Paul Gaudio, o silencioso diretor criativo da Adidas, modificou sua linha de produtos e transformou um vice-campeão permanente no nome mais atraente em quesito de roupas esportivas. Como a marca de 67 anos aproveitou a ascensão da cultura de usar tênis 24/7.

    Em um fim de tarde de verão na Adidas Village, um complexo de cinco edifícios no estilo do cubo de Rubik com fachadas em azulejos coloridos no lado leste de Portland, em Oregon, uma multidão de jovens designers de calçados se reuniu em uma área comum do segundo andar para a apresentação final de um estagiário de verão extrovertido. O espaço estava suavemente iluminado e industrial, com luminárias em pêndulo de prata penduradas no teto em meio a tubulação de metal exposta. Os designers — casualmente em forma, tatuados e vestidos em tons sólidos que balanceavam calçados convencionalmente notáveis — espalharam-se por uma série de sessões e poltronas claras de tecido.

    A estagiária, uma jovem chamada Laurance, usava uma blusa coral e tranças longas e castanhas descendo até seu peito. Ela tomou seu lugar de frente ao público, em pé em frente a um cartaz enorme repleto de esboços de um tênis de seu próprio design. Os esboços retratavam três meses de iteração elaborada, cada folha de papel representando uma nova tentativa na tela. Um cano alto em um esboço tornava-se um cano baixo no próximo; cadarços apareciam e depois desapareciam. O resultado final — um tênis de corrida sem cadarços e elegante que roubou a cena dramaticamente do tornozelo ao dedão — cuidadosamente assemelhava-se ao tipo de tênis que a Adidas produziu com frequência crescente nos últimos dois anos: radicalmente exuberante, com uma silhueta marcante que intencionalmente divergia dos designs deselegantes e funcionais pelos quais a empresa de 67 anos de idade era conhecida há muito tempo.

    "Estou super nervosa" disse Laurance com um sorriso tímido, induzindo uma onda de risadas solidárias. la se encolheu ligeiramente e apertou as mãos na cintura. "Espero passar todas as informações corretamente."

    Como a maioria das grandes marcas de tênis do mundo, a Adidas faz a maior parte de sua receita (US$ 19 bilhões em 2015) vendendo tênis que foram apresentados pela primeira vez muito antes de Laurance nascer. A empresa é sinônimo com sensações estáveis da era de baby boomers, incluindo o Samba (1950), o Superstar (1969) e o Stan Smith (1973) que — graças aos endossos ostentosos, ao marketing persistente e ao fracasso coletivo da humanidade de comprometer-se a um sexto dedo — nunca saíram de moda. Cada um desses tênis, embora seja marca registrada dos preguiçosos hoje em dia, foi originalmente adaptado para a performance atlética especializada (futebol, basquete e tênis, respectivamente), mas em uma era em que os tênis penetraram em todas as áreas da vida — incluindo zonas anteriormente proibidas, como o escritório e a igreja — imaginar quem usará tênis novos tênis esportivos e por qual motivo, nunca foi mais subjetivo.

    Clássico, nerd, legal: A evolução do design da Adidas

    Laurance começou sua apresentação com segurança suficiente, discutindo "o futuro do esporte e ao que a performance atlética pode inspirar". Ela esboçou uma visão de ficção científica que era parte De volta para o futuro, parte O homem de seis milhões de dólares e parte Fitbit, descrevendo como seu tênis usaria a biometria e daria uma avaliação inteligente usando vibrações hápticas e fio eletroluminescente. Mas ela pareceu constrangida sobre dar muito enfase em melhorias tecnológicas, tendo o cuidado de descrever o produto como "moderno" e "estiloso" sempre que possível. Há cinco anos, o designer de um tênis com este nível de avanço inevitavelmente teria se focado na vantagem competitiva conferida aos atletas profissionais. Mas Laurance tinha um tipo completamente diferente de consumidor em mente. Em uma história cuidadosamente roteirizada, ela o descreveu como um estudante de fotografia de 20 anos e corredor na universidade Pratt, do Brooklyn.

