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O governo de El Salvador diz que elas mataram seus bebês. Quem as defende chama isso de guerra contra as mulheres pobres.

Em uma região que luta com taxas alarmantes de violência de gênero, El Salvador se destaca por sua perseguição implacável a mulheres suspeitas de praticarem um aborto ou de assassinarem seus recém-nascidos.

COJUTEPEQUE, El Salvador — Pouco após o meio-dia de segunda-feira, 19 de agosto, Evelyn Hernández saiu do tribunal sob aplausos estrondosos.

Os gritos e assobios foram tão intensos que, por uma fração de segundo, ela ficou paralisada. Uma das advogadas de Evelyn, apoiando-a enquanto caminhavam lado a lado, pegou a mão direita dela e ergueu seu punho.

Quando entrou em um palco improvisado montado em frente aos portões do tribunal, Evelyn sorriu timidamente, enxugou as lágrimas dos olhos e segurou o microfone. "Ainda há muitas mulheres na prisão", disse ela. "Meu desejo é que elas também sejam libertadas em breve".

Evelyn e as mulheres a quem ela se refere são alvo de uma campanha em El Salvador, que muitas vezes criminaliza mulheres que vivem na pobreza e que têm complicações relacionadas à gravidez ou ao parto. No pequeno país da América Central, que possui uma das taxas de homicídios mais altas do mundo, a experiência traumática de ter um aborto espontâneo ou a morte de um bebê recém-nascido pode ser agravada por um longo período na prisão.

Em uma região que luta com taxas alarmantes de violência de gênero, El Salvador se destaca por sua perseguição implacável a mulheres suspeitas de fazerem um aborto ou de matarem seus bebês recém-nascidos.

Desde 2000, pelo menos 129 mulheres foram presas após complicações relacionadas à gravidez ou ao nascimento de seus bebês em El Salvador, um país de aproximadamente 6,5 milhões de pessoas e um dos poucos na América Latina onde o aborto é totalmente proibido, mesmo quando a vida da mulher está em risco.

Algumas dessas mulheres foram acusadas de homicídio qualificado e sentenciadas a até 40 anos de prisão. (No entanto, a pena máxima para quem faz um aborto é de oito anos.) Por outro lado, a sentença máxima para homens acusados de feminicídio ou de matar uma mulher por causa de seu gênero é de 35 anos.

As histórias dessas mulheres são todas diferentes: algumas gestações foram resultado de estupro, inclusive de familiares; outras mulheres esperavam ansiosamente pelo seu bebê. Frequentemente, as mulheres estavam sozinhas durante os partos em casa, e o que aconteceu durante esses momentos críticos nunca pode realmente ser conhecido. O que está claro é que o Estado quer que elas paguem um preço muito alto.

Os ativistas dos direitos das mulheres veem isso como uma guerra contra as mulheres que vivem na pobreza. Muitas dessas mulheres ficaram na prisão, em grande parte esquecidas até 2014, quando ativistas solicitaram o perdão presidencial a 17 delas e lançaram uma campanha global para exigir sua liberdade. Mas, apesar da crescente atenção internacional, o Estado salvadorenho continuou e até aumentou a criminalização dessas mulheres.

Para entender o que está acontecendo em um dos países mais opressivos para mulheres e meninas, o BuzzFeed News conversou com oito mulheres perseguidas pelo estado após complicações relacionadas ao nascimento, bem como com juízes, médicos e policiais. Entre as oito mulheres estão três que permanecem na prisão e duas que tiveram seus bebês em casa e eles sobreviveram.

Para Evelyn, o pesadelo começou em 2016, quando ela deu à luz um menino que ela diz não saber que estava esperando e que morreu logo em seguida. A jovem de 18 anos sofreu uma hemorragia severa durante o parto em casa, em uma pequena comunidade isolada, e teve que ser transportada para uma caminhonete e depois levada para a sala de emergência, onde ficou hospitalizada por seis dias. Ela foi acusada de homicídio qualificado e levada a julgamento. Em julho de 2017, depois que detalhes íntimos de seus ferimentos foram discutidos em profundidade no tribunal, Evelyn foi condenada a 30 anos de prisão.

