Universitários que votaram em Donald Trump dizem ser a nova "contracultura" dos EUA

    Eles afirmam ser contra o politicamente correto, que estão sendo calados nos ambientes universitários e que fazem parte da “nova contracultura”. "É o equivalente a ser um hippie protestando na Universidade de Kent", disse um deles, aparentemente se referindo ao protesto de 1970 contra a Guerra do Vietnã que terminou com as tropas da Guarda Nacional atirando e matando quatro estudantes desarmados.

    Uma semana após Donald Trump ganhar a disputa pela Presidência dos Estados Unidos, muitos estudantes no campus da Universidade de Delaware (EUA) ainda estavam desolados. Professores da faculdade pública onde o atual vice-presidente Joe Biden estudou cancelaram as aulas, ajudaram a organizar marchas e realizaram discussões para que os alunos pudessem lidar com seus sentimentos e medos.

    Mas os estudantes da UD que votaram em Trump estavam entusiasmados. Não só porque o candidato deles tinha ganhado, mas porque a confiança dos democratas na "política de identidade" havia falhado. A campanha de Hillary Clinton apostou nos votos das mulheres, das minorias, da comunidade LGBT e de outros grupos cujas posições políticas costumam ser moldadas pela forma como se identificam. No entanto, a campanha de Clinton não falhou apenas em atrair seus eleitores — ela também se afastou dos brancos que não gostam de ser chamados de intolerantes.

    Trump não ganhou a eleição devido às pessoas que completaram o ensino universitário. A maioria delas apoiou Clinton — exceto os eleitores brancos com formação universitária, que escolheram Trump por uma estreita margem de quatro pontos. No entanto, os eleitores de Trump em campi de todo o país se veem como rebeldes clandestinos lutando contra uma epidemia corrosiva do politicamente correto. Só não espere que eles usem seus bonés "Make America Great Again" (bordão da campanha de Trump) no bandejão.

    "É a nova contracultura", disse Jared, estudante que usava terno e gravata para um encontro dos Republicanos Universitários da UD. "É o equivalente a ser um hippie protestando na Universidade de Kent", disse, aparentemente se referindo ao protesto de 1970 contra a Guerra do Vietnã que terminou com as tropas da Guarda Nacional atirando e matando quatro estudantes desarmados.

    "Ou ser grunge nos anos 90", disse outro estudante.

    Na década de 1960, a Universidade da Califórnia em Berkeley era conhecida por protestos de liberdade de expressão, disse Andrew Lipman, membro da UD e presidente da Federação dos Republicanos Universitários de Delaware. Agora, na visão de Lipman, a universidade é conhecida por "silenciar o discurso conservador, porque ele é considerado odioso."

    Lipman não era um grande defensor de Trump, mas ficou preocupado com relatos de estudantes da UD que diziam não se sentir confortáveis em expressar sentimentos pró-Trump em aula, nos alojamentos estudantis e pelo campus. Ele é tão defensor da liberdade de expressão que ajudou a trazer a turnê universitária de "Dangerous Faggot", do escritor do Breitbart News e celebridade da extrema-direita Milo Yiannopoulos, para a UD duas semanas antes da eleição.

    Yiannopoulos falou sobre sua crença de que as pessoas trans são mentalmente doentes. (a Associação Americana de Psiquiatria votou pela remoção "transtorno de identidade de gênero" de seu manual em 2012). No dia em que ele discursou, cartazes dos rostos de Michelle Obama e Caitlyn Jenner com as palavras "transexuais são gays" apareceram no campus da UD, chocando estudantes que já estavam horrorizados com a permissão da faculdade para que o evento ocorresse, já que outras faculdades não deixaram Yiannopoulous falar. A palestra de Yiannopoulos na UD lotou.

    “Trannies Are Gay” posters promoting Milo Yiannopoulos' event were taken down by @udelpolice & @NewarkDEPD… https://t.co/NNxn1LoIuM

    Posters advertising Milo Yiannopoulos' event tonight in Mitchell Hall have been taken down by university police.… https://t.co/mjHWDcZNw9

    Os Republicanos Universitários da UD publicaram uma declaração se distanciando dos cartazes. Ainda assim, disse Lipman, os estudantes universitários querem e precisam ser expostos a questões que são tabu, assim como ao conservadorismo, mesmo quando elas ofendem (ou assustam) seus colegas. "Se eles pudessem conversar sobre isso com seus amigos, eles talvez não sentissem necessidade de vir aqui [nos Republicanos Universitários] para falar sobre isso, mas eles não têm essa opção", disse Lipman. "Eles sentem que estão sendo calados."

