidade, babacas", ele gritou. Foi Supreme que calou Yiannopoulos com a piada sobre ele estar devendo dinheiro.

Também havia Ryan Deame, um autoproclamado satanista, que estava usando um óculos de realidade virtual conectado a uma GoPro e que marchou silenciosamente na frente da parada, segurando uma placa com a URL do The Trevor Project — uma organização sem fins lucrativos voltada para a prevenção do suicídio entre jovens LGBTQ. Ele quase chegou ao final da parada, mas depois de ser agredido por um participante, um policial teve que escoltá-lo para fora da marcha.

Por fim, havia Matt Shepard. Na manhã de sábado, bem antes do início da marcha, Shepard foi a primeira pessoa a ser expulsa da parada do orgulho hétero. Ele decidiu de última hora protestar contra a marcha, conseguiu convencer um organizador da parada a lhe dar um megafone e prontamente criticou a multidão por realizar a parada.

"Eu disse ao líder do protesto usando a camiseta de Capitão América que eu era um orgulhoso homem hétero, e ele disse à polícia para me deixar passar", disse Shepard. "Eles me deixaram falar e segurar uma bandeira, e eu improvisei."

Este post foi traduzido do inglês.

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