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Eu passei dois dias aterrorizantes preso em Belarus

Uma eleição fraudada levou a uma semana de protestos em Belarus, onde o regime do presidente Alexander Lukashenko empregou violência e medo para manter o poder.

A man in military-style gear and a mask gestures to a man lying shirtless, facedown on the ground.

KIEV – "Que Deus impeça vocês de levantarem as suas cabeças."

Com essas palavras, o oficial grandalhão mascarado bateu a porta com força. Seguindo suas ordens, uns 20 de nós ficamos ajoelhados em agonia no assoalho de aço do veículo de transporte militar, com os rostos pressionados contra os assentos, enquanto éramos levados a um destino desconhecido.

O ar quente de agosto estava pesado, de tanto suor e medo. Eu me perguntava se veria meus pais de novo.

Para qualquer pessoa nas ruas de Minsk e outras cidades do país, o som da Belarus de Alexander Lukashenko foi substituído pelo clamor de multidões exigindo a destituição dele, eleições justas e um país mais livre.

Mas, para mim, e para os milhares de outros detidos na semana passada, é uma bota de combate chutando as costelas de alguém. Ou os gritos de uma pessoa se contorcendo de dor.

A julgar pelos horrendos relatos de abusos policiais em Belarus, minha experiência estava longe de ser a pior. Mas dois dias de detenção foram suficientes para entender o que manteve os bielorrussos intimidados e submissos por tantos anos — e por que isso está mudando agora.

Enquanto a raiva borbulhava nessa nação pós-soviética de 9,5 milhões de habitantes após uma eleição desajeitadamente fraudada, que deu ao ex-chefe de fazenda coletiva um sexto mandato, fui sugado para o coração sombrio do brutal aparato de segurança que ajudou a mantê-lo no poder desde 1994.

Detenções aleatórias. Espancamentos cruéis. Abuso psicológico. Empregados sem o menor pudor nos dias seguintes à eleição totalmente falha de Lukashenko, esses elementos testados pelo tempo de um estado de segurança autocrático podem acabar resultando em sua ruína.


Ansioso para ver o desenrolar da eleição, eu esperava obter o credenciamento antes de chegar a Minsk no sábado passado. Como a grande maioria de meus colegas correspondentes estrangeiros, meu pedido foi ignorado. Mas, com as passagens já em mãos, viajei a Belarus mesmo assim, com a intenção de observar — a uma distância razoavelmente segura, imaginei — como os acontecimentos transcorreriam.

Não fiz entrevistas, não publiquei nada e fiquei quase sempre fora das redes sociais. Como um turista em uma capital-modelo maravilhosamente reconstruída, caminhei por suas avenidas majestosas e calçadas impecáveis, observando e esperando sinais de agitação.

Até que, por fim, chegou a noite de domingo. Depois que os resultados preliminares deram a Lukashenko inacreditáveis 80% dos votos, os bielorrussos inundaram as ruas do centro de Minsk, o que resultou em vários confrontos entre a polícia e os manifestantes, inclusive em frente ao meu prédio. Depois de sair brevemente para ver a temida tropa de choque apertar o controle da avenida principal, eu silenciosamente me retirei de volta para meu apartamento.

A noite seguinte foi um pesadelo.

Por volta das 19h, uma estranha calmaria tomou conta da cidade, à medida que moradores e autoridades, de forma apreensiva, aguardavam mais tumulto. Caminhando em direção a um parque próximo aos confrontos da noite anterior — sem sinais de formação de protestos —, fui abordado por um grupo de policiais de preto, conhecidos pela sigla "OMON".

Com balaclavas no rosto e o corpo coberto de camadas de fardas e blindagem, seus olhos frios e violentos eram o único sinal de que havia um humano por baixo.

"Aonde você vai?", perguntou um deles. "Por que você está com as mãos nos bolsos?", gritou outro. Várias outras perguntas foram direcionadas a mim. Eles não queriam respostas; eles estavam procurando desculpas para me deter.

Poucos segundos depois de descobrirem que eu era um americano que tinha chegado da recém-revolucionária Ucrânia — um potencial presente de propaganda para um autocrata obcecado com a suposta intromissão estrangeira —, fui jogado em um veículo de transporte de prisioneiros sem janelas estacionado ali perto.

Em questão de meia hora, éramos seis ou sete ocupando o espaço do tamanho de uma cabine de banheiro, com os corpos estranhamente espremidos.

