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Como "O Homem Invisível" mostra o horror de não acreditar em mulheres na era do #MeToo

"Eu senti o filme indo na direção do gaslighting, do abuso doméstico e das mulheres desacreditadas ou que sentem que há uma ameaça invisível", disse o escritor e diretor Leigh Whannell. (Spoilers a seguir!)

O diretor e roteirista Leigh Whannell não pretendia fazer um filme sobre os perigos de homens praticando gaslighting com mulheres e o verdadeiro horror de as pessoas não acreditarem nas vítimas quando elas falam sobre o próprio abuso.

Mas, quando Whannell começou a trabalhar no roteiro para a mais recente adaptação de "O Homem Invisível", um remake do romance de ficção científica clássico de H.G. Wells que já foi adaptado para a televisão e para o cinema inúmeras vezes, estes temas oportunos surgiram de forma natural e, por fim, acabaram moldando todo o roteiro do filme, que é estrelado por Elisabeth Moss, interpretando Cecilia, e Oliver Jackson-Cohen, que faz seu marido, Adrian Griffin (também conhecido como o próprio Homem Invisível).

"Eu não entrei nesse filme pensando: 'Como posso usar este personagem icônico para contar uma história sobre gaslighting?'", Whannell disse ao BuzzFeed News. "Foi durante o processo de escrita do primeiro rascunho que eu senti que o filme estava caminhando na direção do gaslighting, do abuso doméstico e das mulheres desacreditadas ou que sentem que há uma ameaça invisível. Senti que isso se encaixava de forma natural no personagem dele."

Numa época em que movimentos como o #MeToo levaram homens abusivos e tóxicos a serem responsabilizados mais do que nunca, a versão de 2020 de "O Homem Invisível" tem todo um novo significado — e induz um nível bem diferente de medo — para os espectadores.

O público é apresentado a Cecilia no momento em que ela está fugindo do marido, Adrian, e do lar frio e isolado do casal. Ela consegue se esconder na casa de uma amiga e é avisada de que Adrian se matou. Mas, após incontáveis ocasiões em que uma figura invisível tortura a ela e todos à sua volta, Cecilia acredita estar sendo assombrada pelo marido morto.

"Eu não queria ser aquela pessoa que força um problema social em um filme sem uma justificativa", disse Whannell. "Senti que era orgânico e que conversava com a metáfora do Homem Invisível. Ele é um vilão notável por sua ausência, e o superpoder desse vilão icônico é a habilidade de estar ao seu lado sem que você saiba. Então, como melhor explorar isso se não por meio do gaslighting e de todas essas questões?"

Whannell disse que Elisabeth Moss foi sua "cúmplice", ajudando a dar um feedback importante sobre o roteiro depois que entrou para o projeto. Como um homem que conta uma história sobre o abuso e a violência vivenciados por uma protagonista feminina, Whannell disse que Moss, "sendo mulher, trouxe uma perspectiva inestimável que eu não tenho". Os dois "analisavam os diálogos juntos", e ela explicava ao diretor como lidaria com uma situação específica se estivesse no lugar de Cecilia.

"Eu obviamente a via como a autoridade no que dizia respeito ao ponto de vista da mulher, então fui bastante receptivo e fiquei grato por tê-la no projeto", disse Whannell. "Foi o carimbo de aprovação que eu recebi de Lizzie que me permitiu dormir à noite enquanto eu fazia esse filme e não me sentir um impostor por contar uma história que eu não estava apto a contar."

video-player.buzzfeed.com

Além de suas conversas com Moss, Whannell contou que falou com conselheiras em abrigos de violência doméstica para mulheres em Los Angeles, e também com outras amigas, sobre relacionamentos e medos das mulheres. Ele queria que a história fosse o mais autêntica possível, o que implicava em realizar pesquisas.

"Foi interessante ver os pontos em comum que apareciam entre minhas amigas que não tinham qualquer ligação, separadas por oceanos", ele revelou. "Não importava de onde eram — elas voltavam para essa questão de ter que ir para o carro à noite com as chaves na mão, preparadas para dar a partida. Senti que era uma oportunidade de o Homem Invisível representar literalmente esse medo da pessoa invisível que fica observando enquanto você volta para o seu carro."