    Na plateia, um diretor de design usando uma boné de beisebol e óculos Warby Parker assentiu com aprovação. Quando Laurance terminou, recebeu comentários brilhantes de todaa plateia. "Você sonhou alto, mas ainda pareceu tangível e conectado", alguém disse. Todos na plateia aplaudiram e comemoraram.

    A Adidas, uma das pioneiras na área de vestuário esportivo, fundada em 1949 pelo visionário alemão de travas e chuteiras, Adi Dassler, recentemente se remodelou diante das profundas mudanças na indústria. Durante décadas, seus logos de três faixas e trevo foram uma presença constante na vida pública — nos estádios esportivos, nas ruas e na sala de aula — em todo o mundo. A empresa emprega mais de 55.000 trabalhadores em 160 países, que produzem e comercializam mais de 300 milhões de novos pares de tênis por ano. Mas após anos sem conseguir replicar o triunfo dos primeiros sucessos, como o Superstar, mesmo quando a demanda por equipamentos atléticos explodiu, adversários mais jovens e ágeis ameaçaram sua posição. Em 2014, um insurgente Under Armour passou a Adidas e se tornou o segundo maior fabricante de vestiário esportivo nos EUA após a Nike, auxiliado por um declínio de 30% e 20% na Adidas em vendas de calçados e vestuário, respectivamente.

    Nesse mesmo ano, a marca alemã tomou medidas audaciosas para reformular sua reputação, particularmente nos Estados Unidos, onde os consumidores têm uma influência desproporcional na indústria global de roupas esportivas. Ela mudou sua sede de design de produtos de Herzogenaurach, na Alemanha, para Portland, e nomeou seu primeiro diretor criativo global em 15 anos para supervisioná-la. O diretor criativo, um americano chamado Paul Gaudio, cortou mais de 30% da linha de produtos da Adidas nos EUA e delineou uma nova missão para que toda a empresa sirva mais consumidores como o hipotético estudante da Pratt da Laurance — entendido de tendências,com uma gama diversificada de interesses — em vez dos agnósticos a estilo entusiastas de esportes em que ela se baseava no passado.

    Os resultados da mudança foram incrivelmente inequívocos. Por três trimestres consecutivos este ano, as vendas da Adidas na América do Norte subiram 20% ou mais em comparação com o mesmo período do ano passado, ajudando-a a ultrapassar a Under Armour e recuperar sua posição de segundo lugar nos EUA após mais de um ano no terceiro lugar, de acordo com uma análise da SportsOneSource. A empresa aumentou sua participação no mercado de calçados dos EUA de US$ 36,5 bilhões em 2,5% nos primeiros nove meses de 2016, de acordo com o NPD Group. E no índice alemão DAX, que lista 30 ações blue-chip, é a ação de melhor desempenho do ano — uma inversão de 180 graus de 2014, quando teve o pior desempenho. "O grande impulso em todos os mercados principais mostra a força da nossa estratégia", disse Kasper Rorsted — que substituiu o antigo Presidente-executivo da Adidas, Herbert Hainer, em outubro — em uma conferência de resultados no início deste mês.

    Fora do balanço, é difícil não notar a evidência da ascendência cultural da Adidas. Seus estilos clássicos nunca foram tão populares, unindo uma coligação pan-geracional de adolescentes autoconfiantes, a faixa dos vinte e poucos sem dinheiro e profissionais com tendências a áreas criativas. Seu logo se tornou onipresente nos blogs de moda e nas passarelas durante a semana da moda, graças a colaborações importantíssimas com provocadores como Kanye West, Pharrell e Raf Simons, entre outros que valem seu peso em marcações do eBay. Em 2015, Complex a nomeou a melhor marca de estilo masculino do ano, acima de Gucci e Rick Owens, o próprio um colaborador da Adidas.