Fomos levados à delegacia do distrito de Pervomaisk, arrastados para o pátio e colocados de cara para a parede com a cabeça baixa, as pernas abertas e as mãos atrás das costas. Daí, começaram a perguntar nossos nomes e datas de nascimento. Quem não estivesse ereto o suficiente levava um soco nas costelas ou um chute no joelho.

Quando chegou minha vez, eu disse calmamente que era um cidadão americano. "Quem se importa?", grunhiu o oficial.

Officers wearing face masks approach a woman with a camera and other professional gear.

Em seguida, nos empurraram para o ginásio, pegaram nossos pertences e nos catalogaram novamente. Certo jovem teve o azar de estar portando uma lata de spray de pimenta, e os oficiais da tropa de choque o espancaram sem parar, enquanto ele gemia de agonia, gritando: "Por que você precisaria disso?"

Seu corpo absorveu os golpes como um saco de areia estourando nas costuras.

Nas horas seguintes, já havia dezenas de pessoas dentro do ginásio. Quando a tropa de choque voltou às ruas, recebemos ordens dos guardas locais — bem menos severos, embora em sua maioria sem se preocupar com nosso conforto — para sentar em uma saliência estreita de madeira ao longo da parede, com a cabeça baixa e as mãos nos joelhos. Por fim, consegui convencê-los a me deixarem deitar no chão, já que eu estava fazendo uma careta de dor por causa de uma antiga lesão nas costas.

Mais tarde, me permitiram ficar em uma esteira de luta livre do outro lado do ginásio. Isso ajudou a polícia a me acompanhar como o único americano, talvez me poupando das surras que se abateram sobre os outros.

De vez em quando, os guardas distribuíam garrafas de dois litros de água entre os detidos. Alguns pedidos para ir ao banheiro eram atendidos, outros ignorados. Ao longo da noite, fomos chamados um por um — muitos ensanguentados ou mancando de dor — para preencher nossos formulários de prisão. Todos nós fomos acusados ​​de infração administrativa por participar em manifestação não sancionada, com pena máxima de 15 dias de prisão.

Em algum momento no meio da noite, a OMON entrou com tudo no ginásio, visivelmente agitada e cheia de ódio depois de uma provável noite de brigas de rua no centro da cidade. No estado policial de Lukashenko, eles são a ponta da lança — capangas submetidos a lavagem cerebral e com desejo de violência que equiparam até a mais leve dissidência à traição. Seu único objetivo é encher os corações dos cidadãos de medo.

Naquela noite, eram eles que ditavam as regras.

Eles nos forçaram a nos levantar e a ficar de joelhos, com as mãos atrás das costas e as cabeças pressionadas contra o chão. Ficamos aterrorizados à medida que os oficiais andavam pelo ginásio, em meio a uma série de palavrões e ameaças, como predadores farejando suas presas. O pisotear de suas botas reverberava pela quadra de madeira e ecoava por todo o ginásio gelado, cujas janelas abertas deixavam entrar o ar frio.

Mais uma vez, os considerados não submissos o suficiente eram espancados ou recebiam chutes na cabeça até ficar na posição "adequada". Depois de alguns outros ataques aleatórios, eles foram embora e, nas horas seguintes, a tensão se dissipou um pouco à medida que gradualmente passávamos para vários tipos de posições semifetais.

Segurando os joelhos contra o peito o mais forte que pude, tremi até pegar no sono.


Por volta do meio-dia do dia seguinte, depois de sermos registrados e fotografados, fomos divididos em dois grupos. "Americano, vá com eles", gritou o oficial-chefe, apontando para o grupo reunido perto da porta e encurralado pela tropa de choque, que havia acabado de chegar.

Com o coração no estômago, simplesmente olhei para ele em negação, fingindo não ter entendido. Enquanto eu era registrado, consegui fazer duas ligações escondido — para meus pais nos EUA e para um jornalista em Kiev —, mas se saísse daquele ginásio, com meu passaporte confiscado, eu temia nunca ser encontrado.

Mas, sabendo que a recusa significava uma surra cruel, eu obedeci, contrito e abatido.

Arrastados para fora do ginásio e jogados em um transporte militar, fomos novamente obrigados a nos ajoelhar no assoalho, com as mãos atrás das costas e a cabeça contra os assentos. Em meio a uma série interminável ​​de palavrões, incluindo o terrível aviso para mantermos a cabeça abaixada, mais um ou dois golpes eram aplicados a um detido infeliz.

