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E o Youtube virou máquina de dinheiro e influência política para o MBL nesta eleição

“Hoje em dia, as pessoas só leem o título, e elas querem ter uma opinião antes de lerem a notícia”

SÃO PAULO, Brasil — Kim Kataguiri é conhecido no Brasil por uma série de coisas. Ele já foi chamado de fascista. Já foi acusado de espalhar fake news. Ele é um youtuber? Ele com toda certeza usa o YouTube. E também com certeza é um troll — mas um troll com mensagens consistentes para passar, ele observa. Sua organização, o MBL (Movimento Brasil Livre), é uma rede de notícias? Kataguiri diz que não. Mas também não é um partido político. Ele diz que o MBL é apenas um grupo de jovens que adoram a economia de livre mercado e memes.

Uma coisa é certa: graças ao canal no YouTube, aos memes, às fake news e ao exército de apoiadores do MBL, neste mês Kataguiri se tornou, aos 22 anos, a pessoa mais nova a se eleger para o Congresso na história do Brasil. E o deputado eleito já anunciou sua disposição para disputar a presidência da Câmara.

Enquanto o mundo debate se o líder nas pesquisas para a Presidência do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), está mais para um Donald Trump (EUA) ou um Rodrigo Duterte (Filipinas), o MBL conseguiu eleger 16 candidatos no último dia 6, entre eles seis deputados federais — como o próprio Kataguiri — e dois senadores.

O número de inscritos no canal do MBL no YouTube passou de zero para 1 milhão neste ano. O movimento planeja que cada um de seus membros eleitos tenha seu próprio canal no YouTube. Cerca de 40% do faturamento do MBL vem de anúncios na plataforma. O recém-eleito deputado estadual Arthur Mamãe Falei ganhou US$ 12 mil (R$ 44,4 mil pelo câmbio desta segunda) apenas neste mês com seu canal solo.

"Eu garanto que no Brasil os youtubers são mais influentes do que os políticos", diz Mamãe Falei.

“Os youtubers são mais influentes que os políticos no Brasil.”

Na Casa Murdock, uma barbearia e tabacaria de Moema, bairro nobre de São Paulo, Kataguiri conta que não concorda com todas as declarações ofensivas de Bolsonaro sobre negros, gays e mulheres. Ele diz, ainda, que nem Bolsonaro acredita na sua própria retórica incendiária.

Mas Kataguiri também não concorda com o que chama de "politicamente correto" da esquerda, como quando ele foi criticado por um tuíte de 2014 em que apontava semelhanças entre feministas e o miojo: "Ficam prontas em 3 minutos e são comida de universitário".

Ele diz que as centenas de memes que os membros do MBL botam em circulação todos os dias são apenas comentários divertidos — mesmo que várias páginas ligadas ao movimento tenham sido banidas pelo Facebook por "espalhar desinformação". Ele faz a mesma reclamação que seus colegas da direita dos Estados Unidos: segundo ele, o Facebook discrimina grupos conservadores.

Dono de uma risada nervosa, Kataguiri se mexe bastante em sua cadeira enquanto fala. Na conversa com o BuzzFeed News, estão a seu lado estão seus parceiros de MBL o vereador de São Paulo Fernando Holiday, também 22, vestindo um terno liso, e o deputado estadual eleito também por SP Arthur Mama Falei, 32 anos, que usava camiseta e jeans. Não é exagero dizer que esses caras abriram seu caminho dentro do processo democrático do Brasil.

"Nós somos a maior rede política na internet", diz Kataguiri.

O despertar político de Kataguiri ocorreu em seu último ano no ensino médio. Um professor estava discutindo o sistema de bem-estar social no Brasil. Kataguiri resolveu pesquisar sobre o assunto no Google e descobriu o político americano Ron Paul, conhecido por suas posições econômicas libertárias, e o youtuber brasileiro Daniel Fraga, que ganhou celebridade nos grupos de direita do Brasil por ser um pioneiro do bitcoin e outro defensor da redução máxima das atribuições do papel do Estado na vida em sociedade.

"[Na época,] eu fiz um vídeo para o meu professor e meus amigos da escola falando sobre o que descobri", ele conta. "O problema foi que postei o vídeo no YouTube. E ele viralizou."

