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Por que ninguém está planejando grandes protestos LGBTQ na Copa do Mundo na Rússia

"Protestos não são muito eficazes na Rússia, especialmente durante a preparação para grandes eventos públicos. Eles seriam reprimidos de forma imediata e agressiva", disse Polina Andrianova, da organização St. Petersburg's Coming Out.

Ativistas do movimento LGBTQ da Rússia dizem não ter planos de usar a Copa do Mundo para atrair os holofotes para as políticas anti-LGBTQ do país.

Grandes protestos foram realizados por grupos LGBTQ durante as Olimpíadas de Inverno de Sochi, em 2014, mas os ativistas dizem que — tamanha vem sendo a repressão de Vladimir Putin em relação à dissidência política desde então — repeti-los não faria sentido e seria um desperdício de recursos.

Muitos acreditam que a energia despendida nos protestos das Olimpíadas surtiu pouco efeito — a chamada lei da propaganda gay ainda está em vigor, e os alardeados relatos de tortura e desaparecimento de pessoas LGBTQ na Chechênia ainda não foram investigados com seriedade.

"Protestos não são muito eficazes na Rússia, especialmente durante a preparação para grandes eventos públicos. Eles seriam reprimidos de forma imediata e agressiva", disse Polina Andrianova, da organização St. Petersburg's Coming Out.

A ativista já foi presa em 2014 após ter posado para uma foto segurando um cartaz dos direitos LGBTQ perto de um monumento de São Petersburgo antes dos Jogos de Sochi.

Desde então, o governo intensificou a aplicação de uma lei que exige que grupos que recebem financiamento estrangeiro se registrem como "agentes estrangeiros" para descreditar ONGs ou privá-las de recursos financeiros.

A Copa do Mundo se inicia apenas três meses depois de Putin ganhar um quarto mandato como presidente em uma eleição que viu o líder da oposição, Alexei Navalny, ser desclassificado da disputa: Navalny estará preso quando o torneio começar sob acusações de realizar um comício ilegal.

O governo também promulgou uma regra especial antes da Copa do Mundo exigindo autorização até para protestos que tenham apenas uma pessoa, algo que normalmente só é necessário para protestos envolvendo grupos maiores.

Adrianova disse que o amplo clamor internacional não gerou o apoio dos patrocinadores corporativos mais poderosos das Olimpíadas, o que poderia ter impulsionado exigências por reformas reais.

"Em 2014, fizemos lobby para que grandes empresas internacionais, as patrocinadoras dos jogos, fizessem algo para demonstrar seu apoio às pessoas LGBTQ da Rússia. Isso não aconteceu", disse Adrianova.

Minky Worden, da organização Human Rights Watch, que defendeu a causa junto ao Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2014 e à FIFA antes da Copa do Mundo, afirmou que a FIFA fez ainda menos que o COI para demonstrar apoio aos ativistas LGBTQ, dificultando o uso do torneio como palanque para pedir reformas.

"O COI estava aberto à expressão pública de apoio à comunidade LGBTQ", disse Worden, mencionando gestos como um encontro entre o presidente do COI e ativistas LGBTQ russos em novembro de 2013.

Os líderes da FIFA, por outro lado, nunca fizeram qualquer gesto público, afirmou, e a organização também não se comprometeu a "abordar a discriminação em todas as suas formas" para exigir a revogação da lei de propaganda gay da Rússia. Em vez de usar o torneio para exigir a responsabilização das autoridades da Chechênia pelos supostos assassinatos de pessoas LGBTQ, a FIFA parece estar recompensando a liderança local por permitir que o campo de treinamento do time egípcio seja em Grózni, a capital chechena.

"A FIFA não entendeu a lição das Olimpíadas de Sochi: é preciso levar [as questões dos direitos humanos] para o nível mais alto", afirmou Worden.

"Independentemente do que estiver fazendo para proteger a segurança dos torcedores [LGBTQ] atrás das câmeras, é importante dizer publicamente que o futebol não é um ambiente onde se tolera a discriminação. A FIFA não está fazendo isso, então a comunidade LGBTQ não procura apoio nela."