    Mas os impulsores mais importantes da reviravolta da Adidas e sua maior esperança para o crescimento sustentável, são os novos tênis projetados internamente sob a supervisão de Gaudio. As linhas que carregam sua influência — incluindo Ultra Boost, NMD, Tubular e AlphaBounce — impulsionaram um fervor generalizado para os tênis da Adidas não vistos nos EUA desde o final dos anos 80. Um modelo, o Ultra Boost Uncaged, tornou-se o tênis de desempenho mais rápido em vendas nos Estados Unidos de todos os tempos em junho, vendendo 11 mil pares em uma hora após seu lançamento. Dois anos após sair da beira da irrelevância, a Adidas parece, age e ganha como uma empresa diferente. E após décadas na sombra da Nike, ela evoluiu para a patrocinadora mais experiente do futuro fabuloso de roupas de academia, graças a um roteiro de produto que se inclina no papel florescente do vestuário esportivo como o uniforme padrão para a vida.

    "Eles são a marca do ano", diz Matt Powell, um analista de roupas esportivas do grupo NPD e observador da Adidas de longa data. "Após anos lutando aqui, eles finalmente têm seu foco no lugar certo."

    Como diretor criativo, Gaudio é responsável por 650 designers que inventam tudo o que a Adidas faz — desde sapatos a roupas, até postagens no Instagram. Ele traz consigo mais de 20 anos de experiência na empresa — a maior parte de sua vida adulta — e abordou a tarefa de renovar sua identidade com um sentimento de devoção familiar. Ele começou na Adidas fazendo protótipos de calçados não convencionais como um designer de conceitos avançados, em 1991, e tem trabalhado para a marca em períodos intercalados desde então. Durante seu período mais longo longe da empresa, entre 2000 e 2007, ele ajudou a redesenhar e ressuscitar o veículo principal da Norton Motorcycles — uma marca de legado britânica — como um projeto por paixão.

    Seu escritório em Adidas Village é espartano, iluminado naturalmente e decorado modestamente — alguns cartazes esportivos, bandeirolas e conselhos bem humorados — com exceção de um decalque de 1,2 m que diz "Paul's Boutique" em fonte graffiti script em uma janela grande, voltada para o interior. Uma estatueta de bronze de Adi Dassler, amostras de entressolas patenteadas de "boost" da Adidas e outras coisas efêmeras próprias estão espalhadas por duas mesas.

    Antes da nomeação de Gaudio, mais de uma década sem liderança criativa unificada deixou a Adidas com tantas identidades quanto suas categorias de produtos. Muitas pessoas adoraram suas chuteiras de futebol da Adidas, ou shorts de basquete, ou Superstars, mas não muitas tinham sentimentos fortes pela própria marca. Como chefe de design da Adidas, Gaudio é o maestro chefe, dirigindo dezenas de especialistas criativos — seus jogadores — para uma visão harmoniosa de como os produtos da marca devem parecer, sentir e funcionar. Sua primeira ordem de negócios foi a reforma da estrutura organizacional da empresa, instalando equipes de design dedicadas em cada um dos principais empreendimentos da Adidas (incluindo corrida, futebol, basquete, futebol americano e academia) que se reportam diretamente a ele.

    "É uma consciência coletiva e não um conjunto de instruções", ele me contou sobre essa abordagem. "A marca é uma narrativa — é uma ideia que tanto as pessoas dentro quanto fora da empresa têm de comprar. Meu papel é moldara narrativa: 'O que nós apoiamos? Por que estamos aqui? Como pensamos e nos sentimos e agimos?'"