Por quase três anos, Evelyn permaneceu na prisão, vendo o último raio de sua adolescência desaparecer entre as grades. Enquanto isso, sua equipe jurídica apelava da decisão do tribunal. Em dezembro de 2018, o recurso foi aceito, sua sentença foi anulada e o juiz pediu um novo julgamento.

Em fevereiro, Evelyn recebeu liberdade condicional. De acordo com a lei salvadorenha, ela havia excedido o limite de 24 meses sob o qual os acusados sem condenação podem ser mantidos presos. Por enquanto, pelo menos, Evelyn poderia ir para casa, mas seu futuro ainda estava incerto.

Cheia de ansiedade, ela voltou ao tribunal em agosto para o novo julgamento, que durou vários dias. Por fim, o juiz decidiu: Evelyn era inocente. A comemoração do lado de fora do tribunal naquele dia ecoou em todo o mundo, pois o caso dela atraiu a atenção internacional por vários meses. Agora com 21 anos, Evelyn estava finalmente livre para recomeçar.

Mas, 18 dias depois, o escritório do procurador geral deu um novo golpe: apelaram da decisão do juiz, abrindo a possibilidade de um terceiro julgamento.

Aquele sorriso cauteloso de Evelyn do lado de fora do tribunal em agosto desapareceu e foi substituído por crises de choro. Agora ela é atormentada por pesadelos repletos de ameaças.

"Pensei em não viver mais", disse Evelyn, "para que isso pudesse acabar de uma vez."

As algemas de metal tilintavam toda vez que Jacqueline Castillo se mexia na cadeira branca de plástico.

Era uma manhã tipicamente úmida de setembro, e Jacqueline, de 31 anos, estava sentada dentro do Centro de Detención Menor para Mujeres em Izalco, uma prisão feminina perto da costa do Pacífico no país. Os guardas montaram uma sala de entrevistas improvisada em uma área cercada ao lado do pátio principal, ao ar livre. Recentemente inaugurada, a prisão ainda parecia inacabada, com centenas de detentas circulando e lançando olhares curiosos para Jacqueline.

Os olhos de Jacqueline correram entre os três guardas que estavam a poucos metros dela. Depois de mais de oito anos presa, os guardas ainda a deixavam nervosa. Jacqueline abaixou a voz quando começou a descrever o que aconteceu em 20 de julho de 2011.

Tudo começou com uma vontade enorme de urinar e uma caminhada rotineira à latrina na casa de seu pai em Cuscatancingo, um município perto da capital, San Salvador. Com um buraco profundo no solo, as latrinas são sanitários comuns em áreas rurais nos países em desenvolvimento, onde o acesso à água e ao saneamento básico é escasso.

Jacqueline sabia que ainda faltavam seis semanas para sua data provável de parto, então, quando ouviu um gemido baixinho, disse que ficou chocada. Quando o pai apareceu e ouviu os gritos vindos do fundo do buraco escuro, ele ligou para a emergência.

Mas, quando os policiais apareceram, eles não levaram Jacqueline ao hospital, apesar de suas queixas de dor aguda. Sentada na parte de trás do carro da polícia, ela ouviu um dos policiais dizer no rádio que ele a estava levando para a delegacia por tentativa de homicídio. Na delegacia, Jacqueline lembra que um médico pediu que ela se deitasse em cima de uma mesa de escritório para examiná-la. Depois do exame, o médico disse que ela precisava ser levada às pressas para um pronto-socorro porque ainda tinha pedaços de placenta dentro do seu útero. "Ela merece morrer pelo que fez", disse um dos policiais, segundo Jacqueline.

Enquanto isso, o bebê, uma menina, foi levado para um hospital local, onde foram tratadas algumas pequenas lesões em seu corpo.

De acordo com o arquivo legal de Jacqueline, ela foi internada na sala de emergência do Hospital Nacional de Maternidade somente após a meia-noite. De manhã, pouco antes das 8h30 da manhã, ela foi sedada e levada para a sala de operações para dilatação e curetagem, um procedimento para limpar o útero.

Depois disso, policiais a levaram de volta a uma delegacia. Na delegacia, Jacqueline disse que um policial tentou intimidá-la perguntando se ela preferia ser colocada junto às "letras ou aos números", fazendo alusão às duas principais gangues do país, MS-13 e Mara 18. As gangues de El Salvador causaram tantos estragos no país que, em 2015, a Suprema Corte do país as designou como grupos terroristas.

