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A democracia do Camboja entrou em colapso – e tudo aconteceu ao vivo pelo Facebook

O Facebook deveria ajudar a liberdade de expressão em sociedades como o Camboja. No entanto, está fazendo exatamente o contrário — com consequências desastrosas para o futuro político.

PHNOM PENH, Camboja — No princípio, Monovithya Kem ficou perplexa. Depois, com medo.

Começou com uma notícia totalmente inventada. No ano passado, o Fresh News — uma espécie de Breitbart [portal norte-americano da extrema direita] cambojano — publicou um artigo acusando Kem e sua irmã de fazerem parte de um elaborado plano da CIA para derrubar o governo do Camboja, junto com seu pai, o líder do principal partido de oposição. Mas o texto era tão ridículo que eles pensaram que ninguém acreditaria.

"No início, achamos tudo muito engraçado", disse Kem, que também é membro do partido de oposição. Em resposta, ela tuitou uma foto dela e de sua irmã, Samathida, em um barco, usando óculos de sol escuros — como agentes secretos em um filme de ação.

Personally we think MI6 is cooler than CIA. Bond, not just Bond girls, our name is Bond! To #Cambodia govt mouthpie… https://t.co/OlEo5UFnIo

@MNVKem / Twitter / Via Twitter: @MNVKem

O Fresh News é um dos sites de notícias mais influentes no Camboja, e seu fundador, Lim Cheavutha, tem uma estreita relação com o primeiro-ministro, cujos planos está feliz em pôr em prática. Sites como o Fresh News divulgam seu conteúdo principalmente por meio do Facebook — a rede social é a principal fonte de notícias do Camboja e se tornou tão popular que hoje é praticamente sinônimo de internet no país. A história sobre a família de Kem foi visualizada dezenas de milhares de vezes no Facebook.

Como evidência da suposta trama da família Kem para derrubar o governo do Camboja, o Fresh News publicou uma miscelânea de fotos retiradas das redes sociais das irmãs ao lado de vários amigos homens brancos. "Qualquer pessoa ocidental com quem nos encontrávamos era acusada de ser espiã ou trabalhar para a CIA", contou Samathida Kem por telefone. "Eles estavam simplesmente lançando nomes de americanos aleatórios."

O Fresh News publicou mais fotos da família, exibindo-a posando em jantares com amigos americanos e em um evento eleitoral em Taiwan. O site também postou um clipe de Kem Sokha fazendo um discurso em Melbourne, na Austrália, onde falava sobre seu desejo de mudança política. Todas as imagens já tinham sido publicadas nas mídias sociais, mas o Fresh News afirmou que elas eram mais uma prova do plano de Kem Sokha para derrubar o governo, não citando fontes ou outras evidências.

No dia 3 de setembro, cerca de uma semana após o Fresh News acusar pela primeira vez a família Kem de ter laços com a CIA, dezenas de policiais invadiram os portões da casa de Kem Sokha em Phnom Penh e o prenderam. Ele foi acusado de traição e pode ser condenado a até 30 anos de prisão.

Quando o Facebook chegou ao Camboja, muitos esperavam que isso ajudasse o país a alcançar um novo nível de liberdade de expressão, ampliando vozes além da narrativa da imprensa tradicional favorável ao governo. Porém, ocorreu o contrário.

O primeiro-ministro Hun Sen agora está usando a plataforma para promover sua imagem e reprimir seus críticos, e sua equipe está fazendo o possível para explorar as brechas das regras do próprio Facebook para calar as críticas — por meio de um relacionamento direto com a equipe da empresa.

O Facebook também tem reduzido drasticamente o alcance dos meios de comunicação independentes no Camboja depois que decidiu, no ano passado, isolar seu conteúdo como parte de um experimento controverso.

O Facebook se identifica como uma plataforma neutra para informações. No entanto, seu papel na propagação de notícias falsas, bem como sua relação com o governo cambojano, mostra a facilidade com que essa neutralidade pode ser explorada por autocratas.

