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As mulheres gordas merecem coisa melhor do que esses péssimos interesses amorosos das séries

As poucas histórias que vemos sobre mulheres gordas ainda são limitadas a suas vidas amorosas — que ainda costumam ser deprimentes e medíocres.

Aos 16 anos, a principal conquista da minha vida foi um namorado. E isso não porque eu estivesse super apaixonada. Quer dizer, ele era um querido, com um cabelão preto liso lindo. Mas eu queria a ideia de um namorado muito mais do que queria um parceiro em carne e osso.

E isso tudo porque eu era gorda. Eu ainda sou, mas ser uma adolescente gorda na década de 2000 foi uma experiência particularmente ruim. O que quer que existisse sobre o movimento pela aceitação de obesos na época ainda não tinha chegado ao meu mundinho. Eu ainda não tinha um feed no Instagram cheio de fatshionistas ou a possibilidade de ver a Lizzo usar um biquíni gloriosamente minúsculo. Eu nem sabia o que era um maldito Rubens. Eu só sabia o básico que todos aprendemos sobre obesidade: que é ruim e indesejável. Portanto, eu era ruim e indesejável.

Então, quando eu arranjei um namorado, muito antes das minhas amigas mais magras arranjarem namorados, eu não estava apenas passando por um rito de passagem adolescente. Querida, eu tinha ascendido. Eu não era mais a amiga gorda triste e solitária. Eu era a amiga com um namorado. Eu havia superado as probabilidades das meninas gordas e garantido o carinho de UM GAROTO DA VIDA REAL. E a cultura pop tinha me ensinado que um namorado era a única maneira de provar minha autoestima.

A cultura pop tinha me ensinado que um namorado era a única maneira de provar minha autoestima.

Se havia uma garota gorda na TV que eu me lembre mais vividamente da época, era a Terri (Christina Schmidt) de Degrassi: A Próxima Geração. A maioria de suas histórias gira em torno de ser rejeitada pelos garotos que ela gosta e a luta com sua autoestima. A série finalmente é complacente com a pobre Terri quando ela se torna uma modelo plus size, o que lhe dá um pouco de confiança, mas, no final, a garota gorda não pode vencer. Quando Terri consegue seu primeiro namorado, ele acaba a jogando contra uma placa de concreto, deixando-a em coma com danos cerebrais, antes de cometer um ataque armado na escola. Depois disso, sua personagem meio que desaparece.

Suponho que a série estava tentando ensinar aos adolescentes uma lição sobre os sinais de alerta de abuso. Mas por que a garota gorda tinha que ser a vítima? Tudo que meu cérebro adolescente absorveu da trama de Terri foi que uma garota gorda não deveria esperar muita coisa. Qualquer confiança que ela possa demonstrar deve ser sancionada pelo olhar de um garoto, e esse garoto será uma decepção na melhor das hipóteses — ou um abusador na pior das hipóteses. Isso é tudo o que podemos esperar? Isso é tudo o que merecemos?

Felizmente, meu namorado adolescente era gentil, e tê-lo ao meu lado fez eu me sentir como uma das que deram sorte. Não importa que eu fosse uma jovem lésbica não assumida ou que eu basicamente me afastasse toda vez que ele me tocava. Ele ainda era um garoto que gostava de mim — gostava de mim o suficiente para até me tocar. Eu senti como se tivesse vencido.

A representação dos gordos ao longo dos anos realmente não melhorou muito, e é por isso que fiquei tão animada com a adaptação de Shrill pelo Hulu quando a primeira temporada estreou no ano passado. Eu tinha devorado as memórias de Lindy West quando foram publicadas em 2016, emocionada ao ler as palavras de uma mulher que, como eu, sabe o que significa navegar pelo mundo em um corpo gordo (não consegui me identificar com certos aspectos da narrativa dela, mas isso é de se esperar com histórias pessoais).

A série, que retornou para a segunda temporada no mês passado, geralmente faz um trabalho louvável, adaptando a história de West à de sua protagonista, Annie, interpretada pela encantadora Aidy Bryant. Mas ainda há um grande elemento da série com o qual não consigo concordar, e ele é um bebê no corpo de um homem chamado Ryan.

Fomos apresentados pela primeira vez a Ryan (Luka Jones) como o cara com quem Annie está ficando, mesmo que ele a esconda de seus roommates e a faça sair pela porta dos fundos — presumivelmente porque ele tem vergonha do tamanho dela. E não é como se o próprio Ryan fosse um bom partido. Ele é relativamente desleixado, tem a maturidade emocional de um pré-adolescente e luta para manter um emprego. Enquanto isso, vemos Annie como uma bola de fogo crescente de tenacidade e confiança, trabalhando em um jornal alternativo, perseguindo seus sonhos e conseguindo se expressar.

Enquanto Annie floresce, Ryan mal sai do lugar. No final da 1ª temporada, ele para de forçar Annie a usar a porta dos fundos e oficializa o relacionamento deles, o que acho que deveríamos ver como uma espécie de grande vitória. Eu esperava que, quando víssemos Annie de novo, ela já tivesse dado um chute na bunda medíocre dele, mas ele ainda está vagando perdido pela 2ª temporada em muitas cenas que não levam a nada — um lembrete de quem Annie era, não da incrível mulher que ela está se tornando.

Por mais que Shrill acerte (o guarda-roupa! a festa na piscina!), a série ainda fica atolada em algumas hipóteses heterossexuais muito decepcionantes. Embora as mulheres gordas tenham recebido lentamente histórias mais complexas e interessantes na tela, essas histórias ainda frequentemente se limitam às suas vidas amorosas — que ainda são deprimentes e medíocres.