Durante o julgamento, três pessoas testemunharam contra ela, de acordo com o processo de Jacqueline. Duas delas eram os policiais que a detiveram; a terceira era uma das vizinhas de Jacqueline, uma mulher de 74 anos que disse ter perguntado a Jacqueline em várias ocasiões se ela estava grávida tendo uma resposta negativa vindo dela. Durante uma entrevista com a polícia, a mulher acusou Jacqueline de jogar seu bebê recém-nascido na latrina.

Um boato chegou a Jacqueline dentro de sua cela durante o julgamento de que a vizinha havia sido coagida pelos promotores a mentir em troca de US$ 25. Quase cinco meses depois de sua prisão, Jacqueline foi condenada a 15 anos de reclusão pela acusação de tentativa de homicídio qualificado.

Enquanto isso, seu bebê recebia um nome escolhido por um membro da equipe do hospital para onde fora levado, segundo o arquivo de Jacqueline: Erika Sofía. Mas Jacqueline perdeu mais do que o direito de escolher o nome de sua própria filha.

Um dia, um visitante anônimo pediu a Jacqueline, que frequentou a escola até a oitava série, para assinar um documento. Ela assinou. Mais tarde, Jacqueline soube que havia assinado um documento para colocar Erika Sofía para adoção. Ela provavelmente nunca conhecerá sua filha.

Ainda assim, Jacqueline disse que espera encontrá-la quando sair da prisão, embora não tenha ideia de quem a adotou ou de como localizá-la. Recentemente, Jacqueline entrou em seu nono ano de prisão. Ela ainda tem seis pela frente.

Enquanto Jacqueline falava e o calor se tornava insuportável, duas outras mulheres, Kenia Hernández e Sara del Rosario Rogel, sentaram-se em silêncio, a uma curta distância. Após um tempo, Kenia levantou-se para trançar os cabelos de Sara. Depois, tentaram mover um pouco as algemas para curvar os dedos em forma de coração, pois queriam ser fotografadas assim para que suas famílias pudessem ver as fotos e saber que elas estavam bem. As duas mulheres estão cumprindo sentenças de homicídio qualificado após a morte de seus bebês depois de darem à luz em casa.

Kenia Hernández, que agora está com 24 anos, tinha 17 quando engravidou do namorado. Seu primeiro pensamento quando descobriu foi Meu pai vai me bater. Ele acabou descobrindo que ela estava grávida, mas ela disse que ele aceitou bem. Meses depois, Kenia estava limpando a casa quando seu pai começou a persegui-la, irritado por achar que ela não estava se dedicando o suficiente. Segundo Kenia, ela tropeçou e caiu e, depois, seu pai fugiu de casa. Ela entrou em trabalho de parto sozinha e deu à luz o bebê, que morreu pouco tempo depois do parto. Kenia foi condenada a 30 anos de prisão.

Sara disse que estava lavando a louça em casa uma noite, pouco antes de sua data provável de parto, em outubro de 2013, quando escorregou, caiu e desmaiou. Quando acordou no hospital, as enfermeiras não responderam suas perguntas sobre seu bebê, uma menina. Ela havia morrido. Sara lembrou-se do nome que havia escolhido para a filha: Alexandra Sarai. Ela também foi condenada a 30 anos de prisão.

Jacqueline, Kenia e Sara se aproximaram na prisão, onde as outras mulheres as destacavam como as abortistas. Elas disseram que, nos primeiros meses em que estavam presas, muitas vezes eram espancadas por outras presas, até que decidiram revidar.

Enquanto estavam na prisão, elas também conheceram Evelyn antes de sua soltura este ano.

Mas, depois disso, não souberam mais nada sobre o que havia acontecido com a amiga. Elas ficaram emocionadas ao saber que Evelyn havia sido absolvida, mas profundamente preocupadas com a perspectiva de ela ter que enfrentar um terceiro julgamento.

"Toda vez que alguém ganha sua liberdade, uma nova porta se abre para o resto de nós", disse Jacqueline, "para que outra de nós saia e conte sua história".