Semanas após a prisão de Kem, o tribunal superior do Camboja dissolveu o principal partido de oposição no país a pedido do governo. A democracia no país tinha entrado em colapso, e o processo foi transmitido ao vivo para milhões no Facebook.

Lim Cheavutha, que tem 30 e poucos anos e fala com muita confiança, gaba-se da audiência do Fresh News com a paixão de um treinador de futebol obcecado por estatísticas. O site combina as manchetes rápidas de um noticiário on-line com uma tendência decididamente pró-governo, e Lim diz ser tão próximo do primeiro-ministro Hun Sen que eles às vezes conversam sobre matérias do site bem depois da meia-noite.

Ao responder a perguntas sobre o crescimento de seu site, ele apresenta números extraordinários que são impossíveis de checar — mais de 10 milhões de visualizações de página por mês e 1.400 downloads do aplicativo por dia (o Camboja tem cerca de 4,8 milhões de usuários no Facebook, de acordo com projeções de 2017).

Lim diz que criou o Fresh News a partir do zero com apenas US$ 10 mil. Seus críticos dizem que esta informação é falsa e que Hun Sen financia o site (um porta-voz do primeiro-ministro não respondeu a pedidos para comentar sobre o assunto). Lim insiste que seu site é independente — mas expressa orgulho em ter um relacionamento próximo com o primeiro-ministro e outras autoridades.

Segundo ele, membros da oposição nunca respondem suas mensagens para fornecer o "outro lado", embora eles neguem ter sido procurados por Lim.

Em um lugar como o Camboja, o site de Lim não poderia ser bem-sucedido sem o Facebook, onde quase todos consomem notícias. "O Facebook é uma necessidade absoluta para o meu site", disse ele.

Lim disse que suas matérias mais populares são sobre o cotidiano no país, como acidentes de trânsito e fofocas de celebridades. No entanto, quando se trata de política, ele observa rapidamente que só ele é ouvido pelo primeiro-ministro. "Eles confiam em mim, pois, se eles me derem tudo, eu publico tudo", disse Lim. "Se ele [o primeiro-ministro] deseja divulgar uma notícia, ele vem até mim... é por isso que eu tenho os furos jornalísticos". Apesar de alegar ser independente, Lim disse que não edita as declarações de Hun Sen e que ele mesmo corre para colocar matérias no ar, digitando-as em seu telefone a partir das mensagens que o primeiro-ministro enviou e que deseja ver publicadas.

É claro que Hun Sen, que passou 33 anos no poder, entende a importância do Facebook no seu país. Com mais de 9 milhões de seguidores, ele é o terceiro líder mundial mais presente no Facebook, só atrás de Donald Trump e do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, segundo estudo da empresa de relações públicas Burson-Marsteller.

O relatório chama a presença do premiê cambojano de "incomum" pela sua franqueza — em sua conta há várias selfies, além de fotos dele com sua família e trabalhando nos bastidores. Para os cambojanos, foi uma mudança da figura de homem forte e distante que ele apresentou durante anos.

Para Sebastian Strangio, autor do livro "Hun Sen's Cambodia", o premiê "está usando o Facebook para aparar as arestas e apresentar uma imagem pública mais familiar e benéfica".

A democracia no país desabou, e isso foi transmitido para milhões no Facebook.

No entanto, Hun Sen não foi sempre um usuário ávido no Facebook — na verdade, ele parecia ter pouco interesse na plataforma até depois das últimas eleições de 2013. Naquele ano, o Partido Nacional de Resgate do Camboja (CNRP) — sigla que Kem Sokha liderava — recebeu muito mais votos do que o esperado, em parte pelo apoio conseguido por meio do Facebook.

