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O corte da cena do suicídio em 13 Reasons Why veio "tarde demais" para esta mãe cuja filha se matou

"Isso destruiu minha família, e ainda estamos recompondo nossas vidas."

Depois de assistir aos dois primeiros episódios de 13 Reasons Why, da Netflix, com sua filha quando a série estreou em 2017, Joyce Deithorn implorou à garota de 19 anos que parasse de assistir. Joyce acreditava que a série poderia ser prejudicial para a filha, que estava sendo tratada por transtorno bipolar e outros problemas relacionados à saúde mental.

Mas Joyce não podia fazer muita coisa. Sua filha, Emily Bragg, estava viciada no drama adolescente sobre suicídio e queria continuar assistindo, mesmo contra a vontade da mãe.

Algumas semanas depois, em 24 de junho de 2017, Emily se matou — da mesma maneira que Hannah, a personagem central da série.

“Eu ainda tenho transtorno de estresse pós-traumático porque fui eu que a encontrei”, disse Joyce, chorando, ao BuzzFeed News.

“Eu realmente acredito que essa série a última coisa que acabou levando minha filha ao limite emocional.”

As causas por trás de um suicídio podem ser complexas, e os especialistas alertam contra a tentativa de encontrar uma motivação única para alguém tirar a própria vida. Mas os profissionais de saúde mental também têm alertado os espectadores com doenças mentais a não se envolverem com a série, a qual alguns deles criticaram como tendo glamourizado o suicídio.

Na terça-feira, a Netflix e os criadores de 13 Reasons Why aparentemente reconheceram que algumas dessas críticas eram válidas, quando anunciaram a decisão repentina de remover uma cena explícita de suicídio que aparecia na primeira temporada, a conselho de especialistas em saúde mental.

Para Joyce Deithorn, no entanto, a decisão foi "tarde demais".

"Eu acho que isso é eles se responsabilizando e reconhecendo que fizeram a coisa errada", disse ela. "Eu meio que pensei: 'Quanto eles deveriam se responsabilizar pelas outras pessoas que tiraram suas vidas?'"

13 Reasons Why centra-se em torno da adolescente Hannah Baker (Katherine Langford), que se mata e deixa para trás uma série de fitas cassete para os colegas. Inicialmente, o último episódio da 1ª Temporada retratava o suicídio de Hannah, uma decisão que os produtores defendiam de forma ferrenha, mas que estava recebendo muitas críticas.

A produtora Joy Gorman respondeu a essas críticas depois da estreia de 13 Reasons Why, dizendo ao BuzzFeed News em 2017: "Eu acho que os jovens precisam saber que muito do que elas passam é universal."

E o escritor de 13 Reasons Why, Nic Sheff, escreveu em um artigo de opinião para a Vanity Fair em 2017 que sua própria experiência com saúde mental e uma tentativa de suicídio moldaram seu desejo de incluir a cena na série.

"Para mim, parecia a oportunidade perfeita para mostrar como realmente é um verdadeiro suicídio — para dissipar o mito do silêncio e fazer os espectadores encararem a realidade do que acontece quando você pula de um prédio em chamas para algo muito, muito pior", ele escreveu.

Mas a decisão incomum da Netflix de agora remover uma cena de uma série que já estava no ar desde março de 2017 vem anos depois de especialistas em saúde mental aconselharem a não retratá-la, para início de conversa.

Victor Schwartz, diretor da Jed Foundation, disse ao BuzzFeed News em 2017 que a equipe de 13 Reasons Why entrou em contato alguns dias antes da série estrear e pediu à organização sem fins lucrativos — que foca na saúde mental e na prevenção do suicídio — que a avaliasse. “Quando eles falaram conosco, a produção estava completamente pronta e não havia nada que pudesse ser feito, efetivamente”, disse Schwartz na época.

As diretrizes gerais de saúde mental da Associação de Psiquiatria Americana (APA) também dizem que “a retratação realista das doenças mentais na televisão e nos filmes pode ser uma maneira eficaz de reduzir o estigma em torno das questões psiquiátricas”. No entanto, a APA adverte que "isso pode ser problemático se essas retratações não mostrarem opções de tratamento".