As duas horas e meia designadas para a entrevista passaram rapidamente e as três mulheres se levantaram com relutância. Elas caminharam até a cerca de arame, onde passaram por uma revista minuciosa por um dos guardas antes de se juntarem à longa fila de reclusas que esperavam para pegar o almoço.

A comunidade onde Evelyn Hernández vive é tão pequena e isolada que não aparece na maioria dos mapas.

Chegar à casa dos pais, onde ela mora, exige esforço: dirigir por uma estrada sinuosa, caminhar por uma estrada estreita e não pavimentada e "escalar" uma colina, localizada nos arredores de um bairro pobre, com pouco sinal de celular.

Ao lado da casa está a latrina que a família usa. A casa é fechada com telhas metálicas em três lados e no quarto lado encontra-se plástico preto esticado, oferecendo pouca privacidade aos moradores. Uma parede de densa folhagem tropical, cheia de gafanhotos e aranhas, eleva-se acima do banheiro improvisado.

O bairro de Evelyn não é acolhedor por outro motivo: gangues rivais forçam a maioria dos moradores a ficar dentro de casa o máximo possível. Durante uma visita recente, vários moradores nos alertaram para não ficarmos muito tempo fora ou nos aventurarmos longe da estrada principal pavimentada e sinuosa.

Em 2016, Evelyn passou a maior parte do tempo em casa, exceto quando ia à escola e quando ia se encontrar com um grupo católico que fazia visitas a pessoas doentes. No início do ano, começou a circular um boato entre os amigos de Evelyn de que ela estava grávida, de acordo com uma assistente social que testemunhou em seu julgamento e cujo testemunho está incluído no processo de Evelyn. O arquivo, como o de várias outras mulheres em condições semelhantes, foi publicado online por um grupo antiaborto com sede em San Salvador.

Como sinal de quão confusos e controversos esses casos podem ser, um profissional de saúde local testemunhou que visitou a casa de Evelyn três vezes, em um esforço para verificar os rumores de que ela estava grávida. Evelyn, que disse que não sabia que estava grávida, negou que essas visitas tenham ocorrido.

Na manhã de 6 de abril, Evelyn, então com 18 anos, deu à luz o bebê. Segundo a garota, ela foi ao banheiro, onde sentiu algo incomum sair de seu corpo. Ela perdeu tanto sangue que, pouco depois, um vizinho teve que carregá-la morro abaixo até uma van, enquanto ela mal estava consciente. A autópsia do bebê não revelou sinais de trauma.

"Evelyn provavelmente cometeu um crime, mas não é um crime que está incluído no código penal", disse Arnau Baulenas, um de seus advogados, durante seu julgamento em agosto. "E esse crime é que ela vive em uma comunidade rural."

"O crime dela é provavelmente que ela tem uma latrina e não um banheiro adequado", continuou Baulenas. "Isso, aos olhos do gabinete do promotor, significa que ela é uma pessoa que deve passar 40 anos na prisão".

A história de Evelyn é replicada em toda a área rural do país. Yenni Marroquín, vice-inspetora de polícia que responde às chamadas de emergência em Cuscatlan, região onde está localizada a vila de Evelyn, conhece isso muito bem.

Yenni disse que perdeu a conta de quantos partos em casa ela recebeu chamada: houve o caso de uma menina de 13 anos, "provavelmente, já que ela ainda não tinha pelos pubianos", que deu à luz um bebê deitada em cima de jornais velhos. Há também o caso de uma garota de 14 anos que Yenni e seu parceiro viram andando, um dia, por uma estrada de terra, carregando um bebê morto nos braços. Eles levaram a garota para um hospital. Dias depois, quando voltaram para entregar um colchão na casa da menina, conheceram a mãe dela, que estava com um olho roxo. Algumas dessas garotas provavelmente foram estupradas por seus padrastos, disse Yenni sem rodeios.

Atitudes preocupantes em relação às mulheres têm raízes profundas aqui: é uma sociedade patriarcal que, quando uma menina nasce, às vezes é chamada de "um item para cavalheiros". Até Yenni, familiarizada com as precárias condições de vida comuns à maioria das garotas processadas por complicações obstétricas, insinua que as mulheres devem, acima de tudo, ser boas mães.