Após o partido de Hun Sen ganhar as eleições – em meio a alegações de irregularidades de votação e fraude –, dezenas de milhares de cambojanos foram às ruas protestar. Foi quando o primeiro-ministro aprendeu uma lição importante: que seria burrice ignorar a força do Facebook. "O Facebook é a parte mais importante do nosso trabalho e da nossa vida", disse Duong Dara, assessor de Hun Sen e chefe da sua equipe do Facebook, em uma rara entrevista. "A nova geração não tem mais tempo para assistir à televisão, nem ler jornais. Já o Feed de Notícias podemos ver rapidamente."

Duong, que está nos seus 40 e poucos anos, começou a usar o Facebook, disse ele, porque via que existiam publicações ali dizendo que o o Camboja era um país perigoso e porque queria voltar a falar de patriotismo. Mais tarde, ele criou uma fan page para Hun Sen, que ele já apoiava há muito tempo. Ele atraiu milhões de seguidores com sua voz franca. Após as eleições de 2013, o próprio Hun Sen viu a página, disse Duong, e entrou em contato.

Duong foi contratado e começou a criar uma equipe para gerenciar a presença de Hun Sen no Facebook. Ele se recusou a especificar o tamanho da equipe, mas disse que era composta de técnicos, bem como por pessoas que entendiam de política, gestão governamental e opinião pública.

Duong, que fala inglês com um sotaque americano perfeito, tem viajado por todo o país e pelo exterior ao lado de Hun Sen. Ele leva cinco celulares com ele para que possa monitorar diferentes contas do Facebook. Os telefones usam diferentes operadoras para que sempre haja uma garantia de sinal quando o primeiro-ministro precisar publicar — mesmo durante uma visita recente à China, onde o Facebook é bloqueado, e em partes menos desenvolvidas do interior.

A equipe de Duong monitora obsessivamente os comentários e curte as postagens do primeiro-ministro com o fervor de corretores no mercado de ações, tentando replicar sucessos e evitar falhas. Eles aprenderam que fotos que mostram o lado pessoal de Hun Sen — como selfies ou fotos casuais — vão muito melhor do que mensagens sobre política.

A equipe de Duong também monitora o Facebook buscando quais pessoas estão publicando comentários mais críticos a Hun Sen. "Não queremos que esse tipo de informação sobre o primeiro-ministro se espalhe", disse Duong. Primeiro, a equipe, ou o próprio primeiro-ministro, responde diretamente aos críticos, disse ele. No entanto, se o usuário do Facebook não parar, a equipe de Duong tenta bloquear a conta. "Se eles continuam postando mensagens sem sentido, informamos o Facebook", disse. "Eles têm sido muito prestativos. Eu tenho um bom contato com eles."

Quando usuários comuns do Facebook acham uma postagem censurável, eles clicam em um link na publicação para denunciá-la. Depois, um funcionário do Facebook julga se ela viola as regras da plataforma e se deve ser removida. Na prática, é um processo pouquíssimo sofisticado que não envolve comunicação direta ou chance de recurso, e as decisões tomadas pelo Facebook podem parecer misteriosas e arbitrárias.

No entanto, para o governo cambojano, esse processo foi simplificado pelo Facebook.

Duong disse que, a cada dois meses, sua equipe envia um e-mail para um funcionário com o qual eles trabalham no Facebook para solicitar que um conjunto de contas seja removido, seja pelo linguajar usado ou porque suas contas não parecem estar registradas em seus nomes verdadeiros, uma prática que as regras do Facebook proíbem. O Facebook sempre cumpre seus pedidos, disse ele.

Clare Wareing, porta-voz do Facebook, disse que a empresa remove "ameaças credíveis, discursos de ódio e perfis falsos quando somos informados sobre eles". O Facebook diz que só remove material que viola suas políticas. "Não removemos conteúdo fora de nossas políticas a pedido do governo no Camboja", disse ela, apontando para o relatório de transparência da empresa. A plataforma diz que qualquer governo pode enviar denúncias de conteúdo.

