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Fazer 26 anos pode ser uma condenação à morte para quem tem diabetes tipo 1 nos EUA

Obrigados a sair dos planos de saúde de seus pais e enfrentando os altos preços da insulina, jovens adultos buscam no mercado negro o medicamento que os mantém vivos.

No dia em que Jathan Laverty completou 26 anos, ele estava trabalhando em uma cafeteria em Columbus, Ohio, e atuando de freelancer como técnico de eventos corporativos, na esperança de entrar para a indústria de planejamento de eventos. Esse aniversário transformou essa busca por um emprego em tempo integral em algo urgente.

Laverty tem diabetes tipo 1 e, a partir daquele dia em 2017, ele não era mais elegível para cobertura do plano de saúde de seus pais. Ele se viu precisando de medicação para viver pela qual ele não podia pagar.

"É uma necessidade humana para mim", Laverty, agora com 28 anos, disse ao BuzzFeed News. "Para mim, é vida ou morte toda vez que eu tomo ou não insulina."

Laverty enfrenta um problema exclusivo de muitos millennials com diabetes tipo 1 que foram excluídos dos planos de saúde de seus pais. O preço da insulina, o medicamento que os mantém vivos, triplicou nos EUA de 2002 a 2013 — e um estudo recente apontou que, de 2012 a 2016, seu custo médio anual passou de US$ 3.200 para US$ 5.900.

Esse é um preço impossível para uma geração que ainda sente os efeitos da crise financeira de 2008 e que está sobrecarregada com enormes dívidas de empréstimos estudantis e custos crescentes de moradia. Estudos mostram que os millennials americanos estão muito piores financeiramente do que as gerações anteriores, com um patrimônio líquido médio abaixo de US$ 8.000.

O resultado é que esses jovens adultos estão racionando, estocando e recorrendo ao mercado negro para obterem o medicamento que precisam para se manterem vivos — medidas incrivelmente arriscadas e desesperadas que podem resultar em danos ou morte a longo prazo.

Cerca de 1,25 milhão de americanos têm diabetes tipo 1, um distúrbio no qual o sistema imunológico ataca o pâncreas e interfere na capacidade do corpo de absorver energia dos alimentos.

Pessoas com diabetes tipo 1 são dependentes de vários tipos de insulina para sobreviverem, porque a doença interrompe a capacidade do pâncreas de produzir a substância química, a qual regula a quantidade de açúcar no sangue. Sem a insulina, as células não conseguem absorver o açúcar, e o corpo é forçado a quebrar rapidamente as células de gordura para usá-las como fonte de combustível de reserva. Isso desidrata o corpo, acidifica o sangue e leva a uma complicação com risco de vida chamada cetoacidose diabética (CAD).

A maioria das pessoas com diabetes tipo 1 toma pelo menos dois tipos de insulina: um tipo de ação longa, tomado diariamente e que libera constantemente a insulina, e um tipo de ação rápida, tomado antes ou depois de comer. A quantidade de insulina que uma pessoa com diabetes tipo 1 precisa varia consideravelmente dependendo da idade, peso, comida ingerida, condicionamento físico, doença, estresse e, para as mulheres, se elas estão menstruando ou ovulando.

Na verdade, muitos endocrinologistas receitarão insulina a mais para que os pacientes tenham o suficiente para situações de emergência.

Toda essa medicação é cara. Laverty disse que, em 2017, sua insulina custou a ele cerca de US$ 950 por mês sem a cobertura do plano de saúde de seus pais. Então ele começou a racionar. Ele tomava apenas o que podia comprar, o mínimo que precisava para sobreviver.

"Eu estava tomando metade da minha medicação que eu precisava tomar", disse ele.

Laverty começou a pular refeições para não precisar usar uma dose de sua insulina de ação rápida, e diminuiu a quantidade de insulina em cada injeção que aplicava em si mesmo. Os efeitos foram imediatos. Seus níveis de energia caíram, deixando-o irritado e cansado, e em constante estado de desconforto. Ele não conseguia dormir, estava sempre com sede e precisava urinar constantemente.

"Isso definitivamente me afetou", disse. Ele viveu assim por quatro meses até conseguir emprego em tempo integral em uma empresa que oferecia benefícios médicos completos.

Esse tipo de racionamento pode ter sérios efeitos a longo prazo para as pessoas com diabetes tipo 1, disse Simeon Taylor, pesquisador e professor de diabetes da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland.

"Você provavelmente pode evitar a morte rápida", disse ele. "Mas você fica suscetível a complicações a longo prazo, como cegueira, insuficiência renal e amputações. Se você não se trata da maneira ideal, também corre um risco maior de crises de curto prazo."