Mesmo quando uma garota ainda jovem está na situação mais terrível, Yenni não pode aceitar que um aborto seja a decisão certa. "Por que elas fariam isso? Por que elas não esperam até que os bebês fiquem grandes?”, pergunta ela, sentada em frente a uma estante com uma Bíblia e uma cruz em destaque na delegacia.

Os preconceitos também são religiosos, e as circunstâncias dessas mulheres são frequentemente vistas através das lentes das visões estritas da igreja sobre os direitos das mulheres e seus papéis na sociedade. No país católico, os preconceitos religiosos "surgem não apenas entre policiais e médicos, mas também entre os promotores, os juízes e até a defesa", disse Martín Rogel Zepeda, vice-juiz da Suprema Corte.

Casos como o de Evelyn "são vistos com muito preconceito, começando nos hospitais, onde as mulheres que chegam sangrando são vistas como abortistas, denunciadas às autoridades e processadas sob uma ideia predeterminada", acrescentou Martín.

O aborto era legal em El Salvador até 1998, quando os legisladores cederam à pressão da igreja para proibi-lo. Os esforços para reverter esse fracasso falharam nos últimos anos. Em 2017, Johnny Wright Sol, ex-parlamentar da Assembleia Legislativa de El Salvador, apresentou uma petição para legalizar o aborto sob determinadas circunstâncias. "Tudo conspirava a favor da nossa petição", disse ele. Na época, estava no poder um governo de esquerda, que Johnny disse ter prometido votar a favor, combinado com uma onda de descriminalização em toda a América Latina. Mas a petição não obteve votos suficientes. E, embora o atual presidente, Nayib Bukele, tenha dito que as mulheres que vivem na pobreza não devem ser consideradas culpadas após um "aborto espontâneo", ele não falou sobre o caso de Evelyn.

No mês passado, María Eugenia Barrientos, uma médica de clínica geral, cujos pacientes incluem mulheres grávidas, publicou um artigo no La Prensa Gráfica, um jornal nacional, intitulado "Verdades inegáveis sobre o caso recente do recém-nascido de Evelyn Beatriz". Nesse artigo, María Eugenia questionou Evelyn a respeito de ela sustentar que não sabia que estava grávida, e a acusou de ter dado à luz em outro lugar e, em seguida, ter jogado o bebê na latrina.

María Eugenia disse que o artigo foi bem recebido. Ela sorria suavemente durante uma recente entrevista de 90 minutos, mesmo enquanto explicava sua teoria sobre Evelyn e outras mulheres em situações semelhantes: que todas elas estão mentindo como parte de uma trama de grupos feministas. "Por que todas elas usam a mesma palavra para descrever o que aconteceu: 'algo rompeu dentro de mim', que não é uma palavra que as pessoas pobres usam?", ela se perguntou. "Uma pessoa simples diria simplesmente que sentiu algo cair de dentro delas".

Médica nos últimos 27 anos, María Eugenia acrescentou que algumas de suas pacientes expressaram gratidão depois de ela ajudá-las à dar à luz os seus bebês, mesmo quando as gestações eram resultado de estupro.

Esses bebês "são pessoas maravilhosas agora", disse María Eugenia. "Quando eles vêm à minha clínica, posso abraçá-los e beijar suas bochechas e pensar que eles têm todo o direito de serem bombeiros, policiais ou professores".

Para as mulheres que foram presas, a vida nunca mais será a mesma. Elas estão marcadas para sempre — permanentemente julgadas e frequentemente isoladas em suas próprias comunidades.

Algumas dessas mulheres decidiram revidar.

Elas são lideradas por Teodora Vásquez, que sabe como é cumprir pena depois de perder um bebê.

Em 2007, Teodora estava perto de sua data provável de parto, quando sentiu uma dor incomum durante o trabalho. Ela disse que ligou pedindo uma ambulância pelo menos seis vezes; quando a ambulância apareceu, ela desmaiou. Quando acordou, Teodora se lembra de estar cercada pela polícia, que ela disse que a espancou.

Teodora ainda não sabia que havia perdido seu bebê. "Você é uma piranha por matar seu filho", disse uma policial à Teodora. "Até os animais cuidam melhor de seus filhotes".

Ela foi condenada por homicídio qualificado e sentenciada a 30 anos de prisão.