Duong sabe disso. Na verdade, quando sua equipe denuncia críticas, eles fazem o melhor para explorar as próprias regras do Facebook, procurando especificamente postagens críticas a Hun Sen que acham que o Facebook também achará censurável.

"Tenho muito cuidado com o que eu publico no Facebook agora." 

Em alguns casos, quando o Facebook não age, mas a equipe de Duong acha que críticas ou falsas notícias passaram do limite, eles denunciam os usuários diretamente para a polícia. Pelo menos 15 pessoas foram presas no Camboja por postagens do Facebook desde 2014 e muitas outras foram intimidadas em público e de forma privada.

Perguntei a Huy Vannak, subsecretário de Estado do Ministério do Interior, que tem sido um defensor dos controles sobre a expressão on-line, se esse processo negou ao cambojano o direito à liberdade de expressão. Ele foi franco em sua resposta. "As pessoas querem uma sala grande para elas mesmas falarem", disse. "Mas, se você deixar as coisas fluírem livremente, será uma anarquia. ... Você tem que entender que a liberdade tem limites. Você precisa de um Estado de direito."

O Ministério do Interior e o Ministério das Publicações e Telecomunicações do país também trabalham para monitorar o conteúdo do Facebook que eles se opõem, disse Huy Vannak. De cidades a vilas, oficiais do governo são treinados para usar o Facebook para se envolverem com os cidadãos e também para ficarem de olho no que eles publicam para garantir que não haja conteúdo que ameace a estabilidade social — como o governo a vê.

O governo tem um "mecanismo" para trabalhar com o Facebook nessa questão, disse ele, sem dar mais detalhes.

No entanto, para a oposição, é uma história diferente.

Em 2016, uma pesquisa da empresa de análise Socialbakers sugeriu que uma parte significativa das curtidas do Facebook de Hun Sen veio de locais como Filipinas e Índia, que não têm populações de língua khmer e são conhecidos por hospedarem "fazendas de cliques" onde usuários podem comprar curtidas. Lorya Noseda, consultora de marketing que trabalhou em nome da oposição para o seu tio, o ex-líder do partido Sam Rainsy, queria trazer o assunto para o Facebook. (O Facebook diz que não quer usuários que comprem curtidas e que removerá curtidas falsas e bloqueará contas que as comprem.)

Incerta de quem deveria entrar em contato na empresa, Sam Rainsy pediu a uma de suas filhas que contatasse um amigo no escritório do Facebook em Londres. O amigo as conectou a outras pessoas na plataforma que gerenciavam páginas públicas e trabalhavam na equipe de política.

No início, Noseda ficou otimista. No entanto, depois seus e-mails passaram a ser ignorados. "Eles demoravam três semanas para responder, não respondiam ou respondiam apenas uma besteira e fugiam do assunto, dizendo que isso não cabia a eles", disse ela. "Quando você tenta marcar uma ligação, eles dizem que você tem que falar com o chefe, mas esse chefe não responde", afirmou.

"Eu simplesmente não sabia o que fazer", disse.

Em uma troca de e-mails que ocorreu durante dois meses em 2016, e que foi apresentada ao BuzzFeed News, Sam Rainsy escreveu uma nota detalhada queixando-se sobre denúncias de que Hun Sen estava comprando seguidores. No começo, o funcionário do Facebook, que trabalha na política do produto, parecia feliz em falar ao telefone para explicar as regras e o ponto de vista da empresa. No entanto, depois que Noseda enviou uma cópia do e-mail para o advogado de Sam Rainsy, as mensagens simplesmente pararam (o Facebook contesta a informação, dizendo que fizeram uma ligação, mas Noseda diz que o representante da empresa não deu seguimento à sua denúncia).

Noseda ficou frustrada.

"O Facebook tem um dever moral em relação ao Camboja", disse ela. "Como a rádio, a televisão e tudo mais é controlado por Hun Sen, o Facebook tornou-se o único lugar onde as pessoas podem se expressar livremente."

