Enquanto a Amazônia queimava, a venda de armas aumentou na região

    A venda de armas de fogo na Amazônia aumentou sob a presidência de Jair Bolsonaro, revelou uma nova análise do BuzzFeed News.

    A venda de novas armas de fogo aumentou acentuadamente na Amazônia sob a presidência de Jair Bolsonaro, segundo números oficiais analisados pelo BuzzFeed News.

    Há tempos a Amazônia enfrenta altos índices de violência, o que é motivado em grande parte pelos conflitos de terra. A região também enfrenta o problema das queimadas, que geraram uma crise diplomática para o governo Bolsonaro.

    As análises do BuzzFeed News sugerem que houve um aumento no número de armas de fogo vendidas nos estados da Amazônia, em um ritmo mais acelerado do que no resto do Brasil sob a presidência de Bolsonaro, cuja família possui vínculos com a NRA (National Rifle Association) dos EUA.

    O relaxamento das rigorosas leis brasileiras sobre controle de armas de fogo tornou-se uma de suas principais prioridades desde que assumiu o governo em janeiro, repetindo o argumento da NRA de que as armas são a melhor defesa contra o crime para os cidadãos que respeitam as leis.

    Registros do governo mostram que, caso a tendência atual persista até o fim de 2019, haverá um aumento de 33% na comparação com 2018 em vendas de novas armas na Amazônia, enquanto que no resto do Brasil a proporção de novas armas vendidas permanece quase a mesma do ano passado. Em mais da metade dos estados amazônicos, mais armas foram vendidas nos primeiros oito meses de 2019 do que em todo o ano de 2018.

    Nos estados amazônicos, que abrigam 29 milhões de pessoas, 5.270 armas de fogo foram vendidas nos primeiros 8 meses de 2019, superando as 4.801 vendidas em todo o ano passado. No resto do Brasil, onde cerca de 180 milhões de pessoas vivem, 30.739 armas de fogo foram vendidas entre janeiro e agosto deste ano, menos do que as 42.890 vendidas em todo o ano de 2018.

    Esses registros foram obtidos originalmente por meio de uma solicitação feita com base na Lei de Acesso à Informação pelo Instituto Igarapé, um think tank brasileiro sobre segurança pública, e compartilhado posteriormente com o BuzzFeed News.

    Os dados não permitem uma análise abrangente sobre a circulação de todas as armas no Brasil, mas oferecem indícios importantes sobre o que mudou na posse de armas de fogo desde o início do governo Bolsonaro. Os registros obtidos pelo Instituto Igarapé cobrem apenas os oito primeiros meses do ano, e os próprios registros do governo às vezes apresentam dados contraditórios em virtude dos diferentes métodos de contabilização adotados pelas diversas agências governamentais e da diferença na qualidade dos dados públicos, afirmou Carolina Taboada, pesquisadora do instituto.

    Os dados também cobrem apenas as armas vendidas legalmente, inexistindo dados confiáveis sobre as armas de fogo ilegais em circulação no Brasil que explicam grande parte da violência no país. E trata apenas de armas vendidas para civis, excluindo militares e policiais – armas restritas da polícia também possuem um papel no desmatamento, já que policiais de folga geralmente trabalham na segurança privada, que costuma ser contratada por ruralistas.

    Desde que se tornou presidente, Bolsonaro editou oito decretos distintos para alterar as leis sobre armas sem que o Congresso tenha de legislar sobre o tema, apesar de que vários dos decretos estão tendo sua validade discutida. Uma das principais políticas de Bolsonaro aparenta ter sido especificamente criada para disseminar armas em locais como a Amazônia. Em agosto, Bolsonaro promulgou uma lei permitindo que os proprietários de armas de fogo carreguem suas armas pelas suas “propriedades rurais”, substituindo uma lei anterior que exigia que os proprietários mantivessem as armas exclusivamente dentro de casa. Há tempos essa é uma das prioridades de uma parte importante da sua base governamental: interesses agrários ocupando grandes extensões de terras em disputa. Além disso, Bolsonaro também emitiu um decreto neste ano aumentando o número de armas que um indivíduo pode ter para 30.

    A disseminação de armas de fogo na região Amazônica é um sinal perigoso para a floresta e para as comunidades que lá vivem, disse Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé.

    “O relaxamento da legislação sobre armas provavelmente empoderará os grupos criminosos que já atuam impunemente pela Amazônia”, afirmou Muggah, acrescentando que esses grupos estão progressivamente aumentando a prática de atividades que destroem a floresta – como extração de madeira e mineração –, visando um maior lucro.

