A Netflix voltou a falar de suicídio adolescente em “The Politician”, com críticas de especialistas em saúde mental

    AVISO DE GATILHO: SUICÍDIO. A plataforma de streaming foi acusada de glamorizar o tema em "13 Reasons Why" e tentou tomar mais cuidados em "The Politician". Mas especialistas ainda veem problemas.

    Dois anos e meio depois que a Netflix provocou uma polêmica global com sua representação de suicídio adolescente em 13 Reasons Why, especialistas em saúde mental dizem que o serviço de streaming fez progressos com The Politician, mas a retratação constante de estudantes do ensino médio se matando — não importa quais precauções sejam tomadas — é perigosa por si só.

    "Acho que a série é um exemplo de alguém tentando descobrir como contar esta história de uma maneira não tão problemática quanto muitas outras representações têm sido", disse Chris Bright, diretor de treinamento público da Trevor Project, organização de prevenção ao suicídio LGBTI+.

    "Mas acho que um dos principais problemas que estamos enfrentando com muito conteúdo hoje é que, de forma mais ou menos explícita, as representações de suicídio simplesmente não são particularmente seguras."

    Quase na metade do primeiro episódio da série satírica de Ryan Murphy, o estudante do ensino médio River Barkley (David Corenswet) de repente se mata. A morte dele dá o tom para o resto da temporada, moldando as eleições acirradas da escola e as decisões de vida tomadas pelo principal protagonista da série, o hipercompetitivo Payton Hobart (Ben Platt).

    A temática suicida é clara no episódio, desde os primeiros cinco minutos, quando River fica sozinho à mesa da sala de jantar segurando uma arma, às cenas nas quais ele contempla diferentes métodos de se matar, até quando, como candidato a presidente de classe, ele fala sobre seus pensamentos suicidas em um auditório cheio de colegas.

    Um aviso antes do episódio declara: "The Politician é uma comédia sobre determinação, ambição e conseguir o que você quer a todo custo. Mas, para aqueles que lutam com sua saúde mental, alguns elementos podem ser perturbadores. Recomenda-se cautela do espectador."

    Vinte e cinco minutos depois, há o tiro e, em seguida, uma cena mostra Payton, parado em frente a River, coberto de sangue. O ato em si não é mostrado, ao contrário da primeira temporada de 13 Reasons Why, que retratou o suicídio explícito da estudante Hannah Baker (Katherine Langford). Ainda assim, especialistas em saúde mental disseram que a versão de The Politician era problemática.

    "Talvez eles achassem que essa fosse uma abordagem branda o suficiente, mas ainda assim é horrível", disse Bright. "Ainda havia sangue respingado no personagem de Ben Platt, e eu diria que, para todos os efeitos, isso ainda conta como mostrar ou representar um suicídio, mesmo que a câmera não mostre."

    Mas Paul Gionfriddo, presidente e diretor executivo da Mental Health America, que orientou a Netflix em The Politician, disse que acha que a representação do suicídio de River é uma melhoria em relação a 13 Reasons Why e "provavelmente não é perigosa". Se isso é problemático, acrescentou, "está nos olhos de quem vê".

    "Acho que é importante, obviamente, que as pessoas da indústria do entretenimento tenham sensibilidade com o fato de que pessoas de todos os tipos terão perspectivas de todos os tipos ao olhar para um material como esse", disse Gionfriddo ao BuzzFeed News. "Mas eu diria que é difícil agradar e satisfazer 100% das pessoas 100% do tempo. O suicídio é um assunto muito sério e merece atenção séria, mesmo quando incluído em um ambiente satírico, mas acho que o importante realmente é colocar o aviso."

    Victor Schwartz, diretor médico da Jed Foundation, uma organização sem fins lucrativos focada na prevenção de suicídios para jovens, não acha que The Politician glamoriza o suicídio, mas se preocupa com o fato de haver um problema de "norma social" nas histórias sobre suicídio na cultura pop.