Kataguiri diz que as pessoas começaram a pedir mais vídeos, mas ele não entendia de nada. Então ele voltou ao Google. E daí fez mais vídeos sobre o que tinha aprendido. Seu canal cresceu. Ele começou a fazer contato com os outros youtubers da direita. A comunidade liberal brasileira estava se juntando no Facebook. Quando, em 2013, Ron Paul veio ao Brasil para uma palestra, essa comunidade online se tornou uma comunidade de carne e osso.

"Mas aí a gente viu que era muito chato ser liberal ou conservador ou qualquer coisa desse tipo no Brasil. Tudo o que você faz é: vai a um evento, usa uma gravata-borboleta e escuta alguém falar sobre economia", diz Kataguiri.

É nessa época que o MBL começa a ganhar forma. Kataguiri diz que ênfase em teoria econômica no movimento libertário era chata, e queria criar um grupo que atraísse pessoas normais. Em 2015 seus vídeos começaram a ganhar uma grande audiência. Em outubro, quando Kataguiri tinha 19 anos, a Time o escolheu com um dos 30 adolescentes mais influentes do mundo em 2015.

“A gente viu que era muito chato ser liberal ou conservador ou qualquer coisa desse tipo no Brasil. Tudo o que você faz é: vai a um evento, usa uma gravata-borboleta e escuta alguém falar sobre economia.”

As consequências da Operação Lava Jato, em especial a mobilização para o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), transformaram o MBL no que ele é hoje. A rede de comunicação que Kataguiri vinha construindo no Facebook e o público no YouTube começaram a se radicalizar.

“O impeachment foi o boom,” diz Kataguiri.

Em 2015 ele e Renan Santos, coordenador nacional do MBL, organizaram uma marcha de São Paulo a Brasília para defender a queda de Dilma, mas também, de forma mais abrangente, "livre mercado, menos impostos e privatizações" no Brasil.

"Nós queríamos acabar com a ideia de que, se você defende o livre-mercado, então você é um homem velho que fica pedindo a volta da ditadura", relembra.

Quando Dilma foi de fato deposta pelo Congresso, em 2016, o MBL já havia se tornado uma máquina política em pleno funcionamento e tinha planos mais ambiciosos.

Kataguiri passou boa parte de 2016 tentando entender a fórmula do site direitista americano Breitbart. "Nas eleições de 2016, estudamos como as coisas estavam funcionando nos Estados Unidos porque o benchmark de tudo o que acontece em política são os Estados Unidos", diz ele.

Mas o MBL conseguiu criar sua própria fórmula. Eis como a rede digital do MBL funciona.

A página principal do MBL no Facebook, com cerca de 3 milhões de seguidores, era o principal hub do grupo na internet. Mas, depois das mudanças no algoritmo do Feed de Notícias do plataforma e do banimento de páginas relacionadas ao MBL neste ano, o grupo resolveu diversificar. Eles têm cerca de 300 mil seguidores no Twitter e em torno de meio milhão no Instagram. Mas as joias da coroa da operação digital do MBL são o YouTube e o WhatsApp.

“Agora temos, no Facebook, 20 vezes menos engajamento do que tínhamos em 2016 ou 2017”, diz Kataguiri. “Para compensar, fomos ao YouTube e hoje estamos alcançando um público muito jovem que não imaginávamos alcançar e, por isso, iniciamos nova ramificação do MBL, voltada para estudantes. Estamos começando a estruturar isso agora.”

Cerca de 40% do faturamento do MBL vem atualmente de anúncios no YouTube. "Não é que seja muito dinheiro", diz Kataguiri. "É a nossa operação que é barata."

Os outros 60% vem de contribuições. Por R$ 30 você ganha uma camiseta e pode se dizer um membro do MBL. Por R$ 500 você ganha uma entrada para o congresso nacional do grupo, um monte de merchandise e possibilidade de enviar perguntas diretamente para os youtubers e criadores de conteúdo do MBL.

Kataguiri pretende aumentar a presença do MBL no YouTube. "O que nós queremos é que cada um dos nossos candidatos eleitos tenha seu próprio canal no YouTube. Assim nós teremos uma rede no YouTube", diz ele.

Outra poderosa arma no arsenal digital do MBL são os memes, que seus membros enviam diariamente via grupos de WhatsApp. Kataguiri estima que os coordenadores e os membros do MBL tenham cerca de mil grupos no WhatsApp no Brasil inteiro.

