Há um mês, o editor-chefe aposentado do "Guardian", Alan Rusbridger, escreveu uma coluna sobre a cobertura da mídia britânica sobre o duque e a duquesa de Sussex que, na minha opinião, é uma leitura obrigatória para todos que seguem a realeza — particularmente este trecho:
Quase tudo o que achamos que sabemos sobre esse casal é filtrado pelos jornalistas. É extraordinariamente difícil julgar a confiabilidade da maioria das reportagens reais, porque esse é um mundo quase desprovido de fontes abertas ou identificadas. Portanto, para acreditar no que nos dizem, precisamos confiar que atualmente existem legiões de "assessores", "membros do palácio", "amigos" e "cortesãos mais velhos" constantemente enviando mensagens via WhatsApp para seus repórteres favoritos com as fofocas mais recentes. Sabe-se que isso acontece. Talvez seja verdade, talvez não. Simplesmente não sabemos.
Uma coisa que sabemos é que, até agora, em 2020, houve duas reportagens muito específicas baseadas em vazamentos confiáveis desses tipos de fontes para um repórter em particular, Dan Wootton, o editor executivo do tabloide britânico The Sun. Ambas reportagens forçaram a família real a revelar notícias bombásticas prematuramente, e, do ponto de vista da monarquia, em um momento indesejável. E as duas reportagens citaram Harry e Meghan de uma maneira particular.
A primeira foi a reportagem exclusiva de 7 de janeiro do Sun, citando “companheiros” e “amigos” do casal, bem como “cortesãos”, alegando que Harry e Meghan estavam planejando se mudar para o Canadá e que até mesmo abandonariam seus títulos de Sua Alteza Real. No dia seguinte, o duque e a duquesa de Sussex confirmaram que isso era basicamente verdade.
Mas a reportagem do Sun não apenas divulgou as notícias sobre os planos de Harry e Meghan, como citou fontes que sugeriam que uma das razões para eles abrirem mão do título era um pouco... mesquinha.
Um "amigo" disse a Wootton que o casal achou que tinha "ficado muito claro" que eles "não eram essenciais para" os planos futuros da monarquia. Por quê? Porque a conta oficial da família real no Instagram postou uma foto de grupo da rainha, do príncipe Charles, do duque de Cambridge e do príncipe George (ou seja, os herdeiros diretos do trono) nas festividades de fim de ano. Depois que o duque e a duquesa de Sussex divulgaram sua declaração bombástica, esse detalhe do furo jornalístico do Sun foi aproveitado e divulgado pelos tabloides ("ESTA foto foi a gota d'água para Meghan e Harry?", perguntou o Daily Mail).
O segundo furo jornalístico do Sun/Wootton foi notícia da semana retrasada de que o neto mais velho da rainha, Peter Phillips, e sua esposa canadense, Autumn, estavam se separando. Embora eles nem estivessem envolvidos, a reportagem também destacou notoriamente Harry e Meghan.
No dia 10, Wootton publicou a reportagem dizendo que os Phillips estavam se separando após 12 anos de casamento e dois filhos. Esse é o primeiro divórcio na família mais próxima da rainha desde que dois casais, o príncipe Charles e a princesa Diana e o duque e a duquesa de York, separaram-se formalmente em 1996.
A reportagem inclui várias citações de "companheiros" anônimos de Peter e "amigos íntimos" do casal, que supostamente disseram a Wootton que Autumn (recentemente, está implícito) informou seu marido que ela "queria se separar", deixando-o "arrasado" e "em choque total", e deixando a rainha "chateada".
E então houve uma reviravolta.
O Sun não apenas deu a notícia — ele a deu de uma maneira que claramente escolhia um lado. Do jeito que suas fontes disseram, Autumn instigou a separação e "surpreendeu" o marido "devastado". A reportagem alega que esses "amigos próximos" acham que a mudança de Harry e Meghan para o Canadá "poderia ter acelerado a decisão chocante de Autumn", e diz que "há temores de que a mãe de dois filhos queira segui-los para o seu país natal, o Canadá".