O transporte começou a se mover, e não fazíamos ideia de aonde estávamos indo. Os oficiais da OMON zombavam de nós: "Essa é a mudança que vocês queriam?", referindo-se a uma música de rock da era soviética, "Eu quero mudanças", que se tornou o hino do movimento de oposição.

Enquanto dirigíamos, o jovem pressionado contra meu lado direito — um nerd de óculos aparentemente inofensivo — começou a respirar fundo e, depois, chorou baixinho de dor. "Aguente firme", eu sussurrei repetidamente pelo canto da boca. Eu disse para ele se concentrar em respirar fundo, esperando que ele seguisse meu exemplo.

"Não consigo. Droga, eu não consigo", ele respondeu, agora praticamente em prantos.

Sentado sobre os calcanhares, rezando para que os guardas não notassem, perdi toda a sensibilidade nas pernas. Meus pés estavam tão dobrados para trás que parecia que iam quebrar. Entre pensar em meus pais e tentar imaginar os rostos sorridentes de meus amigos, me dei conta de como uma mágoa recente parecia absurdamente trivial. Até a própria COVID-19, que presumi já ter contraído.

Eu só queria viver e que alguém me encontrasse.

Ten officers in military gear stand in a line holding large shields

Uma hora e meia depois, chegamos a um centro de detenção em Zhodino, a uns 60 quilômetros de Minsk. Enquanto estávamos no pátio, começou o tormento psicológico: "Bem-vindos ao pior lugar da Terra", disse um oficial, não escondendo o riso.

Outro disse em tom de ameaça: "É aqui que vocês vão aprender."

Fomos conduzidos por corredores escuros no subsolo que lembravam os de um filme de espionagem da Guerra Fria, e o latido de cães enormes e o barulho dos walkie-talkies atravessavam o ar úmido. "Isso não pode ser real", eu repetia para mim mesmo.

Depois de sermos revistados e registrados, fomos ainda mais divididos e levados a uma cela. Quando a porta se abriu, fiquei chocado: a cela com 10 camas e 15 metros quadrados já estava lotada — e agora éramos 27 no total. Mesmo assim, os homens lá dentro explodiram em aplausos e estenderam as mãos. "Olá, colegas prisioneiros políticos!"

O clima melhorou e, pela primeira vez, entendi que algo havia mudado.

Examinei meus colegas de cela. Rostos espancados e camisas com manchas alaranjadas por causa do sangue do dia anterior. Joelhos abertos, escorrendo pus. Hematomas em forma de cassetete nas costas. No entanto, com exceção dos mais jovens entre eles, que tinham entre 18 e 20 anos, poucos estavam visivelmente com medo.

Durante o próximo dia e meio naquela cela mofada e sem oxigênio — cheia de estudantes, técnicos, donos de pequenas empresas e operários —, os presos trocaram histórias de como seus formulários de prisão foram forjados para alegar que eles haviam gritado lemas ou incitado protestos. A maioria foi apanhada na rua como eu; alguns bem na frente de suas casas.

Com raiva, mas sem extremismo, eles se referiam aos policiais usando uma gíria de rua que significa "lixo". Mas também falavam verbosamente sobre estar cansados da estagnação econômica e de serem tratados como gado.

Vasya, um homem de meia-idade que é dono de um autopeças, reclamou dos impostos excessivos que ele pagava, os quais financiam o aparato de segurança que o arrancou de um ponto de ônibus. Para Artyom, um programador de cabelos estilosos que parecia Rasputin e estava cumprindo uma sentença de 10 dias por participar de um protesto, a experiência foi um ponto de virada: "Eu não tenho mais medo", disse ele. "Depois disso, o que mais posso temer?"

Em suma, nem um único homem acreditava que o regime de Lukashenko tivesse alguma legitimidade.


Contamos piadas, cantamos e celebramos as raras e sagradas entregas de pão e mingau da prisão. Quando as coisas ficavam muito quietas, os mais joviais gritavam: "Vida longa a Belarus!" — um canto preferido da oposição — que era respondido com um estridente: "Viva!"