    Gaudio tem um porte padrão, usando uma camiseta preta justa e jeans, com um queixo quadrado, barba por fazer branca e uma maneira calma, despretensiosa que subverte o desenho do visionário criativo tempestuoso. Funcionários com quem conversei o descreveram como "extremamente equilibrado" e "uma presença estabilizadora". Nascido e criado em Pittsburgh, lugar de trabalho primordialmente manual e industrial, ele fala com um sotaque temperado do oeste da Pensilvânia e usa a expressão "holy cow" com serenidade. Ele trabalhou no departamento de peças na concessionária local da Porsche/Audi durante o ensino médio e ainda renova carros antigos e bicicletas em seu tempo livre. Agora com 50 anos, é possível ver vestígios de uma vida vivida ao redor de garagens em suas tatuagens dos nós dos dedos (as iniciais de sua esposa), e nas ondas lisas de cabelo prateado, que ele penteia para trás e em linha reta - parte parecido com Jon Stewart fora do trabalho, e parte Filhos da anarquia.

    Ele foi treinado para se tornar um designer industrial e nunca imaginou uma carreira em calçados ou moda. Quando tinha cerca de 8 anos, Gaudio passava horas em uma loja de móveis de seu avô, cativado pela maquinaria estranha, madeira e tecidos que surgiam de todos os cantos. Construir coisas, ele descobriu, era mais divertido do que desenhá-las, e com a bênção de seu avô, ele levava tábuas de madeira para construir um avião ou um barco, usando restos de vinil dos apoios das cadeiras para a vela. No ensino médio, Gaudio começou a jogar futebol americano, esperando poder conseguir uma bolsa de estudos atlética para a faculdade. A bolsa nunca veio, mas ele nunca desistiu de esboçar e construir. Ele fazia karts, skates e casas de árvore, e passou a personalizar as coisas não feitas por ele, como tênis brancos simples que ele pintava com seus próprios designs.

    Em uma visita informativa à Universidade de Cincinnati, no início dos anos 80, Gaudio ficou emocionado ao passar por um estúdio de design industrial no campus, onde se viu cercado por similares a ele. Ele acabou cursando a escola de design na Carnegie Mellon, em Pittsburgh, e depois trabalhou na empresa de consultoria SG Hauser, ajudando a desenvolver produtos eletrônicos de consumo, produtos médicos e equipamentos de laboratório. Quando um amigo que tinha ido trabalhar para a Adidas na Alemanha o contatou sobre uma oportunidade de trabalho, em 1991, ele foi cético — na época, a marca estava no meio de uma recessão. Mas Gaudio foi convencido por Peter Moore, diretor criativo da Adidas na época e o último antes dele, que havia criado o primeiro Air Jordan para a Nike e estava à procura de designers industriais que poderiam ajudar a elevar os calçados de performance.

    Desde os dias de Adi Dassler, cujas travas de chuteiras ajustáveis revolucionárias são creditadas para a Alemanha pela Copa do Mundo lamacenta de 1954, a Adidas muitas vezes operou mais como uma empresa de tecnologia do que como de moda. Durante todo o século 20, sua reputação por equipar atletas como Jesse Owens e Cassius Clay com o melhor equipamento disponível foi incomparável, ajudando a impulsionar a marca a passar a Puma, sua maior concorrente na época, fundada famosamente pelo irmão de Dassler e rival amargo, Rudolf. Em 1964, a Adidas era o maior nome do mundo em esportes, com 80% dos competidores na Olimpíada do ano usando tênis com seu famoso logotipo de três listras.

    Mas os problemas nos Estados Unidos começaram nos anos 70, quando a Nike, com sede em Portland, ganhou destaque por causa de uma mania nacional de corrida recreativa. O primeira tênis comercial da Nike, o Cortez, lançado em 1972, foi abraçado por corredores como um tênis de corrida e um símbolo de status, elegante o suficiente para exibir com uma calça jeans. A Nike repetiria essa fórmula com sucesso várias vezes, produzindo um modelo após outro — Air Max, Air Force 1, Air Jordan — que poderiam agir tanto como tênis de performance quanto símbolo de moda. Mas a Adidas não conseguiu se adaptar às idiossincrasias da moda e possuía uma cultura interna que tratava a estética como secundária à utilidade.