Para o filho de Nicole Smith-Holt, Alec, a situação foi mortal. Alec morreu de CAD em 2017, um mês depois de completar 26 anos e ser excluído do plano de saúde de sua mãe. Ele não podia comprar insulina e estava racionando o pouco que tinha sobrado.

Em agosto, Nicole testemunhou perante o Senado dos EUA sobre a história de seu filho, e o que ela chamou de “crise dos preços dos medicamentos farmacêuticos”. Nicole disse ao BuzzFeed News que tem ouvido "muitas pessoas" com histórias como a de Alec. Um estudo de dezembro publicado na Journal of the American Medical Association revelou que 1 em cada 4 pessoas com diabetes tinha racionado sua insulina por causa dos altos custos.

"As pessoas entram em contato comigo diariamente", disse Nicole. "Tanto os pais de jovens adultos como os próprios jovens. Eles têm medo do que vai acontecer. Eles estão com medo de completar 26 anos."

Ser excluído do plano de saúde dos pais por causa da idade sempre foi um problema para os jovens americanos com condições de saúde crônicas. Mas, desde que o Affordable Care Act (Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente) de 2010 permitiu que os jovens permanecessem no plano de saúde dos pais até os 26 anos de idade, tem existido um prazo limite universal.

Louis Philipson, diretor do Centro de Diabetes Kovler da Universidade de Chicago, disse que vê muitos pacientes adultos jovens com diabetes tipo 1 vivendo com medo desse prazo limite.

"Eles estão no plano de saúde de seus pais agora, mas alguns estão em trabalhos temporários, mudando de um emprego para outro quando começam suas vidas, eles podem não ter um emprego com plano de saúde que cubra sua insulina, ou seu emprego pode não oferecer nenhum plano de saúde, ou é um emprego com plano de saúde, mas com franquia alta", disse ele.

O aumento do custo das franquias — o valor anual que um paciente deve desembolsar antes que o seu plano de saúde comece a pagar — é um problema para todos os americanos. Uma análise nacional abrangente publicada em maio mostrou que as franquias em planos de saúde pagos pelo empregador quadruplicaram nos últimos 12 anos e, em média, mais de US$ 1.300. Planos com franquias elevadas também são comuns para aqueles que optam pela cobertura por meio das bolsas estaduais estabelecidas de acordo com o Affordable Care Act, e essas franquias podem ser ainda maiores do que aquelas com planos pagos pelo empregador. Em 2018, a franquia média para o tipo mais popular de plano na bolsa era de quase US$ 4.000. O custo da franquia é adicional ao custo do pagamento mensal.

Ao serem excluídos do plano de saúde de seus pais, os jovens adultos recebem um período especial de registro de 60 dias após seu aniversário para assinarem um novo plano. Mas alguns jovens adultos com diabetes tipo 1 têm dificuldade em comprar seus remédios, mesmo com plano de saúde pago pelo governo.

"Eu fui atrás disso", Laverty disse sobre o plano de saúde do governo. "Mas seria tão estupidamente caro que não valeria a pena."

Ele disse que os planos que conseguiu encontrar possuíam franquias tão altas que ele achava que provavelmente encontraria um emprego em tempo integral com benefícios antes de atingir sua franquia. Nesse intervalo, ele estaria pagando o preço de tabela pela insulina durante aquele período intermediário, com ou sem o plano de saúde do governo.

"O primeiro mês [de medicação] sozinho poderia ser US$ 1.000 ou até mais", disse Philipson. “Isso destrói orçamentos, força as pessoas a situações insustentáveis: você tem que escolher entre aluguel e insulina.”

“Fazer 26 anos gera um medo de que você gastará US$ 500 por mês, US$ 5.000 a US$ 6.000 por ano para se manter vivo”, disse Philipson. "Isso não é uma opção. A diabetes tipo 1 é uma doença fatal se você não tiver insulina."

O prazo limite está se aproximando para Allie Marotta, uma jovem de 25 anos que mora no Brooklyn.

"Sou uma atriz de teatro independente, não tem plano de saúde nessa carreira", disse ela.

Allie está planejando conseguir um emprego com um bom plano de saúde, ou comprar o plano do governo. No entanto, ela está "se preparando para ficar sem plano por um tempo, já que ambas as coisas demoram um pouco". Então, com a ajuda de sua endocrinologista, ela tem começado a estocar insulina.