Depois de Terri, houve uma série de personagens gordas na televisão e nos filmes com quem eu tanto queria me identificar e admirar, para no fim vê-las limitadas pelas mesmas tramas desleixadas. Havia a Hannah, de Lena Dunham, em Girls, uma personagem que é irritante de várias maneiras (e, francamente, não é gorda, apesar da frequência com que Dunham era tanto elogiada quanto humilhada por tirar a roupa na frente da câmera). Hannah continuava perseguindo Adam, apesar de ele não ser esquisito de uma forma charmosamente peculiar — ele era esquisito de uma forma esquisita (e, sem dúvida, abusivo).

As histórias dessas garotas sempre devem terminar com um homem? E, se devem, os homens poderiam ao menos ser um pouco mais atraentes?

Mais recentemente, em outra série da HBO, Kat, de Euphoria, ganhou elogios em todos os meus feeds de mídias sociais por encontrar sua confiança como uma garota (novamente, não muito) gorda — confiança que ela encontra transando com fracassados durante a maior parte da temporada e recebendo dinheiro de homens online. Isso não quer dizer que eu não apoie de todo o coração essas duas atividades, mas mais uma vez fico me perguntando por que uma personagem gorda precisa passar pela fase do cara de merda para provar a si mesma e ao público que ela conquistou sua confiança.

Ano passado, em A Maratona de Brittany, de Paul Downs Colaizzo, nossa protagonista segue no que é vendido a nós como uma jornada de autoaperfeiçoamento — que é realmente apenas uma jornada de perda de peso —, e seu prêmio no final é um cara contratado para passar todas as noites na casa dos seus empregadores cuidando de seu cachorro, e que parece não ter ambição própria. Às vezes, as heroínas gordas modernas conseguem garantir o afeto de homens que não são totais fracassados — como Willowdean, de Dumplin', ou Natalie, de Megarrromântico —, mas essas histórias ainda vendem namorados como a principal e única recompensa da garota gorda.

Olha, eu estou realmente feliz por começarmos a ver séries e filmes estrelando garotas gordas que não giram completamente em torno da perda de peso e da tristeza (embora, infelizmente, ainda tenhamos isso também) —, mas não podemos melhorar as coisas apenas um pouco mais? As histórias dessas garotas sempre devem terminar com um homem? E, se devem, os homens poderiam ao menos ser um pouco mais atraentes?

A melhor série do ano passado nos mostra como isso é feito. Work in Progress é uma série semiautobiográfica da Showtime sobre Abby McEnany, uma lésbica gorda e de meia-idade com grande ansiedade, depressão e TOC. No primeiro episódio, Abby decide que, quando terminar um número específico de amêndoas, ela se matará. Mas, quando ela está prestes a desistir completamente de sua vida, ela conhece um cara trans de 23 anos chamado Chris (Theo Germaine), que é definitivamente um sonho. Embora Chris tenha um pouco de garoto dos sonhos atraente e adorável, seu personagem não existe simplesmente para fazer a Abby se sentir melhor sobre seu peso. Desde o início, ele é adoravelmente preocupado com Abby, apreciando o que ela percebe como defeitos, e alegre em como ele a incentiva para novas experiências. E, claro, Abby vai a reuniões do tipo Vigilantes do Peso, mas querem que nós as vejamos como ridículas, como piadas, como outro exemplo de como ela está perdida. O público sabe, mesmo que ela ainda não, que seu corpo não é o que precisa ser reparado.

Deve-se reconhecer que a própria série Shrill envolve alguma representação de gorda verdadeiramente inovadora. A melhor parte da série não é de jeito nenhum a Annie, mas sua colega de quarto, Fran (Lolly Adefope). Fran é negra, gay e gorda, e nunca está triste com isso. Ela pega uma gostosa na 1ª temporada, e seus problemas românticos, embora abundantes, giram em torno de questões que não têm nada a ver com seu peso. A cena mais comovente para mim na segunda temporada da série é a Fran cantando "Shallow" no karaokê, tendo um momento de total catarse, com nenhuma parceira romântica à vista, trazendo à tona meus sentimentos mais profundos. Fran é a prova de que uma mulher gorda pode ter um arco de história sem um cara esperando para validar sua crescente confiança.

Eu adoro a Fran e adoro a Abby porque, sim, elas são homossexuais como eu, mas também porque estão mudando as narrativas sobre serem gordas na tela. Por que uma mulher como a Fran sempre é a companheira, nunca a estrela? Por que toda protagonista gorda deve ser fundamentada na falta de autoconfiança?

Talvez se eu, quando adolescente, tivesse visto uma Fran ou uma Abby, não teria visto os meninos como recompensa ou como prova de que sou uma pessoa digna de confiança e amor. Talvez eu pudesse ter me poupado alguns anos sem me assumir, buscando a validação dos homens — porque que outro tipo uma garota gorda poderia esperar? Mais representação homossexual na época teria me ajudado, mas também teria sido benéfico ver garotas gordas de qualquer orientação sexual em histórias que não girassem exclusivamente em torno de um romance heterossexual. Só posso imaginar que garotas gordas que gostam de homens também querem algo melhor.

No final da segunda temporada de Shrill, Annie finalmente deixa Ryan em uma bela cena completa com fogos de artifício literais. Ainda estou torcendo por Annie e ainda estou feliz por Shrill existir. Só espero que na 3ª temporada Annie faça como Fran e encontre a validação que precise, seja ela qual for. ●

Este post foi traduzido do inglês.

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