    Alguns modelos, especialmente o Superstar — imortalizado em 1986 pelo Run DMC — e o Stan Smith, favorecido pelo Phoebe Philo da Celine, tornaram-se ícones de estilo por mérito próprio. Mas a marca nunca foi capaz de competir com a luxúria e a inveja inspirada pelos produtos da Nike, que veio a se tornar sinônimo de vida atlética americana. Hoje, a Nike diminui seu concorrente mais próximo em vendas de calçados atléticos dos EUA de 60% a 7%, de acordo com Powell. E conforme a Adidas perdeu os EUA, eventualmente perdeu o mundo.


    O plano de Gaudio de ressuscitar o design da Adidas nasceu de um acerto de contas com os erros do passado da empresa. Ao longo dos últimos dois anos, ele trouxe igualdade à estética e performance, finalmente, e atualizou os objetivos de ambos para atingir uma nova geração de consumidores. A Adidas agora refere-se a si mesma como "A marca criadora", um nom de guerre que deriva de uma reformulação estratégica da busca atlética como uma forma de expressão criativa. A marca criadora alega que cada atleta é um tipo de profissional criativo — um jogador de basquete em uma pausa rápida não simplesmente enterra a bola, ele "cria no ar" — e, da mesma forma, deve receber as indulgências do estilo pessoal. Ela omite as barreiras tradicionais entre esportivo e artístico, atletas e hipsters, expandindo a visão para incluir ambos em um único quadro.

    A Adidas não é uma originadora dessas ideias — elas mapeiam nosso momento atual, quando heróis esportivos como Cam Newton e Russell Westbrook são quase tão conhecidos pelo que usam no estádio quanto como jogam quando chegam lá — mas ela quer Incorporá-los. Gaudio se inspirou no grupo que idolatra Newton e Westbrook, mas também em sua própria formação em Pittsburgh, como um jogador de futebol americano do ensino médio autodenominado, que passou tanto tempo em seu caderno quanto no campo.

    "Os consumidores se tornaram mais sofisticados", disse Gaudio. "Os atletas do ensino médio com quem conversamos organizam suas próprias vidas com pequenas partes de todos os lugares. Seja entrando na equipe ou as roupas que usam, ou as músicas que escutam, as pessoas com quem se envolvem, para eles, tudo está conectado."

    Como slogan, "A marca criadora" não é um "Just Do it". Os anúncios com embaixadores da marca, como James Harden dos Houston Rockets e a supermodelo Karlie Kloss, usam um slogan vago — " Aqui para criar" - isso provavelmente cria tantas questões quanto as responde. No entanto, internamente, a ideia conseguiu desfazer a tendência histórica da empresa em direção à performance em detrimento do estilo de vida, permitindo que os projetistas de produtos vislumbrem um cliente moderno supostamente move-se perfeitamente entre ambos.

    Servir a nova geração de atletas também abriu uma porta secreta para legiões crescentes de adjacentes atléticos. Em uma era em que a cultura dos tênis impulsionou um mercado de revenda de US$ 1,2 bilhão e o "athleisure" (uma mistura de atletismo e lazer) chegou para ficar, quando todos querem se sentir esportivos, quer realmente pratiquem esportes ou não, A Adidas mais moderna de Gaudio está melhor sintonizada com performances que são mais sociais do que físicas.

    "A cultura do esporte é tão penetrante que todo mundo quer fazer parte dela de uma forma ou de outra", ele disse. "O produto tem que ser relevante quer você jogue ou apenas goste do visual e da sensação."

    "Os modelos mais antigos pareciam os tênis de atletismo que eram", disse Petar Kujundzic, diretor editorial do site de estilo masculino Hypebeast. "Mas agora você pode combinar seus tênis de performance com diferentes tipos de materiais."

