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É assim que a China usa um aplicativo para perseguir muçulmanos

Pela primeira vez o app usado para coletar uma quantidade enorme de informações pessoais pela polícia na China passou pelo processo de engenharia reversa.

Uma nova análise de um aplicativo usado por autoridades chinesas em Xinjiang, no extremo oeste do país, onde minorias de povos turcos muçulmanos estão sendo fortemente monitoradas e enviadas a centros de detenção em massa, sugere que o governo da China está coletando indiscriminadamente enormes volumes de informação das pessoas da região.

Junto com a empresa de segurança Cure53, com sede em Berlim, a ONG Human Rights Watch (HWR) realizou a engenharia reversa do aplicativo, que está associado com coleta de dados e um sistema de análise chamado de Plataforma Integrada de Operações Conjuntas (IJOP), e descobriu que o aplicativo permite à polícia e às autoridades em Xinjiang coletar e arquivar informações pessoais dos cidadãos, o que inclui identificar comportamentos considerados suspeitos, e marcá-los para futuras investigações.

"O IJOP é diferente de tudo o que existe", disse Maya Wang, a pesquisadora sênior da Human Rights Watch na China. "Ele é o coração do sistema de monitoramento de massas em Xinjiang."

Mais de um milhão de pessoas, incluindo uigures, cazaques e outros muçulmanos turcos, passaram por centros de detenção em massa em Xinjiang, onde pessoas são detidas sem nenhuma acusação, são obrigadas a cantar hinos patrióticos e têm que aprender chinês e as diretrizes do Partido Comunista da China, além de serem submetidos a uma grande variedade de abusos, desde privação de alimentos até serem obrigados a ficar em posições extremamente desconfortáveis e dolorosas, de acordo com o relato de testemunhas.

O IJOP monitora o padrão de viagens das pessoas, seu consumo de eletricidade e combustível, bem como suas atividades religiosas como pregação e doações a mesquitas, descobriu a Human Rights Watch. O IJOP também mostra à polícia apps considerados suspeitos que devem ser investigados, como aplicativos de mensagens muito usados fora da China, entre eles WhatsApp, Viber e Telegram.

Com base nesses e em outros critérios, o aplicativo emite listas de pessoas candidatas à detenção — indicando que há uma ligação direta entre o complexo sistema de monitoramento de Xinjiang e as detenções em massa de minorias muçulmanas.

Basicamente, o aplicativo fornece uma interface para as autoridades compartilharem informações sobre o comportamento e os relacionamentos dos cidadãos em muitos campos diferentes de suas vidas.

O aplicativo, que foi lançado na sua primeira versão em dezembro de 2016, já esteve disponível ao público, mas foi retirado das lojas de aplicativos no ano passado. A HWR baixou o aplicativo antes de ele ficar indisponível.

A análise feita pela HWR vem na esteira de um crescente escrutínio de governos estrangeiros, oficiais da ONU e organizações de direitos humanos ao tratamento que minorias étnicas têm recebido na China. Críticos dizem que o uso que Pequim tem feito de tecnologias de monitoramento extremamente avançadas, desde câmeras de reconhecimento facial à analise de grandes volumes de dados, transformou Xinjiang em uma prisão virtual ao ar livre.

O sistema sinaliza qualquer desvio do comportamento "normal" como "pequenas pistas", aponta o relatório, como uma pessoa sair da área onde mora sem obter permissão da polícia, ou usar o telefone com um chip não registrado em seu nome. Monitora até as entregas de encomendas, disse Wang.

A HRW descobriu que o aplicativo diz a polícia para investigar pessoas com ligações com outros países, ou que trocaram seu número de telefone. Exilados uigures relataram que realizar chamadas internacionais ou ter parentes em outros países, especialmente países de maioria muçulmana, leva as autoridade a aumentar o monitoramento, resultando em detenção e prisão. Em alguns casos, é requisitado que o oficial classifique as pessoas em um de 36 tipos de comportamentos "problemáticos" em um menu suspenso.

Não é claro como o IJOP trabalha com outros programas de monitoramento na China, em especial os usados fora de Xinjiang. Mas o sistema trabalha para combinar e analisar dados de muitas fontes diferentes.

"Essa é uma forma de policiamento que vem do exército", disse Wang. "Ele agrupa informações de várias fontes diferentes para manter as autoridades a par do que acontece e permite que elas mobilizem as forças da região para responder a algum incidente. É a migração da doutrina militar para o cenário civil."

Xinjaing tem sido palco de ataques de motivação étnica, incluindo tumultos com vítimas e ataques com facas e bombas direcionado a chineses da etnia Han, que, segundo o governo, foram executados por militantes separatistas uigures. O governo alega que as medidas tomadas na região são para combater o extremismo. Os críticos dizem que isso é uma forma de punição coletiva de milhões de pessoas baseada primariamente na etnia e religião.

A Human Rights Watch diz que o IJOP reúne informações de câmeras de segurança, analisadores de wi-fi e outras fontes. A análise do aplicativo mostrou que o sistema pode localizar as pessoas e alertar a polícia sobre indivíduos considerados problemáticos em tempo real.

O IJOP pode ser um fardo até para oficiais do governo, especialmente para os que pertencem a grupos étnicos minoritários, já que podem ser apontados como candidatos à prisão se forem considerados desleais.

"O IJOP está gerando um banco de dados gigantesco de informações pessoais e do movimento e comportamento da polícia em Xinjiang", disse o relatório. "Ainda não se sabe como as autoridade pretendem usar tais informações."

O aplicativo usa o sistema de reconhecimento facial desenvolvido pela Face++, uma das gigantes chinesas na área, para combinar os rostos das pessoas nos seus documentos de identidade, descobriu o relatório.


Este post foi traduzido do inglês.

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