Em 2014, seu caso se tornou uma causa célebre em El Salvador, quando um grupo de advogados solicitou um perdão presidencial para Teodora e outras 16 mulheres. Os ativistas lançaram uma campanha global para o grupo, que passou a ser chamada de "Las 17." Um juiz comutou a sentença de Teodora no ano passado.

Quase que imediatamente, Teodora, de 36 anos, embarcou em uma viagem pelo país para encontrar outras mulheres como ela. Eles não eram fáceis de ser encontradas, mas Teodora, obstinada e fortemente motivada, acabou localizando mais de uma dúzia delas.

Logo depois, ela e outras três pessoas do grupo se mudaram para uma casa em San Salvador, onde criaram um ambiente que acolhe mulheres que foram punidas de maneira semelhante. Elas oferecem sessões de terapia, aconselhamento jurídico, treinamento profissional e aulas de música. Teodora está atualmente tentando tocar "Twinkle, Twinkle, Little Star" no violino.

A casa é pintada com cores vivas e decorada com fotografias ampliadas de algumas das mulheres na prisão. Em uma delas, Jaqueline e Evelyn aparecem com outras 11 mulheres, todas vestidas com seus uniformes brancos da prisão.

As mulheres desencadearam um movimento social exigindo a liberdade das outras: elas organizam campanhas nas redes sociais, organizam protestos nas ruas e manifestações fora de tribunais e prisões sempre que há uma audiência ou quando uma mulher é libertada.

Mas, quanto mais Teodora e as outras mulheres pressionam, mais implacável o estado se torna. Durante o novo julgamento de Evelyn em agosto, os promotores pediram ao juiz por 40 anos, em vez dos 30 aos quais ela havia sido inicialmente condenada.

As ativistas organizaram uma manifestação em frente ao gabinete do procurador-geral três dias após o anúncio da apelação de Evelyn. Dezenas de mulheres apareceram, algumas delas vestindo camisetas azuis que diziam "Las 17." Uma manifestante, com o rosto coberto por um gorro e um nariz de palhaço, gritava ao microfone: "Por serem machistas e patriarcais, declaramos o escritório do promotor culpado!" Logo a multidão começou a jogar ovos cheios de confetes nos portões.

Quando o protesto de uma hora começou a terminar, alguns manifestantes jogaram balões cheios de tinta vermelha na porta de vidro do prédio. Em minutos, a multidão se dispersou e a manifestação terminou. Mas a guerra da mídia entre o movimento das mulheres e o estado salvadorenho estava prestes a se intensificar.

Quando a noite caiu, o gabinete do promotor começou a publicar uma série de fotografias que mostravam o rosto de vários manifestantes no Twitter. O procurador-geral Raúl Melara, que se recusou a ser entrevistado para este artigo, acusou os manifestantes de impedir as pessoas de visitarem o escritório durante o protesto que durou uma hora.

"Eles ficaram sem argumentos legais", tuitou Raúl Melara, com fotografias dos respingos de tinta vermelha no prédio.

O futuro de Evelyn permanece precário, enquanto ela espera nervosamente ouvir se o apelo do estado será aceito e se ela terá que voltar ao tribunal e, possivelmente, à prisão.

Recentemente, ela visitou a La Casa de Todas, a sede do grupo ativista Feminist Collective for Local Development em San Salvador, para conversar sobre o seu caso.

Evelyn subiu as escadas para o segundo andar e parou na entrada de uma das salas de reunião. Ela não queria falar com a mídia, mas ouviu silenciosamente quatro perguntas, concordando em responder apenas àquelas com as quais se sentia confortável.

Ela não quis responder à pergunta sobre por que o gabinete do procurador estava atrás dela novamente. "Sinto-me triste e com raiva", disse ela finalmente.

Depois, ela caminhou até o pátio e cumprimentou uma amiga que sabia o que ela estava passando. Cinthia Rodríguez foi considerada culpada de homicídio depois de ter, o que ela disse ser, um aborto espontâneo e passou quase 11 anos na prisão antes de ser libertada em março.

As duas se abraçaram por vários minutos, com os rostos chorosos enterrados nos cabelos uma da outra. ●

Este post foi traduzido do inglês.

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