A psicóloga clínica licenciada Helen H. Hsu também foi consultada sobre 13 Reasons Why e leu os primeiros roteiros antes de irem ao ar. Mas, ao contrário de outros colegas, Helen não se importou com a inclusão da cena pela Netflix.

"Existe um risco muito real de contágio para pessoas muito vulneráveis", disse Helen ao BuzzFeed News em 2017. “Mas também existe uma comunidade e uma população gigantescas, muito maiores, que realmente precisam ouvir e contar histórias sobre suicídio. Eu tenho visto isso salvar a vida das pessoas, ao saberem que elas não estão sozinhas como uma pessoa que sofre.”

Agora que 13 Reasons Why está entrando em sua terceira temporada, a cena de três minutos da 1ª temporada foi substituída na plataforma de streaming por uma versão mais curta e editada, que mostra os pais de Hannah encontrando seu corpo e lamentando sua morte.

Essa é uma mudança importante, pois concentra a atenção e as emoções dos espectadores em como as ações de Hannah afetaram os outros, disse Christine Moutier, diretora médica da Fundação Americana para Prevenção do Suicídio. Uma personagem “vivendo uma crise suicida é obviamente a coisa mais positiva [de ver na ficção], mas, depois de um suicídio, mostrar a experiência da perda como o tipo trágico e complexo de luto que é, é realmente uma coisa boa”, disse ela.

Moutier disse que colaborou de perto com o produtor Brian Yorkey para retrabalhar a cena depois de anos de discussões contínuas e "ouvindo o feedback dos telespectadores e as preocupações dos especialistas".

"Tem sido consenso no campo da prevenção do suicídio, e depois no campo de pesquisa em torno do suicídio e prevenção dele, que a representação visual do suicídio, seja na ficção ou no noticiário, deve ser evitada", disse Moutier.

"Dessa forma, é pessoalmente gratificante para mim ver essa decisão que eles tomaram."

Embora vários estudos psicológicos relacionados a 13 Reasons Why e seu impacto nos telespectadores tenham sido publicados nos últimos anos, Moutier disse que eles produziram resultados conflitantes e não eram necessariamente indicativos diretos da influência da série sobre jovens espectadores. Ainda assim, eles foram determinantes na decisão da Netflix de fazer essa alteração.

"Claro, eu tenho assistido a todos eles com bastante atenção, assim como a Netflix, e eu acho que eles, para sua credibilidade, estavam meio que no processo de realmente ouvir todo esse feedback e querer fazer a coisa certa pelas mensagens da série, o que deve ser positivo", disse Moutier.

Desde o anúncio da Netflix no Twitter na manhã de terça-feira, psicólogos e especialistas em saúde mental que já criticaram a série — incluindo Moutier, Schwartz e Dan Reidenberg, diretor executivo da SAVE, uma organização sem fins lucrativos de prevenção ao suicídio — falaram em apoio à plataforma de streaming.

Mas Joyce Deithorn não está entre aqueles elogiando a Netflix, já que ela ainda a culpa depois da morte de sua filha.

"Isso destruiu minha família, e ainda estamos recompondo nossas vidas", disse ela. "Mesmo sabendo que eles tinham médicos que estavam cientes e disseram para eles não mostrarem isso antes da estreia, por que eles seguiram adiante com isso?"

Em uma breve declaração ao BuzzFeed News para esta reportagem, um porta-voz da Netflix ofereceu condolências a Joyce. "Nossos sentimentos para esta família", disse o porta-voz. “Temos estado atentos ao debate contínuo em torno da série, o que inclui as opiniões de espectadores, especialistas e pais.”

Joyce não assistiu a mais nenhum episódio de 13 Reasons Why após a morte de sua filha Emily. A dor é muito recente e a série está muito próxima agora de sua própria experiência vivida.

"Meu coração ainda dói pelo que perdi", disse ela. "Eles nunca saberão a magnitude do que fizeram comigo e com a minha família."

Como pedir ajuda

De acordo com o CVV (Centro de Valorização da Vida), o suicídio mata um brasileiro a cada 45 minutos — e poderia ser evitado em 9 de cada 10 casos.

A entidade presta serviço voluntário e gratuito de amparo emocional com discrição. Os telefones são 188 ou 141, de acordo com a região do país. Mais informações: www.cvv.org.br.

Este post foi traduzido do inglês.

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