A decência humana reinava: sempre que um homem percebia que havia passado algumas horas na cama, ele oferecia seu espaço para outro que estivesse esparramado no chão frio ou curvado sobre a mesa torta. Se alguém não tivesse comido, os outros imploravam para ele fazer isso. Hoje, esses homens são meus heróis; diante do desconhecido, sua prioridade era manter nosso espírito coletivo.

Mas o que mais fazíamos era esperar. Legalmente, um juiz em Belarus tem 72 horas para julgar um caso antes que o suspeito seja libertado da detenção. Os de nós que não haviam sido condenados analisavam vários cenários: e se o tempo acabar? Seremos libertados? Com uma caneta quebrada e pedacinhos de papel escondidos, eles trocavam informações de contato de parentes.

A certa altura, um guarda chamou três de nossos colegas de cela mais novos e disse que eles voltariam para casa. Pouco depois, um deles voltou dizendo que receberia uma sentença de 15 dias pela manhã. Isso provocou zombarias. "Então é assim que você vai mandá-lo para casa, seu filho da puta?", gritou um dos meus colegas de cela.

Por uma fresta na porta, dava para ver e ouvir o fluxo constante de novos prisioneiros sobrecarregando um sistema não projetado para tantas detenções em massa. O barulho angustiante das portas da prisão parecia nunca ter fim. Comunicando-nos com nossos vizinhos batendo na parede e gritando através da janela, tentávamos sentir a situação, descobrindo quantos haviam sido condenados.

A line of people, many with their heads bowed, exit a prison doorway to crowds of people waiting outside.

Por volta da meia-noite do terceiro dia de minha detenção, um guarda entrou com tudo.

"Peleschuk!", ele gritou. "Onde ele está?" Eu me levantei da cama e fui até a porta, acenando para meus colegas de cela — que me imploraram para "contar ao mundo" sobre tudo que eu tinha visto enquanto me desejavam boa sorte. Eu não fazia ideia de aonde estava indo.

Conduzido por vários corredores abarrotados de pertences dos prisioneiros, fiquei chocado com a bagunça: centenas de sacos plásticos pretos espalhados pelo chão, muitos deles rasgados. Cintos, telefones, carteiras, cadarços espalhados por toda parte. Enquanto isso, os guardas corriam para lá e para cá, mal conseguindo controlar o fluxo de prisioneiros que chegavam.

Apesar de todo o terror, percebi que o temível estado policial de Lukashenko é simplesmente outra parte da enorme burocracia do país: atolado em papelada e administrado por capangas leais apenas ao contracheque do estado.

Com exceção, é claro, da OMON: enquanto esses punidores brutais estiverem patrulhando as ruas com o apoio do Estado, os bielorrussos nunca estarão realmente seguros.

Por fim, fui levado a um administrador corpulento que alegou que eu estava sendo solto com uma advertência e que um representante da embaixada dos Estados Unidos tinha ido me buscar. Eu não acreditei nele; um dos meus maiores medos durante minha detenção era me tornar um peão político, com meu rosto espalhado pela mídia estatal como um "agente provocador" enviado para incitar tumultos.

Só depois de ser conduzido pelo pátio da prisão para a ala administrativa perto da entrada é que suspirei aliviado. Quando vi o funcionário do consulado sentado em um pequeno escritório, eu soube que estava livre.

No dia seguinte, peguei meu passaporte na delegacia (o que exigiu mais apoio da embaixada) e reservei um voo de volta para minha base em Kiev, na Ucrânia.

Durante meu trajeto até o aeroporto, observei milhares de manifestantes animados se enfileirando na avenida principal da cidade, liderados por mulheres usando roupas e acessórios brancos, como flores e bandeiras. Um contraste direto com os males que marcam o estado policial de Lukashenko, esses são os rostos que agora ocupam as ruas do país inteiro no que se tornou o maior desafio para as autoridades bielorrussas desde a queda da União Soviética.

Agora em segurança em Kiev, ainda não desfiz minha mala. Quero que o cheiro de prisão permaneça, para me ajudar a lembrar os homens muito melhores que ficaram para trás, sem embaixada para resgatá-los.

Enquanto eu escrevia este relato, uma amiga de Minsk me mandou parabéns pelo meu aniversário. "Assim como em um jogo de sobrevivência", disse ela, "você nasceu de novo".

A julgar pelo ímpeto que cresce a cada dia contra Lukashenko, o mesmo poderá ser dito sobre o povo bielorrusso.

Este post foi traduzido do inglês.

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