A médica de Allie tem lhe dado amostras de insulina do estoque que os consultórios de endocrinologia mantêm em mãos para emergências e para ensinar aos pacientes recém-diagnosticados como se autoadministrar. Allie disse que sua endocrinologista também está receitando insulina extra para ela.

"Ela está, tipo: 'Vamos deixá-la bem abastecida o máximo possível por enquanto, para que você possa aguardar esse tempo um pouco melhor''', disse Allie.

Allie também está tentando conseguir que sua fornecedora de plano de saúde atual a aprove para um monitor contínuo de glicose, um dispositivo implantado sob a pele que lê constantemente os níveis de açúcar no sangue de uma pessoa.

"Eu tinha um na faculdade, e é muito bom", disse ela. “Eu não adoro ter algo ligado a mim o tempo todo, mas eu quero voltar a usar um para que eu possa estar com meu nível [de açúcar no sangue] realmente perfeito, sabendo o máximo que puder sobre minhas tendências para estar mais preparada para esse período de incerteza.”

Mesmo ela tendo atualmente um plano de saúde, Allie ainda raciona a insulina. Ela compra regularmente apenas um dos dois tipos de que precisa, porque não pode pagar pelos vários medicamentos exigidos, consultas médicas e uma bateria de exames que acompanham cada visita à sua endocrinologista.

Isso é arriscado, mas Allie disse que está gastando quase metade de sua renda em empréstimos estudantis e aluguel. Ela não tem escolha.

O preço de tabela de um suprimento mensal de insulina de ação longa de Allie, de acordo com um recibo que ela forneceu ao BuzzFeed News, é de US$ 740,99. Seu pagamento dentro do plano de saúde atual e de US$ 10.

Pessoas com diabetes tipo 1 também precisam pagar por vários suprimentos caros para ajudar a controlar sua doença. Pacientes que não conseguem pagar por eles não testam regularmente seus níveis de açúcar no sangue, confiando na resposta do corpo para determinar a quantidade de insulina que precisam. Eles também reutilizam suprimentos médicos de uso único, como lancetas, que picam os dedos para testar o açúcar no sangue, e agulhas para injetar insulina, apesar do risco de infecção.

"Esse é um dos principais pontos do racionamento sobre o qual as pessoas não falam, e muitas pessoas fazem isso", disse Allie.

Laverty disse que embora ele não seja mais obrigado a racionar sua insulina, ele regularmente raciona suprimentos para manter os custos baixos. Ele disse que muitas vezes reutiliza uma lanceta “por semanas ou meses”, até a lanceta ficar tão cega que não fura mais a pele.

"Isso se torna cada vez mais desagradável e deixa um furo maior, mas me economiza muito dinheiro", disse ele.

Ele acrescentou que deveria usar uma nova ponta de agulha para sua caneta de insulina toda vez, mas limita-se a uma por dia porque ficou "cara demais". Ele estimou que se medica entre cinco e oito vezes por dia, com cada dose se tornando mais dolorosa. Antes de mudar para as canetas, ele reutilizava seringas e agulhas para injetar insulina. Ele compartilhou uma foto com o BuzzFeed News de uma agulha usada que dobrou e quebrou dentro de seu corpo durante uma injeção regular.

Às vezes, devido a circunstâncias fora de seu controle, as pessoas com diabetes tipo 1 são forçadas a optar por opções arriscadas. Em 2017, Julia Wyrzuc, de 24 anos, de Linden, Nova Jersey, teve que se virar depois que um erro administrativo deixou sua família sem cobertura do plano de saúde por cinco meses.

Ela tinha um pequeno excedente de insulina armazenado e também conseguiu obter amostras de um amigo da família que trabalhava em um consultório de endocrinologia. No entanto, quando ficou claro que a resolução da questão do plano de saúde levaria meses, e não semanas, ela teve que encontrar uma solução mais definitiva. Em julho de 2017, ela se voltou para o mercado negro.

Ela comprou 10 frascos de insulina por US$ 1.000 "de um cara que tinha um plano de saúde muito bom", disse ela. Não era um preço "terrível" e era mais barato do que Julia teria pago pelo preço de tabela. Ela estava usando insulina desse estoque quando, alguns meses depois, entrou em “CAD grave”.

"Eu nunca me senti tão mal na vida", disse Julia. "Eu fiquei vomitando por 12 horas, não conseguia nem beber água."

Julia foi hospitalizada, passando cinco dias na UTI. Seus médicos especularam que ela havia tomado um "lote ruim" de insulina que possivelmente havia superaquecido em algum momento.