    Mesmo nas administrações anteriores, que restringiam a posse de armas e adotavam o discurso de combate ao desmatamento ilegal, as disputas de terra na Amazônia já causavam muitas mortes. A Comissão Pastoral da Terra, uma ONG que monitora a violência na região, contabilizou pelo menos 300 pessoas mortas em disputas de terra na Amazônia na última década. Em um caso ocorrido em Mato Grosso, documentado pelo Observatório dos Direitos Humanos, nove pequenos produtores rurais foram assassinados em 2017 por um grupo armado que tentava tomar suas terras para praticar a extração ilegal de madeira.

    As análises do BuzzFeed News revelaram que o estado de Mato Grosso foi um dos que apresentou maior crescimento em vendas de armas de fogo sob o governo de Bolsonaro. Mais de 1.400 novas armas foram vendidas nos primeiros oito meses de 2019, mais do que o dobro do número de armas vendidas em todo o ano de 2018.

    Lúcio Andrade Hilário de Nascimento, ouvidor-geral da Polícia Militar de Mato Grosso, disse ao BuzzFeed News que as forças policiais já estão sobrecarregadas na região. Se mais armas entrarem, os madeireiros e os garimpeiros ilegais, além de outros indivíduos que também estão ocupando territórios dentro da floresta por meio da violência, poderiam sentir-se ainda mais encorajados.

    “Armar as pessoas estimulará, aumentará e intensificará os conflitos sociais na região Amazônica, incluindo o desflorestamento ilegal e a mineração criminosa”, afirmou Nascimento.

    A cidade de Colniza – próxima da comunidade onde os pequenos produtores rurais foram assassinados em 2017 – “parece algo saído de um filme de faroeste”, disse Nascimento, acrescentando que a disseminação de mais armas na região apenas pioraria a situação. “Haverá o domínio de uma ‘lógica de bangue-bangue’ – todo mundo defendendo seus próprios interesses, custe o que custar.”

    Quando grupos armados tomam novas terras, “é mais como um despejo sumário dos camponeses”, disse Jeane Bellini, coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra, que trabalha com pequenos produtores e trabalhadores sem-terra na Amazônia. “Há um clima de terror por causa da presença de pistoleiros quando acontecem essas tomadas de terra.”

    Bolsonaro também passou o primeiro ano de seu governo cortando a verba de agências que protegiam a Amazônia, além de ter enfraquecido os órgãos que deveriam supostamente defender as comunidades indígenas e os direitos humanos. Nesse contexto, ativistas de direitos humanos e ambientalistas ficaram temerosos de que a lei sobre armas promulgada em agosto pudesse ser um sinal verde para que os ruralistas formassem suas próprias forças armadas e tomassem mais terras na Amazônia.

    Gilberto Vieira dos Santos, vice-secretário do Conselho Indigenista Missionário, disse à ONG Repórter Brasil, em entrevista sobre a aprovação da lei em agosto, que a legislação era um presente para os invasores de terra, “que já usam armas fora de suas propriedades para atacar os índios que estão lutando pela terra”.

    O projeto de lei 3723/19, que torna menos rigorosas as regras para porte e posse de armas de fogo, deve ser analisado na semana que vem pela Câmara dos Deputados. O relator, o deputado Alexandre Leite (DEM-SP), afirmou esperar que o projeto remova a maioria das restrições sobre porte de armas no Brasil. Ele também quer diminuir a idade mínima para a compra de armas de fogo, de 25 para 21 anos, e facilitar o processo de legalização para os proprietários de armas ilegais.

    Muggah, do Instituto Igarapé, disse que o crescimento na venda de armas verificada neste ano pode ser apenas o início, caso a legislação brasileira sobre o tema seja ainda mais enfraquecida. Disse ainda que alguns pesquisadores estimam haver demanda suficiente no país para atingir um total de mais de 3 milhões de armas vendidas, gerando um lucro de US$ 3 bilhões para a indústria armamentista.

    “Há um bom motivo para o lobby das armas estar com água na boca. O Brasil registrou um crescimento drástico na aquisição de armas de fogo por civis nos últimos nove meses. Isso não é coincidência”, afirmou Muggah. “Bolsonaro está satisfazendo uma ambição de mais de duas décadas, desmantelando a regulamentação sobre o controle de armas no Brasil.”


    Este post foi traduzido do inglês.

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