Estas fotos poderosas registram a vida de americanos negros no século 20

    "Parece que algumas destas imagens foram tiradas no ano passado."

    Gordon Parks é um fotógrafo cujo nome é sinônimo de genialidade artística e perseverança em meio a uma era de intolerância e ódio. Parks ganhou destaque como um dos fotojornalistas mais proeminentes dos EUA e foi o primeiro fotógrafo negro contratado pela revista "Life". Embora suas fotos representem habilmente uma grande variedade de temas, algumas de suas imagens mais emblemáticas mostram aspectos da vida cotidiana de afro-americanos, aos quais seus colegas brancos simplesmente não tinham acesso. Por isso, Parks se tornou a voz de uma geração, capaz de registrar e contextualizar a experiência afro-americana em um momento em que muitos tentavam silenciar as vozes negras nos EUA.

    Uma exposição de seu trabalho, intitulada "Gordon Parks: I Am You", na Galeria Jack Shainman, em Nova York (EUA), reúne algumas de suas fotos mais emblemáticas. Por conta dessa mostra, o BuzzFeed News falou com Peter W. Kunhardt Jr., diretor-executivo da Fundação Gordon Parks, sobre as realizações de Gordon durante seus 93 anos de vida:

    O que Parks fez foi transcender todas as barreiras. Gordon Parks foi o primeiro fotógrafo afro-americano a trabalhar na equipe da revista "Life". Ele não permitiu que o racismo e a discriminação o atrapalhassem. Ele já sabia que tinha vocação criativa quando era apenas uma criança no Kansas, em uma pequena cidade chamada Fort Scott.

    Ele era o mais novo entre 15 filhos e sabia que tinha que estudar, embora não tenha terminado o ensino médio. Analisando sua vida, já mais velho, ele percebeu que a melhor coisa que fez foi pegar uma câmera em vez de uma arma. Sua arma escolhida foi uma câmera. Ele tinha que se expressar em outros formatos.

    Antes de ir parar na "Life" [revista], sua mãe morreu quando ele tinha 15 anos, e ele foi morar com sua irmã em St. Paul, Minnesota. Lá, ele teve uma briga feia com seu cunhado e acabou indo para a rua. Ele era um sem-teto na época e acabou se mudando para Chicago para trabalhar no sistema ferroviário. Foi aí que encontrou sua vocação, a fotografia.

    Ele trabalhou no Southside Community Art Center, revelando suas fotografias na câmara escura após o expediente. Em 1941, recebeu uma bolsa do Fundo Julius Rosenwald, tornando-se o primeiro fotógrafo a receber esse subsídio.

    Gordon teve uma explosão de criatividade quando foi para Washington, D.C., trabalhar na Farm Security Administration, com Roy Stryker. Foi quando ele tirou muitas de suas fotografias mais famosas. De lá, se mudou para Nova York e trabalhou por um tempo para a "Vogue", antes de ser contratado em tempo integral para a equipe da "Life".

    É interessante que, em seu período na "Life", ele teve que se provar não só como fotógrafo, mas também como negro. Como eu disse antes, ele era o único afro-americano na equipe. Então, eles usaram Gordon para ir a lugares que achavam que um fotógrafo branco não poderia ir — e ele sempre voltava com imagens muito marcantes.

    Quando Gordon foi fotografar gangues no Harlem, em Nova York, ele construiu relacionamentos que manteve ao longo de toda a vida. Red Jackson era um membro de gangue do Harlem e provavelmente foi uma das histórias mais importantes de Gordon Parks. Parks se tornou amigo dele e de sua família, e tudo isso antes de tirar uma única fotografia. Isso era algo que nenhum dos outros fotógrafos da "Life" poderia conseguir.

    Mais tarde em sua carreira, ao fotografar Muhammad Ali, Parks fotografou o boxeador quando ele estava saindo do ringue, com seu rosto castigado e seus olhos machucados. Gordon simplesmente destruiu os negativos depois que tirou as fotos. Elas eram um desserviço tão grande para Ali que ele pensou: "Não posso mostrar essas fotos para o mundo." Ele era humanitário e tinha muito respeito por todas as pessoas retratadas. De certa forma não era apenas a notícia do dia; era uma história da "Life" (vida, em português).

    De repente, a "Life" percebeu que esse cara realmente sabia o que estava fazendo. Ele podia tirar fotos de moda, gangues do Harlem, artistas, tudo. Quando Gordon se estabeleceu melhor na comunidade da revista, ele também começou a escrever, tornando-se um escritor para a publicação, além de fotógrafo. Isso o levou a assumir um cargo sênior na hierarquia da revista. Ele continuou fazendo isso por várias décadas e depois se tornou um cineasta, produzindo uma autobiografia, "Com o Terror na Alma". Depois, ele dirigiu o filme "Shaft", na década de 1970. A vida de Gordon Parks foi multifacetada e ele continuou escrevendo, dirigindo filmes e fotografando até o fim de sua vida.

    Eu conhecia Gordon muito bem. Meu avô foi editor-chefe da revista "Life" e trabalhou com ele em muitas de suas missões, então cresci conhecendo Gordon muito bem como um amigo da família. Todos os livros dele no meu escritório estão assinados: "Tio Gordon". Ele sempre esteve presente em nossas vidas.

    Infelizmente, ele e meu avô morreram com um intervalo de duas semanas. Foi muito difícil porque os dois eram muito importantes na minha vida. Com isso, administrar essa fundação tem sido importante para mim por vários motivos, porque isso é algo que eu prometi para Gordon que daria certo.

    A fundação foi formada pouco depois para preservar o trabalho de sua vida — suas fotografias, seus filmes, suas músicas. Desde então, construímos a fundação em torno de todas as suas obras e passamos a última década preservando e catalogando o material. Preservamos aproximadamente 30.000 negativos, 10.000 impressões, sem contar os outros meios. Provavelmente também temos 15.000 folhas de material sensível.

    Com Gordon, você também precisa lembrar que ele viveu muito tempo e guardou tudo! Assim como as caixas e mais caixas de filmes, textos e material descartado — é um arquivo enorme.

    Muitos dos artistas contemporâneos na ativa hoje, principalmente os artistas afro-americanos, sentem que Gordon Parks abriu portas. Ele trouxe a justiça social à vida e mostrou que uma voz afro-americana pode e deve importar. O que Gordon fez foi derrubar essas barreiras.

    Nesse nível, tê-lo como uma metáfora do que veio antes e do que as pessoas podem fazer hoje é muito importante, mas também acho que, em um nível mais histórico, também é significativo ver que os tempos, na verdade, não mudaram. Muitas das fotos de Gordon relacionadas a crimes têm muito a ver com a brutalidade policial. Veja o momento em que vivemos hoje; parece que algumas destas fotos poderiam ter sido tiradas no ano passado. Existe muita relevância em seu trabalho, não apenas de sua história pessoal, mas também das pessoas retratadas.

    É por isso que muito de seu trabalho se encaixa tão bem dentro de museus e instituições de ensino, porque é multidisciplinar — você poderia estudar história afro-americana, história dos EUA, fotografia, raça, gênero, inglês.

    Gordon é um pouquinho de cada um.

    Para saber mais sobre a Fundação Gordon Parks, visite seu site em gordonparksfoundation.org ou siga-os no Instagram.


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    Este post foi traduzido do inglês.

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