Um porta-voz da FIFA respondeu à crítica em um comunicado, dizendo: "A FIFA se aproximou e mantém contato constante com partes interessadas relevantes das áreas de diversidade e antidiscriminação".

O comunicado afirmou que a Federação condenou os ataques a LGBTQs na Chechênia, acrescentando que "a FIFA está totalmente comprometida com os direitos humanos (...) e não legitima qualquer regime".

Quando questionado sobre o que a Federação estava fazendo para promover os direitos LGBTQ, o porta-voz falou que "por uma questão de princípio, qualquer violação dos direitos humanos relacionados às atividades da FIFA são contra os valores da organização".

A União de Futebol da Rússia não respondeu a pedidos de comentário.

A maior parte da discussão pública antes da Copa do Mundo se concentrou na segurança dos torcedores LGBTQ durante o torneio, obscurecendo a situação enfrentada por russos LGBTQ, disse Alexandr Agapov, da Russian LGBT Sport Federation.

Em vez dos protestos de rua que foram organizados em torno das Olimpíadas, o grupo de Agapov está planejando o festival "Futebol para Todos" em cidades russas que, espera-se, irão contar com a presença de jogadores profissionais abertamente gays.

Agapov contou ao BuzzFeed News que está negociando a participação de Thomas Hitzlsperger. Ex-jogador da seleção alemã, Hitzlsperger competiu na Copa do Mundo de 2006 e foi o jogador mais conhecido a sair do armário depois de sua aposentadoria, em 2013.

Hitzlsperger não respondeu à mensagem do BuzzFeed News, mas o árbitro gay de futebol profissional inglês Ryan Atkin disse que participaria.

Agapov afirmou que já esteve em reuniões a portas fechadas com oficiais da FIFA e espera que a organização apoie o festival. O porta-voz da Federação disse que a FIFA está "prestes a assinar um contrato" para fornecer um "financiamento inicial" para o evento, embora não tenha dito de quanto seria a contribuição.

Agapov disse esperar que o apoio da FIFA crie uma pressão para que a União de Futebol da Rússia se envolva com seu grupo para que o festival possa acontecer anualmente. Mas afirmou: "Levou tempo demais até que eles decidissem se iam ou não apoiar os [problemas] LGBTQ na Rússia relacionados à Copa do Mundo, apoiar ou não nosso projeto".

Esse festival está em conformidade com a estratégia que Adrianova, da Coming Out, disse ter permitido o crescimento do movimento apesar das repressões contra os direitos LGBT. "O movimento cresceu muito: há muito mais ativismo civil e comunitário, muito mais aliados. Organizamos festivais e às vezes até manifestações", disse Adrianova. "É importante que a comunidade internacional não ache que nós não conseguimos fazer nada na Rússia."

Alguns dos maiores grupos internacionais que lançaram grandes campanhas para apoiar os direitos LGBTQ na Rússia em 2014 também não estão se organizando para a Copa do Mundo.

Ty Cobb, o diretor de trabalho internacional da Human Rights Campaign, disse que o HRC decidiu não realizar uma campanha sobretudo porque esperava atrair pouco interesse dos membros depois que os EUA não se classificaram para a competição. A filial europeia da Associação Internacional de Gays e Lésbicas também está se mantendo discreta em torno da Copa do Mundo, e o motivo, segundo a diretora Katrin Hugendubel, é que campanhas durante eventos de grande porte podem "aumentar a conscientização internacional, mas, infelizmente, não conseguem produzir as mudanças necessárias para assegurar um impacto sustentável".

Agapov disse estar apreensivo com a quantidade de torcedores LGBTQ que estavam planejando não ir aos Jogos. Ele está preocupado que a falta de visibilidade em torno das pessoas LGBTQ que vão às partidas jogue a favor da propaganda russa de que a mídia ocidental exagera ao dar importância aos direitos LGBTQ. "Isso bate muito bem com a mensagem do regime de que pessoas LGBTQ são uma criação do ocidente", afirmou.

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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