NOVA DÉLI — Como resultado de uma das maiores e mais antigas batalhas judiciais LGBTQ do mundo, a Índia pode estar prestes a revogar uma lei de 157 anos que criminaliza o sexo gay.
Nesta terça, uma bancada de cinco juízes da mais alta corte da Índia começou a ouvir argumentos contra uma lei conhecida como Seção 377. Introduzida sob o domínio britânico em 1861, a norma classifica qualquer atividade sexual não heterossexual como sendo “contra a ordem da natureza”.
Se os juízes da Suprema Corte derrubarem a lei, isso mudará os direitos da comunidade gay em um país que hoje tem mais de um bilhão de pessoas.
Além disso, a decisão pode ter grande repercussão em outros países — principalmente na Commonwealth, associação formada principalmente por antigos territórios do Império Britânico — em que ativistas LGBTQ estão em batalhas judiciais semelhantes contra códigos penais da era colonial.
Akhilesh Godi, requerente de 25 anos de Hyderabad que viajou para Nova Déli para a audiência, disse ao BuzzFeed News que fazer história jurídica era emocionante, mas que não era seu objetivo principal.
"Saí do armário com 20 e poucos anos e demorei para entender o que isso significava", disse. "Tive graves problemas de saúde mental e depressão, até tomei remédios. Mas me sinto mais forte agora."
Godi, ex-aluno do Instituto Indiano de Tecnologia (uma universidade de prestígio que é a versão indiana do Instituto de Tecnologia de Massachusetts dos EUA), disse que, por fazer parte do grupo de 20 estudantes que apresentou a petição, pôde discutir sua orientação sexual abertamente com seus colegas.
"O que mais quero é que outras instituições de ensino criem grupos de apoio e espaços seguros para jovens queer como eu, que estão confusos e talvez estejam enfrentando problemas semelhantes de saúde mental."
Ativistas na Índia travaram uma longa e difícil batalha contra a Seção 377, que foi derrubada pelo Tribunal Superior de Déli em 2009, mas restaurada pela Suprema Corte quatro anos depois.
A decisão de 2013, de dois juízes da Suprema Corte, descreveu a comunidade LGBTQ da Índia como uma "fração minúscula" de sua população total e negou que a comunidade queer tenha enfrentado qualquer perseguição sob a lei, já que menos de 200 pessoas haviam sido presas nos últimos 150 anos por "sexo não natural". Um dos juízes chegou a afirmar que nunca havia conhecido uma pessoa gay em sua vida.
No entanto, outros juízes da corte começaram a preparar o terreno para reverter a decisão quase que imediatamente. Primeiro, em 2014, o tribunal estendeu os direitos legais e as proteções às pessoas transexuais, e, em 2017, determinou que a privacidade era um “direito fundamental”.
A decisão posterior deu novo impulso à causa da revogação da Seção 377, levando a Suprema Corte a emitir, em janeiro deste ano, uma ordem para que a decisão de 2013 do tribunal fosse reconsiderada.
A ação contra a Seção 377, hoje, acontece por meio de uma petição curativa — um pedido especial em que os requerentes pedem que os juízes da Suprema Corte revejam um tema, mesmo que a sentença final já tenha sido comunicada, devido ao julgamento ter violado os princípios da justiça natural.
A lista de requerentes inclui figuras bem conhecidas na Índia, como o dançarino Navtej Johar, a ativista trans Akkai Padmashali, a chef Ritu Dalmia e um hoteleiro chamado Keshav Suri.
Além disso, também há requerentes representando o amplo espectro da sociedade e da experiência queer, como o ativista soropositivo Gautam Yadav e Arif Jaffar, homem de 47 anos que foi enviado para custódia policial e torturado por mais de um mês por sua orientação sexual sob a Seção 377. (Nos últimos 18 anos, Jaffar vem lutando em um caso separado contra os policiais que o prenderam.)
Uma proporção significativa dos requerentes contra a Seção 377 são homens — em parte, isso se deve ao estigma social que todas as expressões de desejo feminino carregam na Índia, mas também porque, de acordo com o advogado Mukul Rohatgi, a lei penaliza os homens com mais frequência: "A Seção 377 em nosso país afeta principalmente os homens, mesmo que pareça neutra em relação ao gênero", disse no tribunal.
Ativistas dizem que a luta contra a Seção 377 não está mais limitada a antigos aliados ou membros da comunidade LGBTQ indiana.
“Principalmente a partir de 2013, as Paradas de Orgulho LGBTQ cresceram na Índia”, disse Vikram Doctor, jornalista de Bombaim que trabalhou com a Gay Bombay (grupo que cria espaços seguros para homens queer) e esteve envolvido com o caso desde o início. Doctor disse ao BuzzFeed News que um dos aspectos mais animadores dessa nova batalha judicial foi a petição apresentada por 20 atuais e ex-alunos do Instituto Indiano de Tecnologia (incluindo Godi).
“As pessoas que estão aderindo às petições neste momento não têm nenhuma história de ativismo e têm muito a perder — muitas delas vêm de cidades pequenas e têm histórias emocionantes de luta contra a pobreza, tentativas de suicídio e famílias que tentaram forçá-las a casar com parceiros heterossexuais.”
Os requerentes do IIT, quase todos com menos de 30 anos, são cientistas, empreendedores, professores, pesquisadores e empresários que se descrevem como filhos de agricultores, professores, donas de casa e funcionários do governo. Os 17 homens, duas mulheres e uma mulher trans descreveram o impacto da Seção 377 em suas vidas na corte na última terça-feira.
"As pessoas acham que se assumir como gay é uma espécie de final feliz, mas não é", disse Anwesh Pokkuluri, quando o tribunal fez uma pausa para o almoço.
“Mesmo depois que você cria coragem para falar com seus pais, ou talvez seus irmãos, ainda há pessoas no trabalho, pessoas que você encontra socialmente, ou o locador da sua casa... Por conta da 377, nunca se sabe como eles reagirão ao saber que você é gay."
Apesar de terem recebido bolsas de estudo em algumas das principais instituições do país, os requerentes do IIT disseram que já consideraram a ideia de trocar a Índia por um país onde o amor entre pessoas do mesmo sexo não fosse tratado como criminoso. A petição deles cita a Seção 377 como uma das principais razões para uma “fuga de cérebros” da Índia.
Nas próximas semanas, a Suprema Corte ouvirá mais pessoas sobre a Seção 377. Só depois disso a Corte anunciará sua decisão sobre a permanência ou não da lei no país.
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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.