De acordo com Whannell, o gênero do terror se presta a retratar o pior dos problemas sistêmicos da sociedade porque consegue ilustrar nossos medos coletivos. No caso de "O Homem Invisível", a personagem de Cecilia é um exemplo de como é para a mulher, após ser abusada, ser levada a se sentir "louca" quando ninguém à sua volta acredita no que você está dizendo.

Quando estava vivo, o marido de Cecilia, Adrian, era carismático e manipulador o suficiente para que ninguém acreditasse nela quando ela revelasse os abusos. Quando ele supostamente morre, Cecilia tenta contar ao seu amigo James, sua irmã, Alice (Harriet Dyer), e a Tom (Michael Dorman), o irmão advogado de Adrian, que ela acha que o marido continua vivo e a está assombrando, mas ninguém acredita, pois todos acham impossível que ele, um cientista brilhante, tenha criado uma tecnologia que lhe permita uma existência invisível.

"É a ideia de que você está perdendo a cabeça. Muitas mulheres com quem conversei falaram sobre esse sentimento de ter medo de falar ou dizer algo específico porque alguém pode pensar que você é louca ou complicada", disse Whannell. "O terror sempre foi um cavalo de Troia para uma mensagem social mais ampla. Para mim, os filmes de terror são uma expressão de nossa ansiedade como sociedade. Sempre foi assim."

Embora ninguém acredite nela, o Homem Invisível continua causando estragos no mundo de Cecilia: ele muda seus medicamentos, envia e-mails desagradáveis para a sua irmã, bate no rosto de Sydney (Storm Reid), filha de James, e até corta a garganta da irmã de Cecilia em um restaurante público. Todos acham que Cecilia é a perpetradora desses atos, o que resulta em sua prisão e internamento em um hospital psiquiátrico.

O diretor disse que queria que a personagem de Cecilia fosse "a voz da razão no filme, a única que sabe realmente o que está acontecendo", e que todos à sua volta "tivessem uma visão distorcida da situação". Mas, independentemente do que é e do que não é real, as pessoas veem o que acreditam ser verdade, permitindo que Adrian continue a ter êxito em seu gaslighting com Cecilia, mesmo durante sua suposta morte, conseguindo assombrá-la e torturá-la da mesma maneira que fazia quando estava vivo.

"Ele é um narcisista encantador e um sociopata. Se você pesquisar sobre narcisistas e sociopatas, verá que são muito, muito encantadores. São cientistas da condição humana, capazes de decifrar uma pessoa muito rapidamente, avaliando suas necessidades e desejos e brincando com isso", disse Whannell. "Há quem viva a vida inteira em um estado de atuação, e você se torna tão bom em manipular as pessoas que todas caem na dele. Há pessoas por aí que são manipuladoras incríveis, e a sociedade as recompensa."

Depois que Cecilia escapa do hospital psiquiátrico e acaba em uma luta violenta com a figura invisível na casa de seu amigo James, ela desmascara o homem no traje invisível e os espectadores são surpreendidos ao verem o irmão de Adrian, agora morto. Os policiais, então, encontram Adrian amarrado em seu porão. Ele alega que o irmão o sequestrou e orquestrou todo o calvário.

Cecilia ainda não acredita que isso seja verdade e elabora um plano final para revelar os abusos de Adrian, concordando em jantar na antiga casa deles — mas, dessa vez, usando uma escuta para gravá-lo. Ela pretende fazê-lo admitir na gravação que, na verdade, o Homem Invisível era ele o tempo todo. Quando ele nega, impedindo qualquer avanço, Cecilia o vence em seu próprio jogo: ela pede licença da mesa de jantar, coloca o traje da invisibilidade e o mata de modo que pareça um suicídio.

A reviravolta final é um pouco da própria redenção de Cecilia; se a lei não iria responsabilizar Adrian, ela encontraria uma maneira de garantir sua própria segurança e paz.

"Eu arrastei a protagonista pela lama; no final, queria dar um pouco de catarse", disse Whannell. "Queria que ela se sentisse livre."

Este post foi traduzido do inglês.

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