Como o WhatsApp é criptografado de ponta a ponta, é praticamente impossível ter uma ideia de quem está compartilhando o quê e com quem. A plataforma se transformou no pesadelo das agências de checagem de fatos e numa mina de ouro para grupos políticos como o MBL. Ainda assim, é difícil para Kataguiri medir o impacto dentro do WhatsApp.

"Não dá para saber quantas pessoas compartilharam seu conteúdo", diz Kataguiri. “A única métrica que temos [para saber se um conteúdo viralizou] é quantas pessoas enviam o conteúdo que divulgamos de volta para nós.”

À medida que o MBL se tornou mais sofisticado — ou, talvez, à medida que seus integrantes passaram a se candidatar a cargos políticos —, o grupo começou a se preocupar mais com sua imagem pública.

Quando a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) foi assassinada, o MBL foi acusado de organizar uma campanha de fake news contra ela. Dias após a morte de Marielle, uma série de páginas e perfis no Facebook, Twitter e WhatsApp passaram a insinuar que ela tinha sido assassinada porque estava envolvida com criminosos.

“Hoje em dia, as pessoas só leem o título, e elas querem ter uma opinião antes de lerem a notícia.”

Kataguiri diz que o MBL apenas divulgou uma notícia com a fala de uma juíza — que continha as falsas acusações. "Nós nunca dissemos que concordávamos com ela ou que o que ela dizia era verdade. Só dissemos que a juíza tinha dito aquilo. Nós apenas noticiamos, como fizeram todos os outros veículos de comunicação", diz ele.

Mas Kataguiri não se incomoda que rotulem a atuação do MBL de "propaganda política". Ele diz que a mensagem política do MBL é bastante diferente da que os bolsominions usam no Twitter, por exemplo.

Todo o conteúdo do MBL segue uma fórmula básica.

"Primeiro, nós pegamos as notícias em algum lugar", conta ele. "Na Folha, n'O Globo, em qualquer lugar, mas nós escolhemos notícias sobre o que o público quer ler. Nós basicamente fazemos uma curadoria."

A partir daí, diz, eles decidem como podem fazer essa notícia se encaixar na mensagem que querem passar. "Hoje em dia, as pessoas só leem o título, e elas querem ter uma opinião antes de lerem a notícia. Basicamente, o que oferecemos a eles é, 'aqui está a notícia, em duas frases, e isso é o que pensamos sobre ela'."

Finalmente, o terceiro passo é: "Alguma coisa para fazer as pessoas rirem e quererem compartilhar com seus amigos".

É aí que entra Arthur Mamãe Falei.

O verdadeiro nome de Arthur Mamãe Falei é Arthur Moledo do Val. Mamãe Falei é seu nome no YouTube. Este mês ele foi eleito deputado estadual por São Paulo. Embora tenha 32 anos, ele tem ainda menos experiência política que Kataguiri. Arthur trabalhava na empresa de reciclagem de metal de sua família antes de lançar seu canal no YouTube. Ele começou a fazer vídeos em 2015 e passou um bom tempo produzindo conteúdo em relativa obscuridade.

"Eu sou o verdadeiro político e ele é só um youtuber", diz Kataguiri.

"É, eu prefiro ser um youtuber", rebate Arthur.

Seu vídeo mais assistido se chama "15 minutinhos com Jair Bolsonaro" e tem 3,8 milhões de views. Seu primeiro vídeo viral é de 2016 e apresenta o formato pelo qual ele é mais conhecido: ele vai a um protesto contra o presidente Michel Temer, uma figura detestada pela juventude de esquerda, e provoca os manifestantes. Arthur, no meio da multidão, faz perguntas sobre política aos manifestantes e tenta fazê-los parecem idiotas.

O "Fora Temer" não terminou em violência, como acontece com boa parte dos vídeos de Arthur. Ele calcula que já teve cinco câmeras quebradas, ao longo de 50 protestos.

Depois de ultrapassar a marca dos 100 mil inscritos, seu canal começou a render dinheiro de verdade. Em seu pior mês, o rendimento foi de aproximadamente US$ 3.000 (R$ 11.000); e neste mês, o melhor até agora, ele ganhou US$ 12 mil (R$ 44.400). Hoje ele é reconhecido nas ruas e já tem mais de 2 milhões de inscritos.

“As pessoas acham que política é só ficar no gabinete. E não é. Você é um agente político mesmo se não está no gabinete.”

"Sou realmente grato ao YouTube porque ele fez de mim o que eu sou hoje", diz ele.