    A Fundação Americana para Prevenção ao Suicídio relata que o suicídio é a 10ª principal causa de morte nos Estados Unidos, com mais de 47 mil suicídios em 2017, e um número estimado de 1,4 milhão de tentativas. Um relatório de 2019 da Trevor Project também constatou que 39% dos jovens LGBTI+ consideraram seriamente a tentativa de suicídio nos últimos 12 meses.

    O problema de retratar um suicídio explícito na tela é o medo de contágio, o que significa que os espectadores expostos a representações de suicídio podem imitar o que veem na mídia. Especialistas dizem que essa é uma preocupação particular quando se trata de conteúdo voltado para jovens.

    Antes de transmitir a terceira temporada de 13 Reasons Why, a Netflix anunciou que estava removendo a cena da 1ª temporada que mostrava o suicídio de Hannah. A decisão foi elogiada por espectadores, fãs e organizações de saúde mental, mas isso aconteceu apenas após críticas pesadas, inclusive de pais que disseram que o programa influenciou seus filhos a se matarem.

    "Claramente, a Netflix se tornou mais consciente e sensível com essas questões, que por si só é uma coisa boa, mas é realmente difícil retratar isso de uma maneira não problemática", disse Schwartz.

    Um porta-voz da Netflix disse ao BuzzFeed News que os produtores da série se reuniram com a Fundação Americana para Prevenção do Suicídio (AFSP) enquanto criavam a série para "obter seus conselhos sobre como contar a história de River da maneira mais responsável".

    A Netflix também adicionou o aviso sob o conselho da AFSP e da Mental Health America, acrescentou o porta-voz.

    "Acho que The Politician é interessante, e definitivamente levanta muitas questões sobre se há uma maneira de falar sobre a morte de alguém por suicídio e sobre a saúde mental de alguém sem glamorizar isso e fazer parecer que essa pessoa pode levar outras a fazerem o mesmo ou impactar as pessoas após sua morte", disse Bright.

    Durante o resto da temporada, Payton tem seus próprios problemas de saúde mental e nunca aborda adequadamente o trauma de testemunhar o suicídio de River. River também continua fazendo aparições na série, aparecendo para Payton como uma alucinação após sua morte.

    Gionfriddo disse que entende por que algumas pessoas podem ter um problema com o personagem de River reaparecendo ao longo da temporada, mesmo após sua morte, porque isso pode "sugerir que o suicídio não seja permanente". Mas, em última análise, a Mental Health America defende a retratação da Netflix, porque "não há nada que realmente a glamorize ou sensacionalize isso".

    "Estamos bastante tranquilos de que essa não é uma série que deva ser considerada o tipo de série radical extrema com a qual você precisa se preocupar em termos de desencadeamento de suicídio", disse Gionfriddo.

    Segundo Schwartz e Bright, a maneira ideal de abordar o suicídio na televisão envolve uma mensagem e resultado geral positivos para um personagem que tem problemas de saúde mental.

    "Eu adoraria que uma série como The Politician mostrasse alguém que estava enfrentando um problema de saúde mental, talvez pensando em suicídio, que talvez até tenha desenvolvido o plano de como se mataria, mas depois tivesse ajuda e apoio, e mostrasse como é a vida dessa pessoa ao receber apoio", afirmou Bright. "As pessoas às vezes pensam em suicídio, sim, mas podemos mostrar que existem opções para procurarem ajuda e talvez irem para um lugar em que se sintam muito melhor."

    Schwartz concordou, dizendo que os arcos da história que mostram um personagem passando por essa trajetória ajudam os espectadores que têm pensamentos suicidas.

    "Ver o fato de que as pessoas podem passar por dificuldades — elas podem passar por momentos muito difíceis, mas se conseguirem apoio e ajuda para superar isso, poderão ficar bem e continuar cuidando de suas vidas", disse Schwartz. "E isso é positivo."

    Como pedir ajuda

    De acordo com o CVV (Centro de Valorização da Vida), o suicídio mata um brasileiro a cada 45 minutos — e poderia ser evitado em 9 de cada 10 casos.

    A entidade presta serviço voluntário e gratuito de amparo emocional com discrição. Os telefones são 188 ou 141, de acordo com a região do país. Mais informações: www.cvv.org.br.

    Este post foi traduzido do inglês.

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