Antes de os Estados Unidos darem "um grande salto para a humanidade", foram alguns corajosos cães da União Soviética que fizeram história no espaço e pavimentaram o caminho para os humanos em sua jornada pelo Cosmos.
"Space Dogs: The Story of the Celebrated Canine Cosmonauts" ("Cães espaciais: a história dos celebrados cosmonautas caninos", em tradução livre), novo livro do fotógrafo Martin Parr e do escritor Richard Hollingham, explora a história raramente contada dos cães soviéticos que foram enviados para o espaço em meados do século 20 como precursores dos voos espaciais tripulados. Cachorros como Belka e Strelka — as primeiras a fazerem a viagem de ida e volta — foram enviados para o espaço a fim de melhorar a compreensão de como um organismo vivo consegue sobreviver em um ambiente sem gravidade. Após seu retorno, essas pequenas astronautas foram festejadas como heroínas e, como é revelado no livro, alcançaram um nível de celebridade que rivalizava com a beatlemania dos anos seguintes.
Aqui, Hollingham compartilha com o BuzzFeed News a história fascinante e heroica de como esses cães fizeram a jornada para onde nenhum cachorro — ou humano, aliás — havia ido antes.
O que fazia dos cães os candidatos ideais para as primeiras viagens espaciais?
Richard Hollingham: É preciso entender que as pessoas não tinham ideia se os humanos conseguiriam sobreviver na ausência de gravidade do espaço. Essa era a questão principal.
Havia crenças de que as acelerações fariam o coração explodir, de que não daria para respirar e de que todo o metabolismo paralisaria na gravidade zero. Considerando que nós evoluímos como criaturas que vivem neste ambiente perfeito de 1G, alguns acreditavam que, sem ela, nossos corpos simplesmente falhariam.
Quase imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a União Soviética começaram a testar foguetes V-2 alemães e a desenvolver suas próprias tecnologias para foguetes. Não demorou muito para que ambos os lados, de forma independente e sem saber o que o outro estava fazendo, começassem a colocar animais dentro deles.
Inicialmente, você pode fazer voos com insetos — ou talvez possa começar com ratos, como os americanos fizeram. Todos esses animais retornaram ilesos, então, o próximo passo foi começar a entender os efeitos do espaço em algo um pouco mais parecido conosco. Os russos, que tinham histórico de utilizar cães em experimentos científicos, voltaram-se para os cachorros para fazer esse tipo de trabalho.
Os primeiros voos aconteceram no fim dos anos 1940 da Rússia stalinista, durante a primeira evolução das versões soviéticas dos foguetes V-2. Eles basicamente desmontaram o foguete V-2, implantaram nele seus próprios conhecimentos de foguetes e começaram a fazer voos com cães nos compartimentos superiores, onde as bombas eram colocadas.
Algum desses cachorros morreu?
RH: A intenção nunca foi matar cachorros. Eles os capturavam vagando nas ruas de Moscou. Normalmente, usavam fêmeas porque elas não precisavam levantar a perna para urinar. As cápsulas eram bem pequenas, então, era mais fácil assim. Os cães também eram bem-cuidados — eram amados, acho que é justo dizer, e submetidos a um treinamento muito extenso, dados os pequenos trajes espaciais, e aclimatados a esse ambiente.
Mas, inevitavelmente, um bom número deles morreu. Um foguete pode explodir. A reentrada pode falhar. É difícil dizer uma quantidade precisa de mortes porque nós não temos os números de todos os cães que foram para o espaço, mas cerca de metade deles não sobreviveu. No entanto, a intenção nunca foi essa; houve pouquíssimas ocasiões em que eles sabiam que os cães morreriam.
Como esses cachorros foram recebidos pelo público quando retornaram do espaço?
RH: O que é muito interessante é que o único cachorro que eles sabiam que não voltaria era Laika, que foi o primeiro animal a entrar em órbita. Após o lançamento do Sputnik 1, o primeiro satélite (em 1957), eles eram capazes de enviar um cachorro para o espaço, mas não de trazê-lo de volta. Então, quando fecharam a cápsula do Sputnik 2, sabiam que Laika morreria.
A intenção era que ela morresse na cápsula em paz e sem sofrimento. Infelizmente, da forma como aconteceu, a cápsula superaqueceu e ela provavelmente teve uma morte bastante dolorosa. Eu mencionei isso devido à forma como Laika foi representada na cultura depois disso — ela frequentemente é retratada de maneira estoica. É quase como se representasse a pátria. Todas as imagens são bem nobres e sérias.
Mas, quando falamos de Belka e Strelka, as primeiras cachorras a orbitar a Terra e voltar em segurança para o solo (em 1960), as pessoas vão à loucura! Há decorações de Natal, maços de cigarro, insígnias e relógios de parede, espaçonaves de brinquedo, saleiros e relógios de pulso. Elas se tornaram grandes celebridades.
Os animais ainda são enviados para o espaço hoje em dia?
RH: O que é realmente importante aqui é lembrar que esses voos com cães não foram em vão. Tudo, de Laika a Belka e Strelka, e até cães posteriores — tudo o que foi aprendido enriqueceu o programa espacial humano. Todos os astronautas de hoje devem o que nós sabemos sobre sobreviver na ausência de gravidade... ao pioneirismo involuntário desses cães espaciais. Dito isso, ninguém mais faz voos com cães; também não fazem voos com chimpanzés, que foi o que os Estados Unidos fizeram, embora ratos e insetos ainda sejam usados no espaço.
A realidade é que a maioria dos experimentos agora são feitos com humanos. Recentemente, Scott Kelly passou um ano inteiro na Estação Espacial Internacional. Cada astronauta no espaço passa por exames de sangue, biópsias musculares e se envolve em pesquisas. Então, os experimentos agora mudaram para a realização de pesquisas propriamente ditas em seres humanos no espaço, mas nós ainda temos uma grande dívida com o trabalho pioneiro desses cães espaciais.
Este post foi traduzido do inglês.