    Os estudantes defensores de Trump disseram ao BuzzFeed News que se identificavam com a “maioria silenciosa” de eleitores mais velhos que não gostavam de ser chamados de "deploráveis" por Hillary Clinton. No jornal "The New York Times", em uma coluna intitulada "Minha universidade liberal consolidou meu voto em Trump", um estudante da Universidade Wesleyan, uma faculdade de esquerda de Middletown, Connecticut, escreveu que havia investigado a extrema direita e descobriu "uma comunidade diversa, intelectual e multifacetada que se orgulha de sua compreensão abrangente da liberdade de expressão". Eles não são "alimentados pelo ressentimento racial", explicou; eles só querem uma "tecnocracia."

    No entanto, muitos defensores ocultos de Trump nos campi universitários se recusaram a dar seus nomes completos para o BuzzFeed News porque temiam ser chamados de racistas.

    "Na NYU, todos sentem que precisamos ser inclusivos, mas quando você reforça isso, está criando um tipo diferente de minoria."

    Daniel, um veterano da Universidade de Nova York que não quis falar seu sobrenome "devido ao clima atual", disse que foi "insuportável" quando seus professores fizeram piadas sobre o estado do país no dia seguinte às eleições.

    "Há a suposição de que ninguém vai ficar magoado porque ninguém poderia ter votado em Trump em Nova York, mas essa suposição claramente é incorreta", disse ele. (Ele reconheceu que havia poucos defensores de Trump no campus).

    "Na NYU, todos sentem que precisamos ser inclusivos, mas, quando você reforça isso, está criando um tipo diferente de minoria", disse ele. Se você tentar questionar o conceito de "espaços seguros", por exemplo, "você será imediatamente criticado como hipócrita ou opressor", disse Daniel, acrescentando que ser um homem branco "não ajuda". "É tipo assim: podemos ter discussões abertas, desde que elas estejam totalmente alinhadas com o que já acreditamos", disse ele.

    Um estudante da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, disse que solidificou sua aversão à cultura do politicamente correto no ensino médio. Em uma aula, ele foi punido por escrever uma dissertação chamando imigrantes indocumentados de "ilegais". Ele disse que, em outra oportunidade, foi impedido de ir a uma reunião da aliança estudantil asiático-americana porque era branco. "As pessoas estavam tão envolvidas pelo politicamente correto que as vozes das pessoas foram censuradas e nada foi ouvido", disse ele.

    Na Duke, ele sabia que seus colegas e professores eram liberais, então ele não disse a ninguém que apoiava Trump. Após a eleição, ele começou a tentar postar sobre Trump no Facebook. Mas ele ficou nervoso novamente quando uma professora pediu para a turma escrever pensamentos sobre a eleição: "Ela disse: 'diga o que quiser, mas é bom estar disposto a lidar com as consequências do que disser, se quiser dizer.'"

    Ele tomou isso como uma advertência de que suas notas sofreriam e ele seria excluído se admitisse publicamente seu apoio a Trump.

    Esse estudante cancelou uma segunda entrevista com um repórter porque temia por sua segurança física após ler que protestos anti-Trump aconteceriam no campus. "O ódio no campus da Duke está piorando", escreveu em um e-mail.

    Outra estudante da Duke, Brittany, disse que sua classe fez uma votação anônima na qual ela foi a única que votou em Trump. "A maioria silenciosa era muito real", disse ela. "As pessoas estavam envergonhadas e com receio de dizer que votariam em Trump por medo de serem rotuladas e até perseguidas."

    "Professores cancelando provas e aulas porque Trump ganhou são o motivo pelo qual Trump ganhou."

    Na Universidade de Delaware, Jared disse que há um contingente de jovens que apoiam Trump porque "eles se sentem ameaçados pelo fato de não ser possível se afastar deste dogma que a maioria no campus possui, sem ser chamado de racista, sexista, com pessoas o denunciando por ter uma opinião porque ela ameaça a identidade de alguém".

    Bebendo martinis de limão em um bar perto do campus, Ryan Dubicki, de 21 anos, revirou os olhos para os estudantes aflitos em seu campus e em outras faculdades com o resultado da eleição.

