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Velhos, conectados e mal-informados: como uma população envelhecida remodelará a internet

Os idosos desempenham um papel importante na vida em sociedade. E também estão mais propensos a ser vítimas de desinformação online.

FORT WASHINGTON, Maryland, EUA – A manhã está no fim e cerca de 25 idosos estão aprendendo a falar com a Siri. Eles pegam seus iPads e apertam o botão Início. "Pings" ecoam pela sala enquanto Siri pergunta o que pode fazer para ajudar.

“Siri, qual é a cafeteria mais próxima?”, uma das mulheres pergunta.

“Desculpe, estou tendo problemas com a conexão. Você poderia, por favor, repetir?” É a resposta de Siri.

Alguns funcionários da AARP, uma organização sem fins lucrativos voltada para norte-americanos com 50 anos ou mais, estão de olho nos participantes e logo aparecem para ajudar. Eles estão em Fort Washington, Maryland, para a realização de 4 workshops gratuitos sobre como usar um iPad. Os participantes aprendem a ligar o aparelho, o que é um aplicativo, a mandar mensagens de texto e a virar a câmera para tirar uma selfie, dentre outras atividades.

Janae Wheeler, uma gerente de comunidade da AARP, participa desses workshops desde 2016 e já aperfeiçoou sua apresentação. Ela sugere que as pessoas abram um aplicativo pressionando seu ícone “com a mesma força que você usaria para tocar no nariz de um bebê”. Durante a seção sobre mensagens de texto, ela lembra que o grupo não deve “escrever um livro na mensagem” e avisa que LOL “antigamente significava ‘lots of love (com muito amor, em tradução livre),’ mas hoje em dia possui outro significado”.

“Temos um objetivo importante, superar o abismo digital”, Wheeler disse ao grupo no início do dia. “Estar sintonizado com a tecnologia permite estar realmente conectado com todas as coisas e pessoas importantes para você.”

É uma mensagem reconfortante, mas a realidade é mais premente. Apesar de muitos idosos norte-americanos terem, como o restante de nós, abraçado as ferramentas e os brinquedinhos da indústria de tecnologia, um número crescente de pesquisas mostra que, de maneira desproporcional, eles têm tornado-se vítimas dos perigos da desinformação na internet e correm o risco de isolar-se ainda mais por causa dos seus hábitos online. Além de isso ser muito preocupante para os próprios idosos, também é um enorme desafio para a sociedade em razão do papel importante que as gerações mais velhas desempenham na vida em sociedade e de mudanças demográficas que estão aumentando seu poder e influência.

As pessoas com 65 anos ou mais logo serão o maior grupo etário nos Estados Unidos, e isso permanecerá inalterado por décadas, segundo o Censo dos EUA. Essa impactante alteração demográfica está ocorrendo enquanto essa faixa etária dirige-se em massa para a internet e para o Facebook, enfrentando grandes dificuldades com a alfabetização digital e sendo alvo de diversos malfeitores online, que querem inundá-los com notícias falsas, infectar seus aparelhos com malwares e roubar seu dinheiro através de golpes. E ainda assim os idosos geralmente são ignorados nessa espécie de era de ouro para os esforços de alfabetização digital.

Desde a eleição norte-americana de 2016, o financiamento de programas de alfabetização digital cresceu vertiginosamente. A Apple anunciou recentemente uma grande doação para o News Literacy Project (um projeto de alfabetização informacional, que combate notícias falsas) e outras duas iniciativas relacionadas, e o Facebook possui uma parceria com organizações similares. Mas todas focam principalmente nas faixas etárias mais jovens, mesmo com a aproximação da próxima eleição presidencial.

Com isso, as pessoas que mais têm problemas com informações digitais e tecnologia correm o risco de ser abandonados à própria sorte em um ambiente onde viram um alvo e são exploradas exatamente por causa das suas vulnerabilidades.

As pessoas mais velhas também tendem a votar e ser mais politicamente ativas de outras maneiras, como através de doações políticas. Elas têm mais dinheiro e por isso possuem um enorme poder econômico e toda a influência decorrente disso. Com cada vez mais pessoas idosas conectando-se à internet, que já conta com a presença das futuras gerações acima dos 65 anos, o comportamento online de pessoas idosas e o seu crescente poder tornam-se incrivelmente importantes – apesar de ainda serem geralmente ignorados.

Quatro estudos recentes descobriram que os idosos norte-americanos estão mais propensos a consumir e compartilhar notícias falsas encontradas online do que pessoas em outras faixas etárias. Outra pesquisa descobriu que os idosos norte-americanos compreendem mal ou não compreendem o papel dos algoritmos na seleção de quais informações são mostradas a eles nas redes sociais, saem-se pior do que pessoas mais jovens na diferenciação entre notícia e opinião e são menos propensos a registrar a marca do site de notícias onde consomem suas informações.