Segundo ela, aqueles que se envolvem com política agora estão sendo cada vez mais cuidadosos com o que dizem no Facebook. A plataforma deixou de ser um lugar para a livre expressão quando o governo começou a prender as pessoas por suas postagens.

Kung Raiya, 26, começou a usar o Facebook seis anos atrás, porque tinha ouvido que esse era um meio de conhecer garotas. Nunca lhe ocorreu que poderia acabar na cadeia por uma postagem na plataforma.

Kung começou a se interessar pelo ativismo político quando ainda era estudante. Em sua conta no Facebook, ele começou a publicar fotos e vídeos de protestos e os abusos da polícia. A partir daí, milhares de pessoas começaram a segui-lo para saber o que estava acontecendo em tempo real. "Eu usava o Facebook como um serviço de transmissão de notícias, um serviço apenas para mim", disse ele.

"Toda ação que eu tomava, eu publicava sobre ela."

Não passou pela cabeça de Kung que ele poderia ter problemas por ser tão franco. Afinal, ele nunca tinha ouvido falar de alguém que tivesse sido preso por uma postagem no Facebook no Camboja. Isso mudou em agosto de 2015, quando Kung estava passando pelo seu Feed de Notícias e viu parte de um discurso feito por Hun Sen. O primeiro-ministro prometia direcionar as Forças Armadas do país contra aqueles que tentaram instigar uma "revolução colorida".

Kung nunca tinha ouvido o termo antes. Ele perguntou a um de seus professores o que isso significava. O professor também não sabia, mas disse que era uma forma de protesto, disse ele. Sem pensar muito sobre isso, Kung publicou no Facebook perguntando se alguém queria começar uma revolução colorida com ele no Camboja. "Eu era jovem", disse. "Eu não tive medo. Amigos até me disseram para excluir a publicação, e eu disse que não, por que eu faria isso? Não é ilegal."

Duas semanas depois, no caminho para a aula, Kung foi preso. Ele passaria 18 meses de prisão, condenado por incitamento ao crime..

 "Você tem entender que a liberdade tem limites. Você precisa de um Estado de direito."

O que aconteceu com Kung e muitos outros como ele nos últimos dois anos assustou os críticos do governo, que dizem que a situação está apenas piorando. O governo não tem a capacidade de bloquear páginas individuais no Facebook, mas as prisões tornaram todos mais silenciosos e cautelosos. "Tenho muito cuidado com o que eu publico no Facebook agora", disse Noan Sereiboth, 28, blogueiro que ajuda a dirigir um grupo de discussão política. "O espaço para falar sobre política está cada vez menor."

Ele ouviu falar de muitas pessoas que foram presas por criticar o primeiro-ministro, disse, e que só foram libertadas depois de se desculparem.

Uma forma que usuários de internet cambojanos contornam essa questão é usando contas anônimas no Facebook. Algumas das contas usam pseudônimos óbvios, muitas vezes incorporando palavras em inglês como "peace" (paz) e "love" (amor). Outros são mais difíceis de distinguir de nomes reais.

Nomes falsos violam os termos de serviço do Facebook, mas, na prática, a regra não é aplicada de forma consistente, em parte porque a empresa conta com pessoas que proativamente denunciam essas contas a ela.

Duong está ciente disso. Ele disse que sua equipe toma nota quando contas usando pseudônimos criticam o primeiro-ministro. É fácil, disse, conseguir que o Facebook exclua essas contas porque elas já violam os termos de serviço da empresa.

Samathida Kem, a filha do líder da oposição, disse que também notou muitos nomes falsos — em contas que enviavam a ela mensagens de ódio. Quando alguém passa do limite, ela clica no botão "denunciar" como qualquer outro usuário. Às vezes, o Facebook responde. "A questão é que, se você olhar para trás agora, nos tornamos menos livres como país", disse ela. "Há pessoas que são presas muito aleatoriamente — há tantas pessoas que criticam o governo que você não sabe atrás de quem eles virão depois."