    A primeira prioridade da Adidas continua sendo fazer mercadorias para atletas reais. Gaudio tem medo de se desviar do compromisso da marca com as exigências do esporte, ou de diminuir sua credibilidade ao sucumbir ao mundo da moda — uma distorção da verdade. Coleções de alta qualidade com influenciadores como West, apesar de representar uma parcela comparativamente pequena das vendas da Adidas por conta de suas edições limitadas, impulsionou muito a imagem da marca e mudou as regras do jogo para designers da casa ("As proporções e simplicidade, e a narrativa de [Yeezy, a coleção de West] ... tiveram um grande impacto em como as pessoas projetam por aqui", disse Gaudio, que supervisiona os designs para Yeezy). Mas esses ganhos não são vistos como fins em si próprios.

    "As energias, o entusiasmo e as atitudes do esporte — isso é o que nos impulsiona", ele disse, quando perguntei o quanto ele havia sido influenciado pela moda. "Mas quando você está no campo de futebol colocando uma chuteira, quer o mesmo benefício emocional que quer ao colocar uma jeans: 'Como fico com isso? Como me sinto com isso? O que isso diz sobre mim?' Para mim, esse tem que ser o ponto de partida."

    Em julho passado, os designers da divisão de basquete da Adidas organizaram um evento de quatro dias na galeria The Seventh Letter, em Los Angeles, uma boutique de moda de rua e galeria de arte fundada pela equipe de grafite de mesmo nome. Gaudio incentivou mais colaboração entre as divisões da empresa e os designers de basquete, liderados pelo vice-presidente de design de basquete, Brian Foresta, foram acompanhados por algumas dezenas de seus colegas de outras divisões — incluindo Adidas Originals, que produz novos modelos inspirados em clássicos; A Creator Farm, um novo laboratório de design com "código aberto" no Brooklyn; e Yeezy. Durante os quatro dias, os participantes debateram ideias sobre tênis para a temporada de primavera/verão de 2018, enquanto diversos palestrantes convidados, incluindo o cantor e produtor de R&B Raphael Saadiq, apareceram para ajudar a chamar a musa.

    Um item na agenda era esboçar ideias para uma geração futura de Crazy Explosive, um high-top estonteante usado por jogadores como Kristaps Porzingis, do Nova York Knicks, e Andrew Wiggins, o ala-pivô do Timberwolves de Minnesota e Novato do Ano da temporada de 2014/15 da NBA. Durante uma sessão em grupo, Foresta lançou um desafio à sala: Usando apenas um bloquinho de notas e uma caneta, desenhe uma silhueta que pareça "explosiva" em não mais do que 15 segundos. Os designers rabiscaram ondas e travas em várias configurações. Quando o tempo acabou, eles colocaram seus esboços na frente da galeria e votaram em seus favoritos, marcando-os com um ponto no canto inferior direito. Os cinco projetos com mais pontos foram o foco de um desafio subsequente: Adicione detalhes e toques, com base na livre associação por indução, como "vilão" e "rápido".

    Os desafios continuaram assim, cada um mais granular do que o anterior, até que, no final do dia, o grupo criou centenas de designs de tênis elaborados. Quando o evento terminou, Foresta e sua equipe os levaram de volta a Portland para usarem como inspiração. Antes de Gaudio, ele diz, o distanciamento entre as divisões teria tornado impossível imaginar uma reunião fora do escritório.

    "Antes, havia todas essas tribos individuais que faziam um bom trabalho, mas não se encaravam como uma unidade maior", ele disse. "Paul tem sido muito importante na construção destas pontes e dizer às pessoas que não há problemas em ter humildade, não há problemas em ir até alguém [de uma divisão diferente] e dizer 'Ei, eu realmente admiro o que vocês estão fazendo, você pode me explicar como chegou a esse ponto?'"