Esses hábitos digitais e de consumo de notícias entrelaçam-se a outras principais características dos idosos norte-americanos, como a maior probabilidade de viver em áreas rurais e isoladas e, talvez em parte como consequência, a sensação de um grau maior de solidão. Uma pesquisa realizada pela AARP descobriu que 36% dos entrevistados entre 60 e 69 anos eram solitários, enquanto 24% dos com 70 anos ou mais consideravam-se solitários (a pesquisa era voltada para adultos com mais de 45 anos).

Consequentemente, agora uma melhor compreensão dos efeitos das redes sociais, da solidão e do analfabetismo digital em idosos é essencial, diz Vijeth Iyengar, um psicólogo especializado em envelhecimento do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, e Dipayan Ghosh, um psicólogo que trabalha Harvard Kennedy School.

“Com as recentes evidências de que adultos idosos estão muito mais propensos a disseminar notícias falsas, em comparação com pessoas mais jovens, aliadas ao crescimento estimado desse segmento da população nas décadas futuras, é crucial avançarmos em nossa compreensão dos fatores que afetam o modo como adultos idosos interagem com essas plataformas e como, em contrapartida, essas plataformas afetam o modo como as pessoas idosas funcionam em sociedade”, escreveram os psicólogos em um artigo publicado recentemente na revista Scientific American.

“Eles são solitários, relativamente ricos, alienados, estão presos em locais onde não conhecem ninguém e sentem-se irritados.”

Kevin Munger, um cientista político que estuda os hábitos online dos norte-americanos idosos e seus efeitos na política, descreveu duramente a realidade de muitos idosos e sua relação com a internet.

“Eles são solitários, relativamente ricos, alienados, estão presos em locais onde não conhecem ninguém e sentem-se irritados”, afirmou. “E têm acesso à internet.”

O presente e o futuro da internet e das redes sociais com uma enorme população de idosos extremamente conectados são incertos. Porém, o que está claro é que os norte-americanos idosos serão uma força online ainda mais poderosa – e ninguém sabe ao certo como isso será e como preparar-se para tal.

Munger disse que a cultura e o conteúdo da internet vêm sendo determinados, historicamente, por uma equação que seria mais ou menos assim: as pessoas com acesso X aqueles que têm mais tempo para passar online.

“Na próxima década, haverá muito mais pessoas idosas”, disse ele.

A culpa é dos baby boomers

“Os idosos são a geração esquecida – por isso é importante aprendermos coisas assim”, disse Joshua Rascoe, 70 anos, após o encerramento do primeiro workshop da AARP.

Roscoe disse ser aposentado, mas afirmou que passa o seu tempo trabalhando com crianças, ensinando-as a dar início a um pequeno negócio cortando grama para economizarem dinheiro e serem bem-sucedidas. Ele já utilizou o Facebook em uma empreitada anterior, mas afirmou ser desconfiado com as redes sociais.

“Eu sei como mexer no Facebook e sei como entrar no Instagram”, disse. Porém, acredita que precisa aprender mais porque tem a impressão de que “cerca de 80% ali é falso”. Roscoe não se sente seguro navegando nesses sites.

Com o passar do dia, há muitos momentos de admiração na sala. A primeira selfie. A primeira mensagem enviada com uma foto. No fim do dia, os participantes estão prontos para conectar-se à internet e tentar coisas novas. E é nesse momento que tornam-se um alvo, principalmente no Facebook, que viu um extraordinário aumento no número de idosos em sua plataforma desde 2011, segundo os dados da Gallup, uma empresa de pesquisa de opinião. Se há alguém que acredita em notícias falsas no Facebook, é fácil encontrá-lo e enchê-lo de fake news.

Jestin Coler, que administrou uma rede de sites que publicavam materiais completamente falsos sobre ciência, política e outros tópicos, disse ao BuzzFeed News que os baby boomers eram um dos principais grupos etários para seus sites porque eles “estão, sem sombra de dúvida, mais propensos a compartilhar e consumir notícias falsas online, principalmente no Facebook”.

“Nós realmente direcionamos nossos anúncios para os idosos. E tenho certeza que o mesmo acontece com quem publica conteúdo hiper-partidário”, afirmou.

“As pessoas com mais de 60 ou 65 parecem especialmente propensas a consumir e compartilhar notícias falsas e desinformação online, de uma maneira geral.”

A experiência prática de Coler é confirmada por diversas pesquisas, e não apenas com relação ao Facebook.

Um estudo publicado em janeiro descobriu que “em média, usuários [do Facebook] com mais de 65 anos compartilharam sete vezes mais artigos de domínios de notícias falsas do que as faixas etárias mais jovens”. Resultados similares foram obtidos em pesquisas sobre a disseminação de informações falsas no Twitter e na navegação na web em geral no período da eleição de 2016.