    "Eu não quero ser maldoso, mas eles estão sendo chorões. Isso é uma eleição, pessoal." Se eles realmente se importam tanto com política, eles devem se envolver em nível estadual e local, disse ele, não chorar para os professores. "Professores cancelando provas e aulas porque Trump ganhou são o motivo pelo qual Trump ganhou", disse Dubicki. "As pessoas estavam cansadas do politicamente correto e da política de identidade, e Trump foi totalmente contra isso."

    Talvez Dubicki personifique o novo universitário defensor de Trump: ele é gay, por exemplo. Ele se considera socialmente liberal, mas conservador em matéria de impostos. Ele teria votado em Obama, se tivesse idade suficiente. E ele ficou irritado quando seus amigos lhe disseram que ele deveria votar em Clinton em vez de alguém cuja vitória alarmou grupos LGBT. "Eu estava, tipo, Hillary Clinton não me representa — eu não quero alguém que deveria estar na prisão", disse Dubicki. Então, ele mostrou uma foto, salva em seu telefone, de Trump segurando uma bandeira LGBT.

    Como 75% dos alunos no campus da UD, Dubicki é branco e admitiu que seu grupo de amigos não é muito diversificado. Mas, em sua opinião: "Hillary Clinton comandou uma campanha das minorias contra os brancos", disse ele. "Dê uma olhada nos comícios dela: Eram todos minorias. Não havia brancos."

    Ainda assim, ele disse que tinha amigos que apoiavam Clinton, e eles se davam bem porque não falavam muito sobre política. (Quando Dubicki não está na faculdade, trabalhando, ou se voluntariando para causas republicanas, ele gosta de assistir reprises de Friends — a 5ª temporada é sua favorita). Ele se divertiu com um e-mail que o presidente da UD, Dennis Assanis, enviou para os estudantes uma semana após a eleição, reconhecendo que "houve eventos inaceitáveis em que membros da nossa comunidade agiram de forma divisiva, humilhante e até odiosa" e prometendo que a UD "garantirá que a liberdade de expressão e a diversidade coexistirão e até mesmo se desenvolverão em nossa sociedade."

    Dubicki achou isso vergonhoso. "Só na minha faculdade eu poderia receber um e-mail me lembrando de respeitar as opiniões e crenças dos outros, o que eu já havia sido criado para fazer", escreveu no Facebook depois. "É por isso que eu odeio minha geração e ser um millennial."

    Em uma cafeteria perto do campus, Jaelyn Brown, presidente dos Democratas Universitários da UD, teve uma reação diferente ao e-mail: ela achou que era tarde demais.

    Por que Assanis não denunciou os crimes de ódio registrados em todo o país após a vitória de Trump? Por que ele esperou uma semana para tentar confortar os alunos da UD, como ela, que estão desolados e com medo? Ela não conhece nenhum defensor de Trump, porque suas amigas são feministas politicamente engajadas, disse ela. Agora, ela não consegue parar de se perguntar quem, próximo a ela no campus, votou nele.

    "A coisa mais frustrante nisso é que para as pessoas negras, pessoas trans, mulheres... suas vidas estão realmente em perigo", disse Brown, que é negra. "Sua vida como branco não estaria em perigo se Hillary Clinton fosse presidente."

    Em maio, Brown se formará. Ela já chegou a pensar em entrar na política — ela fez campanha para Clinton nas últimas férias de inverno —, mas, agora, ela não tem tanta certeza.

    "Muito defensores de Trump falam: 'eu não sou racista', mas a a verdade é que eles apoiaram um racista", disse ela. "Eles escolheram ignorar isso, e estão em uma posição privilegiada. Isso é assustador sendo uma mulher. Isso é assustador sendo uma mulher negra. Serão alguns anos difíceis."

    Embora Trump tenha prometido acabar com o politicamente correto em todo o país, ele também cooptou pelos mesmos conceitos progressivos que ridicularizou. Recentemente, ele tuitou que um teatro "deve ser sempre um lugar seguro e especial", após o tratamento "grosseiro" a Mike Pence no musical da Broadway, Hamilton.

    Trump também teve sucesso em sua própria plataforma de política de identidade, disse Brown, apelando para grandes grupos de eleitores brancos ressentidos, cansados de se sentirem ignorados. "Essa foi a última tentativa do homem branco para permanecer no poder", disse ela.

    Este post foi traduzido do inglês.

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