    Foresta é um ex grafiteiro do Brooklyn que dividiu 10 anos entre a Reebok e a Nike antes de se juntar à Adidas em 2009. Ele é baixo, com um corte de cabelo que parece caríssimo — penteado de banqueiro na parte de cima, raspado nas laterais — e uma barba bem feita. Uma das maiores mudanças nos últimos dois anos, disse ele, foi uma alteração na forma como a empresa pensa sobre falhas criativas.

    "Antes da reestruturação, haviam pessoas que realmente tinham medo de errar — você tentaria nada se houvesse uma chance de que você não conseguiria fazer isso acontecer", disse ele. "Agora há um nível de confiança em nós e na nossa estratégia, onde realmente podemos nos entregar a algo, errar, aprender e então evoluir."

    Gaudio não acredita em micro gerenciamento, preferindo dar as suas equipe amplo espaço para resolver problemas. "Ele deixará você tropeçar e depois irá treiná-lo para mantê-lo atualizado", disse Foresta. Liz Callow, diretora sênior de cor e tendência da Adidas e um dos braços direitos mais próximos de Gaudio, descreveu sua abordagem como um editor. "Ele não quer mudar algo só porque é a maneira como ele vê isso", disse ela. "Se você está apresentando um conteúdo criativo a ele e ele questioná-lo, não é para desestimular sua ideia — é para ter um diálogo e explorar mais de onde ela vem."

    Quando Gaudio voltou para a Adidas após o período com a Norton Motorcycles, trabalhou na estratégia de marca e viu como a empresa lutava para articular seus valores de forma significativa, tanto internamente quanto com os consumidores. Encarregado de traçar um novo curso para 650 designers em dezenas de categorias e subcategorias, ele se apoiou em uma ferramenta prosaica, mas duradoura, decretando uma lista de princípios universais destinados a orientar o trabalho de design antes que ele chegue à sua mesa. A lista, com três itens, foi impressa em cartazes motivacionais pendurados nos escritórios de todos os designers com quem conversei: 1. Nascido na cultura; 2. Construído para o propósito; e 3. Ousadamente simples.

    "Queremos que tudo o que fazemos impulsione o futuro do esporte — em ciência, materiais, tecnologias e fabricação", disse Gaudio. "Mas também tem de ser familiar, confortável e acessível. O que nos impulsiona é descobrir como casar essas duas coisas — porque eu não quero fazer robôs para pés, iPhones para pés ou carros de corrida para pés. Quero fazer coisas úteis e que sirvam nas vidas das pessoas e a cultura em que vivem."

    Como diretor criativo, Gaudio tem feito os designers da Adidas imaginarem o universo social completo que envolverá um produto antes de esboçar a primeira linha. Isso é "nascido da cultura". Significa habitar a mente do consumidor e fazer perguntas sobre sua vida — do mundano ao filosófico — que eles poderiam não ter considerado no passado: Como meus amigos se vestem? Quais músicas escutam? Quais são nossos sonhos, esperanças e desejos?

    Um fruto recente desta abordagem foi o AlphaBounce, um tênis de corrida direcionado a um consumidor mais casual, lançado nesta primavera. Seus criadores começaram entrevistando atletas do futebol do ensino médio que correm por necessidade em vez de por escolha — substitutos úteis para outros corredores casuais. O tênis, que parece um sapato iate e é vendido em cores e estampas chamativas, foi um sucesso instantâneo. "Deixando de lado a performance, é possível usar este sapato fora da academia — é só olhar para as cores desvanecendo pela entressola", escreveu o blog de moda de rua Highsnobiety em sua análise.

    "Nascido da cultura" é tão reativo quanto é proativo. É conscientemente envolver-se nas conversas ao redor dos produtos Adidas, e permitir que essas conversas influenciem materialmente o processo de design. O Ultra Boost Uncaged de junho, que agora é um dos tênis de corrida mais vendidos da Adidas, foi inspirado pelos donos do Ultra Boost original, que cortaram os suportes laterais de plástico do tênis, ou "gaiolas", e publicaram fotos do calçado alterado online.