Em uma citação direta ao Sun, um "amigo" disse: "Talvez [Autumn] tenha sido influenciada pela partida de Harry e Meghan. Será que ela pensou 'Se isso pode acontecer, eu também posso ir embora?' Isso pode ser injusto com ela, mas deve ser considerado."
E uma "fonte real mais velha" disse: a rainha "ficará abatida com isso, especialmente com todas as outras más notícias" (especificamente, "Harry e Meghan deixando o Reino Unido").
No dia seguinte, quando a reportagem de Wootton estampou a primeira página do segundo jornal de maior circulação do Reino Unido, os Phillips responderam emitindo uma declaração. Eles confirmaram a essência da história do Sun sem fazer referência específica a ela, mas deixaram bem claro que o casal continuará morando no Reino Unido com suas filhas.
O casal também diz explicitamente em sua declaração que a rainha e outros membros da família do casal foram informados sobre a separação em 2019, e a decisão do divórcio "surgiu após muitos meses de discussões".
Mas a reportagem do Sun é escrita de uma maneira que a faz parecer uma separação recente — e, especificamente, uma que aconteceu na sequência do que os tabloides estão chamando #Megxit. Como o casal confirmou que esse não é o caso, por que Harry e Meghan foram mencionados na notícia?
Por exemplo, compare essa reportagem com a forma como o Express divulgou a notícia de que o sobrinho da rainha, o conde de Snowdon, David Armstrong-Jones, e sua esposa Serena, a condessa de Snowdon, planejam "amigavelmente" se divorciar após 26 anos de casamento. Sem drama e certamente sem conexão com Harry e Meghan.
Claro, as fontes podem estar erradas. Talvez Wootton apenas tenha recebido informações ruins sobre o motivo da separação dos Phillips. O fato é que as fontes do Sun na reportagem do divórcio estavam certas — tão certas que a declaração do casal foi forçada a confirmá-la, depois de mantê-la escondida da imprensa por meses. Além disso, como vimos, Wootton e o Sun são clara e incrivelmente bem-informados sobre as histórias reais. Um dia antes do British Academy Film Awards, ele deu a notícia em primeira mão de que o príncipe William faria um discurso sobre a falta de diversidade nos indicados à cerimônia de premiação.
Na minha opinião, o Sun fez uma escolha. Tecida com as palavras das fontes anônimas na reportagem de Wootton está uma narrativa específica. Uma segunda mulher não britânica e não real, casada com um membro da família real, causou uma desavença catastrófica — e ela pode ter sido inspirada pela primeira.
Então, por que a reportagem foi escrita dessa maneira?
Não sei ao certo, mas o próprio Wootton falou muito sobre cobrir a família real no passado. Quatro meses antes de dar a notícia de que o duque e a duquesa de Sussex estavam pensando em se mudar para o Canadá, ele disse algo interessante em seu programa talkRADIO. Ele estava falando sobre a reação da mídia contra a Meghan atuar como editora convidada da Vogue britânica, que alguns estavam chamando de hipócrita e racista:
“Obviamente, é muito mais fácil [para Meghan e Harry] culparem qualquer coisa desconfortável pelo racismo, em vez de abordarem o fato de que grande parte da negatividade em relação ao casal é proveniente da família real. A família real e os funcionários da família real são os que muitas vezes divulgam essas reportagens para a imprensa.”
E, é claro, um dos indivíduos anônimos citados na história de Wootton sobre o divórcio dos Phillips é descrito como uma "fonte real mais velha".
Então uma pessoa próxima o suficiente de Peter e Autumn para saber essa notícia particular e dolorosa há algum tempo conversou com Wootton e o Sun? E eles deliberadamente alimentaram a notícia da separação de uma maneira que sugeria que havia uma conexão entre o colapso do casamento dos Phillips e o colapso do relacionamento do duque e da duquesa de Sussex com a família real?
Ou foi porque os nomes de Harry e Meghan são muito mais interessantes e recebem muito mais cliques do que os nomes de um casal em processo de divórcio — que por acaso faz parte da família real?
Como Rusbridger disse: "Nós simplesmente não sabemos."
Este post foi traduzido do inglês.