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Corpos de pessoas mortas estão sendo perdidos nesta cidade devastada pelo coronavirus

As famílias têm de vasculhar hospitais, necrotérios e cemitérios em busca dos corpos de seus entes queridos.

CIDADE DO MÉXICO — Em 1º de abril, Víctor Hugo Orellana colocou um crucifixo de madeira no peito de sua mãe e embrulhou seu corpo em um cobertor grosso, enquanto um grupo de funcionários públicos esperava do lado de fora para levá-la. Boatos sobre restos mortais desaparecendo e registros incompatíveis de corpos estavam circulando, e Orellana ficou preocupado.

"Se o corpo de nossa mãe ficar perdido, isso pode nos ajudar a identificá-la", Orellana disse durante uma entrevista por telefone, explicando sua ideia, naquela tarde.

Trinta e cinco dias depois, Orellana ainda não sabe onde encontrar os restos mortais de sua mãe, Célida Piedad Solórzano.

Guayaquil, uma cidade costeira no Equador, foi a primeira cidade da América Latina a ser subjugada pelo coronavírus. À medida que os serviços públicos se esforçavam para acompanhar o número progressivo de vítimas no mês passado, sacos com corpos se acumulavam dentro de hospitais locais e cadáveres eram abandonados nas calçadas. As pessoas eram forçadas a coabitar com parentes mortos por dias, antes de alguém vir para retirar os corpos.

Agora, em vez de se acumularem, os corpos estão sendo perdidos, levando centenas de famílias a vasculhar por hospitais municipais, necrotérios e cemitérios, agravando as tensões políticas com o governo central.

Em 11 de abril, a prefeita de Guayaquil, Cynthia Viteri, tuitou para o vice-presidente Otto Sonnenholzner, pedindo que ele revelasse onde estavam os corpos desaparecidos. Na semana passada, a cidade recebeu uma resposta parcial quando os corpos de 131 pessoas não identificadas foram encontrados em contêineres do lado de fora de um hospital local.

Kony Martillo acredita que sua avó, Rosa Elena Alvarado, está em um daqueles contêineres.

Quando Alvarado, de 82 anos, começou a ter problemas para respirar, no fim de março — sua família achou que isso tinha a ver com um desconforto estomacal —, Martillo a levou para uma clínica. Lá, os funcionários disseram que não tinham oxigênio disponível e as mandaram embora.

Com a dificuldade de Alvarado para respirar aumentando cada vez mais, elas foram para o Guasmo Sur General Hospital. Alvarado morreu enquanto aguardava para ter os sinais vitais registrados na estação de triagem. Martillo conta que os funcionários do hospital levaram o corpo dela sem se importarem em registrá-la.

Martillo, de 21 anos, se apressou para conseguir o atestado de óbito de Alvarado ("pneumonia por coronavírus", está escrito), comprar um caixão e recorrer à ajuda de uma funerária para tentar recuperar o corpo de sua avó. Depois que isso foi feito, a tia de Martillo voltou ao hospital e começou a procurar pelo corpo de Alvarado no necrotério. Lá, ela se deparou com uma cena caótica: pessoas chutando os corpos à medida que passavam por cima deles tentando identificar seus próprios parentes falecidos. Um cheiro repugnante enchia a sala. A polícia os dispersou, Martillo disse que sua tia contou a ela.

Depois de alguns dias, Martillo retornou ao hospital em outra tentativa de recuperar o corpo de Alvarado. Para sua surpresa, os funcionários contaram a ela que os restos mortais tinham sido levados para um cemitério próximo, mas, quando Martillo chegou no local, o responsável disse que a ela que o nome de Alvarado não constava da lista dos corpos que estavam lá.

Martillo foi para casa e digitou a identidade de Alvarado em um site do governo cuja finalidade é listar a localização dos falecidos recentemente. Ele retornou em branco.

"Minha avó está perdida", disse Martillo, "e temos muitas perguntas". O caixão que ela comprou está juntando poeira na casa de um vizinho. A família, enquanto isso, está esperando por um antropologista realizar testes de impressão digital nos corpos encontrados nos contêineres para ver se um deles corresponde ao corpo de Alvarado.

Não sabemos por que Guayaquil tem sido tão duramente atingida pelo coronavírus. O governo do Equador fechou suas fronteiras para viajantes estrangeiros em 14 de março e alguns dias depois declarou toque de recolher em todo o país. Viteri foi ainda mais rigorosa, bloqueando a pista do aeroporto da cidade e forçando vários voos comerciais da Europa, que deviam pegar espanhóis retidos, a retornar e pousar na capital, Quito.

Ainda assim, o Equador tem algumas das maiores taxas de contágio e morte na América Latina. Havia 31.881 casos confirmados e 1.569 mortes, de acordo com o Ministério da Saúde

Dada a limitação dos testes e a inabilidade do estado em registrar apropriadamente os mortos, o número de mortos é provavelmente muito maior. Em Guayas, a província onde Guayaquil está localizada, havia 8.288 mais mortes em abril do que é esperado durante "períodos normais", segundo dados oficiais.

Enquanto isso, Guayaquil continua a estabelecer um exemplo de como não lidar com a crise sanitária. No mês passado, um hospital local ficou sob investigação depois que disseram aos familiares de Alba Maruri que a mulher de 74 anos tinha morrido enquanto estava na unidade de terapia intensiva e entregaram-lhes seus restos mortais. Dias depois, funcionários do hospital foram até a casa da família e disseram a eles que houve uma confusão: Maruri ainda estava viva.

Famílias atingidas continuam a busca por seus entes queridos pela cidade. Várias vezes ao dia, Orellana atualiza o site do governo que lista as localizações dos mortos, e nada. Ele foi ao cemitério onde ouviu que as pessoas que morreram em casa foram levadas e nada. Sua esposa foi ao necrotério e ao hospital, e nada.

É como se o corpo de sua mãe tivesse evaporado. "Imagine como é isso", ele disse. "Estamos arrasados."

Orellana não desistirá de procurar até encontrar sua mãe. E, então, ele vai mandar exumá-la, disse. Ele precisa se certificar de que a cruz que colocou no peito dela ainda está lá, para que saiba que é realmente ela.

Este post foi traduzido do inglês.

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