    "Assim que vimos eles fazendo isso, bum, espalhamos pro mundo", disse Gaudio. "É assim que queremos trabalhar, aprender com nossos consumidores e redefinir como é o visual e a sensação de um tênis de corrida da Adidas."

    O segundo princípio - "Construído para o propósito" — trata-se do artesanato tradicional da Adidas, o tecno utilitarismo de Adi Dassler e Peter Moore. Embora seu principal projeto tenha sido desafiar e expandir noções de como os produtos da Adidas podem funcionar no mundo, a reverência de Gaudio pelo design industrial manteve a marca enraizada na tradição de usar a tecnologia para resolver os problemas. O que tornou o Ultra Boost Uncaged tão valioso, no fim das contas, não foi seu estilo pouco convencional, mas a perspectiva de combinar esse estilo com as credenciais de performance do Ultra Boost original, repleto de sua entressola avançada e parte superior "Primeknit" leve.

    O terceiro princípio — "Ousadamente simples" — equilibra dois avisos um contra o outro. A palavra principal, "simples", é uma cautela contra a complexidade desnecessária — o pecado cardinal do design de reinventar a roda.
    O modificador, "ousadamente", antecipa o hábito do minimalismo. Significa, basicamente, "não seja tedioso".

    "Essa é, talvez, a diferença entre Dieter Rams e eu", disse Gaudio, referindo-se ao designer do produto alemão e modelo da austeridade, um antigo herói dele. "Como designer, você pode ser nerd na racionalidade e na redução, mas acho que isso às vezes deixa as pessoas frias. O que estamos tentando fazer, e onde acho que é possível ver a mudança de marca, é trazer um pouco de emoção e um componente que desperta para os produtos."

    Quando Gaudio ajudou a reviver a Norton Motorcycles em 2003, a marca era uma relíquia centenária, uma antiga concorrente da Triumph com um culto de seguidores (apelidados de "snortin 'Norton" devido aos motores potentes das motos) que fechou no final dos anos 70. Ele começou como um consultor — um empresário de Portland que havia adquirido as marcas registradas da Norton o abordou — mas logo ele só conseguia pensar nisso. Todos os dias em que ia trabalhar, tudo que queria fazer era trabalhar no projeto de moto, não queria olhar para mais nada", ele disse.

    Gaudio e o empresário, um dono de uma loja de bicicletas e reformador chamado Kenny Dreer, projetaram uma versão totalmente nova de um dos modelos mais conhecidos da Norton, a Commando, desde os parafusos O projeto atraiu a atenção da imprensa e em 2008 eles venderam o protótipo e as marcas registradas a Stuart Garner, um magnata de fogos de artifício britânico e atual Presidente-executivo da Norton, que passou a supervisionar a primeira produção adequada de uma motocicleta Norton em 30 anos.

    A experiência de Gaudio guiando a marca para fora da escuridão validou as habilidades que ele vinha desenvolvendo desde seus dias em Pittsburgh, quando estava sujando as mãos de graxa na concessionária da Porsche/Audi. Seria um teste útil para seu eventual retorno à Adidas, onde, ao impulsionar o ressurgimento criativo da marca, ele está desempenhando um papel similar.

    "Quando começamos, nosso objetivo era tornar-se a melhor marca esportiva do mundo — e dissemos que saberíamos quando isso acontecesse porque as pessoas nos contariam", disse Gaudio, inclinando-se para frente com ambas as mãos na mesa do escritório. Através da janela atrás dele, funcionários da Adidas chutavam uma bola pelo campo de futebol da empresa no sol da tarde. "Não estamos onde queremos estar ainda, mas estamos chegando cada vez mais perto." ●


    Este post foi traduzido do inglês.

    Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

    Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.