Mês passado, o Facebook anunciou uma mudança radical em sua plataforma que priorizaria as publicações pessoais que amigos compartilham ou às quais eles reagem. Por outro lado, passarão a receber menos destaque o conteúdo produzido por páginas oficiais, como sites de notícias, marcas e organizações. Em uma entrevista ao "The New York Times", Mark Zuckerberg, fundador da empresa, disse que o objetivo é exibir mais conteúdo que represente "interações significativas", em oposição a "conteúdos passivos", como vídeos ou artigos de notícias (Zuckerberg também disse que a empresa trabalharia para combater notícias falsas, pesquisando os usuários sobre quais fontes eles confiam).

A decisão reflete um experimento que a empresa decidiu realizar no Camboja e em vários outros países em desenvolvimento em outubro do ano passado. Neste teste, a plataforma transferiu o conteúdo de empresas de mídia e outras organizações para uma nova aba, um tanto obscura, chamada "Explore Feed", tornando-o muito menos intuitivo de acessar.

"O objetivo do teste é entender se as pessoas preferem ter locais separados para conteúdo pessoal e público", escreveu Adam Mosseri, chefe do Feed de Notícias, em uma declaração na época (questionado sobre o experimento, um porta-voz do Facebook enviou um link para essa mesma declaração).

De acordo com uma pessoa com conhecimento direto da questão, os desenvolvedores do Facebook acreditavam que o movimento diminuiria o alcance orgânico das páginas afetadas entre 50% a 80%. Eles estavam certos. Páginas pró-governo, como o Fresh News de Lim Cheavutha, e também os meios de notícias independentes, como o Phnom Penh Post, viram seu tráfego entrar em colapso.

A decisão provocou um protesto no Camboja e em outros países, incluindo Bolívia, Sérvia, Guatemala e Sri Lanka. Phil Robertson, da organização Human Rights Watch, acusou o Facebook de usar países em desenvolvimento como "cobaias".

O teste ocorreu exatamente enquanto o governo de Hun Sen trabalhava para acabar com a mídia independente – do jornal "Cambodia Daily" a uma série de estações de rádio de notícias – tornando o papel do Facebook uma fonte ainda mais importante. Executivos de mídia disseram que essas mudanças no Feed de Notícias, na verdade, amplificaram as notícias falsas, dificultando a busca de informações de fontes de notícias independentes e confiáveis.

No entanto, o Facebook agora parece estar se afastando do seu papel como fonte de notícias em meio a perguntas persistentes sobre a forma como a plataforma lida com rumores e notícias falsas.

Os EUA e a União Europeia suspenderam a ajuda que dariam às eleições do Camboja neste ano depois que Hun Sen dissolveu a oposição, afirmando que não havia como o processo ser legítimo. Hun Sen tem dito que as eleições serão realizadas de qualquer maneira, dizendo que não se importa se os "estrangeiros" não reconhecem o processo como genuíno.

Mês passado, Sam Rainsy, ex-líder da oposição que evitou seu encarceramento com um autoexílio na França, anunciou o estabelecimento de um novo partido, embora Kem Sokha tenha se recusado a participar.

Ainda assim, ele e outros opositores do governo têm um longo e difícil caminho à frente. O domínio do Facebook sobre o mercado depende de usuários envolvidos que passem o máximo de tempo possível na plataforma — um objetivo que é mais fácil de se alcançar incentivando as pessoas a interagirem com amigos do que servindo como plataforma de notícias.

"É uma vergonha que não exista um esforço do Facebook para apoiar as pessoas que querem divulgar mensagens políticas e avançar, melhorar a situação atual", disse Noseda. "Eles não se importam — eles não fazem nenhum tipo de intervenção. Eles só querem que as pessoas paguem pela publicidade."

Colaborou Sokhean Ben.

Este post foi traduzido do inglês.

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