Eleito com meio milhão de votos — o segundo mais para a Assembleia Legislativa de São Paulo —, ele não pretende parar de ir a protestos.

O Brasil tem um forte histórico de candidatos pouco ortodoxos concorrendo a cargos: jogadores de futebol, atores, um cara vestido como o Batman. O palhaço Tiririca obteve seu terceiro mandato consecutivo para a Câmara dos Deputados. Este ano, só o eleitor paulista resolveu mandar para Brasília a ex-jornalista Joice Hasselmann, que tem uma forte audiência espalhando boatos na internet (ex: uma suposta propina de R$ 600 milhões para uma reportagem contra Bolsonaro) e o ex-ator pornô Alexandre Frota. Não está fora do campo de possibilidades, então, que um youtuber que trabalha em um ferro-velho e seja espancado em protestos possa ser eleito para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Mamãe Falei recebeu quase meio milhão de votos. Isso é um quarto do seu público no YouTube e um número enorme para uma eleição estadual. Candidatos em anos anteriores foram eleitos com 20.000 votos. Ele também não pretende parar de ir aos protestos.

"É isso minha atividade principal", diz ele. "As pessoas acham que política é só ficar no gabinete. E não é. Você é um agente político mesmo se não está no gabinete."

Kataguiri se descreve como um político e Mamãe Falei como um youtuber, enquanto Fernando Holiday está no meio do caminho. Holiday é provavelmente a segunda figura pública mais controversa do MBL. Dois anos atrás, aos 20, ele surfou no boom de audiência do grupo no Facebook durante o processo de impeachment e se tornou o mais jovem vereador da história de São Paulo, com quase 50 mil votos.

"Eu foi eleito pela internet", diz ele.

Assim como Kim Kataguiri, ele se define como liberal em economia. Negro e gay, Holiday começou a ganhar notoriedade ao discursar contra as ações afirmativas. Ele diz que foi criticado pelo integrantes do movimento negro no Brasil.

E este ano houve o episódio com o candidato do PDT a presidente, Ciro Gomes. Ciro chamou Holiday de "capitãozinho do mato" durante uma entrevista de rádio. O MBL chamou Ciro de racista em memes e posts no Facebook. Ciro ameaçou processar o grupo. Holiday ameaçou processar Ciro. O Ministério Público está analisando o caso.

“Eu fui eleito pela internet.” 

Alguns meses antes da confusão com Ciro, no entanto, o MBL saiu em defesa do jornalista William Waack, depois do vazamento de um áudio com comentários racistas do então apresentar do Jornal da Globo. "Quem nunca falou bobagem entre amigos?", perguntou o MBL em um vídeo.

"Nossa opinião é a mesma que existe na lei. O que realmente importa é se ele teve a intenção de ofender ou não, e ele [Ciro] teve", diz Kataguiri. "Não foi uma piada. Foi uma coisa que ele disse em uma entrevista. Ele queria ofender [Holiday] por causa da cor de pele dele. Essa é diferença entre o que não é apropriado e o que é politicamente incorreto."

Incidentes como esses não são incomuns no dia a dia de Holiday. Ele entrou em uma briga no Twitter na semana passada semana depois de ter afirmado que a Klu Klux Klan, grupo extremista racista dos Estados Unidos, tinha ideias semelhantes a de organizações de esquerda no Brasil.

"A maioria das pessoas que não são ativistas — em outras palavras, que são apenas pessoas comuns — são fãs do movimento e gostam do meu trabalho e do que estamos fazendo", diz Holiday, que tem 600.000 seguidores no Facebook, mas ainda está começando no YouTube.


Kim Kataguiri, Arthur Mamãe Falei e Fernando Holiday fazem parte do mesmo partido, o DEM, mas dizem que, acima de tudo, são membros do MBL.

Kataguiri diz que eles apoiam Bolsonaro no segundo turno por motivos práticos. Eles odeiam o PT de Fernando Haddad, e o tsunami conservador que atingiu o Brasil nestas eleições em última análise acaba os beneficiando. Além disso, Bolsonaro é bom para a audiência.

"Acho que a maioria dos simpatizantes do Bolsonaro estão simplesmente cansados do sistema e querem um candidato anti-establishment", diz Kataguiri.

"Se o Bolsonaro tentar alguma coisa mais radical, ela vai ter que passar pelo Congresso. E, se passar pelo Congresso, nós vamos barrar", diz ele. ●

Este post foi traduzido do inglês.

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