Felizmente, seus pais tinham resolvido a questão do seguro “literalmente duas semanas” antes que isso acontecesse, e Julia pôde retomar seu regime de tratamento regular.

Mesmo quando pacientes jovens com diabetes garantem seu próprio plano de saúde, eles podem enfrentar problemas.

Hannah Sumner, de 26 anos, de Soperton, Geórgia, voluntariamente saiu do plano de saúde de seus pais antes de ser obrigada, o que ela descreveu como "o maior erro de sua vida".

"Consegui um emprego que oferecia plano de saúde, e queria me responsabilizar por isso sozinha", disse ela ao BuzzFeed News. “Eu tenho uma filha de 6 anos de idade. Eu estava tentando ser mais adulta.

O plano do banco onde ela trabalha tem uma ótima cobertura — para tudo, exceto diabetes. Sua operadora de plano de saúde recentemente também parou de cobrir sua marca de insulina, forçando-a a mudar para uma marca considerada equivalente. A nova insulina, disse ela, a deixa mal, mas ela não pode se dar ao luxo de voltar para a antiga, e tem que lidar com os sintomas.

Hannah disse que seu farmacêutico permite que ela coloque a maior parte de sua franquia, que segundo ela está em torno de US$ 225 a US$ 250, em uma conta de crédito no início do ano, para que ela possa comprar sua insulina. Ela paga a conta mensalmente, mas às vezes as finanças dela estão tão sobrecarregadas que ela nem consegue pagar a participação do plano.

"Tem períodos do mês em que eu não tenho US$ 50", disse ela.

Nesses meses, seu farmacêutico, um amigo da família "incrível" que a conhece desde a infância, permite que ela adicione sua participação do plano à sua conta de crédito.

Mesmo com esse acordo “incrivelmente de sorte” com seu farmacêutico, Hannah disse que racionou no passado por razões financeiras, e atualmente está racionando para que ela possa ir para o seu trabalho sem sentir-se mal com sua nova insulina.

"Eu não vou poder trabalhar um dia por causa dessa doença, e eu quero trabalhar agora", disse ela.

A doença de Hannah pesa muito sobre ela, especialmente como mãe.

"É claro que você tem aquele medo de passar mal e morrer", disse ela. "Eu ensinei minha filha como lidar com isso, como ligar para a emergência."

Muitos daqueles que falaram com o BuzzFeed News disseram que, devido ao custo da insulina, foram obrigados a seguir carreiras que oferecem segurança no trabalho e cobertura extensiva de benefícios de saúde, como a enfermagem.

Uma adolescente, Brooke Raper, de Houston, disse que sua diabetes tipo 1 é um fator que ela é forçada a considerar quando decide o que quer fazer com sua vida. Ela se sente muito pressionada para ser bem-sucedida financeiramente.

"Eu gostaria de seguir uma carreira criativa, mas isso pode não oferecer um plano de saúde estável — eu tenho que ter uma renda estável", disse ela. "Sempre que o custo [da insulina] me afetar, sei que isso será um grande fardo."

Laverty disse que descobriu que ele tinha diabetes tipo 1 aos 21 anos, forçando-o a mudar sua vida inteira. Ele estudava iluminação teatral, e sonhava em trabalhar um dia em uma turnê da Broadway. Mas ele mudou seus planos e agora trabalha em eventos corporativos por causa da cobertura do plano de saúde estável.

“Percebi que eu tinha que ter um plano de saúde para continuar vivo, que eu precisava mudar minha carreira para ter plano de saúde. Um 'roadie' nem sempre tem isso.”

Sem o plano de saúde, Laverty teria pago cerca de US$ 8.900 pela sua insulina em 2018, de acordo com recibos que ele mostrou ao BuzzFeed News. Incluindo sua franquia de US$ 1.200, o custo que saiu do seu próprio bolso pela sua insulina anual foi de US$ 1.654,96.

As pessoas com diabetes tipo 1 entrevistadas disseram que não importa o quanto elas tentem ser espertas em lidar com a doença: nenhum planejamento pode aliviar o sentimento de incerteza que vem com a exclusão pela idade do plano de saúde de seus pais.

"Obviamente, isso é uma droga", disse Allie Marotta. "Ser pós-graduada, descobrir sua carreira — tudo isso é uma loucura para começar, e então adicionar a camada de preocupação com assuntos médicos e ter uma situação de vida ou morte, literalmente uma situação de vida ou morte, o tempo todo. Não deveria ser tão difícil. Você vê outros países fazendo isso, e não é tão difícil. Não há razão para que isso seja assim." ●

Este post foi traduzido do inglês.

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