“As pessoas com mais de 60 ou 65 parecem especialmente propensas a consumir e compartilhar notícias falsas e desinformação online, de uma maneira geral”, afirmou Brendan Nyhan, um professor de ciência política na Universidade de Michigan e coautor de uma das pesquisas.

Como Coler observou, os baby boomers também são grandes consumidores do conteúdo de páginas políticas hiper-partidárias do Facebook, que impulsionam um enorme engajamento na plataforma alimentando as paixões partidárias via memes e artigos. Nicole Hickman James passou anos trabalhando para um editor que administrava páginas hiper-partidárias no Facebook e sites relacionados com conteúdo tanto para os liberais quanto para os conservadores. Ela disse que, com o tempo, passou a adaptar seus artigos para os leitores mais idosos, porque eles eram o público com o maior engajamento.

“Tipo, uma publicação popular sempre era ‘celebridade X fala mal de Trump.’ Se a celebridade fosse Jennifer Lawrence, ela não era boa para mim porque a maioria dos baby boomers não conhece ou não se importa com ela”, contou Nicole. “Mas, se foi Barbra Streisand quem falou algo, o artigo sempre seria um sucesso. Eu meio que penso no tipo de coisa que interessaria aos meus pais/avós.”

Nicole disse que muitas pessoas que comentavam regularmente nas matérias no Facebook ou que a contatavam eram idosas. Quando ela ocasionalmente colaborava com as páginas conservadoras hiper-partidárias no Facebook do seu empregador, via as mesmas coisas. “As pessoas que comentavam eram as mesmas, apenas do outro lado do muro. Mais velhos, muito partidários etc. E o engajamento dos conservadores sempre era muito maior”, disse.

Assim como os sites de notícias falsas de Coler, esses editores criaram anúncios que tinham como alvo as pessoas idosas, com mais de 50 ou 60 anos. Mas, mesmo quando não estão tentando atingir pessoas idosas, eles podem acabar vendo seus anúncios atraindo ávidos usuários idosos do Facebook. Turning Point USA, uma entidade conservadora sem fins lucrativos voltada para estudantes universitários, recebia até recentemente uma larga maioria do engajamento pelos seus anúncios de pessoas idosas no Facebook.

Jordan Uhl, um ativista progressista, destacou isso em fevereiro, quando tuitou várias capturas de tela mostrando os dados demográficos dos anúncios da Turning Point.

So conservative "college" Turning Point USA's FB ads are almost exclusively reaching Boomers

A biblioteca de anúncios do Facebook mostra que, após os tuítes de Uhl viralizarem, os anúncios da Turning Point mudaram e começaram a ser direcionados para um público mais jovem, o que é esperado de uma entidade voltada para estudantes. A Turning Point não respondeu ao nosso contato, mas parece que a organização inicialmente utilizou um critério outro que não a faixa etária para direcionar seus anúncios – e os baby boomers simplesmente foram a faixa etária mais receptiva.

Esse também é o caso de Ami Horowitz, um cineasta conservador que produz vídeos curtos para a rede Fox News, onde frequentemente aparece como convidado. Ele produziu várias versões de um anúncio no qual se lê “CURTA se você concorda”, pedindo às pessoas para curtirem a publicação caso achem que os EUA precisam acabar com a imigração ilegal.

As versões vistas pelo BuzzFeed News na biblioteca de anúncios do Facebook atingiram principalmente pessoas com mais de 55 anos, sendo que as acima de 65 anos formavam a maior parte do seu público. “Eu não direciono para grupos etários”, afirmou Horowitz ao BuzzFeed News em uma mensagem no Facebook.

Isso significa que seus anúncios atraíram naturalmente os usuários idosos do Facebook (não ficou claro qual critério de direcionamento outro que não a faixa etária Horowitz utilizou em seus anúncios, já que ele não respondeu às perguntas seguintes; o Facebook preferiu não fazer comentários para esta reportagem).

Qualquer um que clicar nesse botão Curtir virará automaticamente um fã da página de Horowitz e provavelmente passará a ver mais daquele conteúdo em seu Feed de Notícias. Alguém que seja o público-alvo de muitos desses anúncios, e clique neles, pode acabar com um perfil no Facebook parecido com o de Betty Manlove. Ela é a bisavó que apareceu em uma série da rede PBS sobre “junk news”, notícias sensacionalistas e de baixa qualidade.

Betty curtiu mais de 1.400 páginas do Facebook, muitas das quais são ultraconservadoras ou religiosas. Ela reconheceu que o modo como utiliza o Facebook tornou-se de algum modo nocivo. Betty conseguiu parar de fumar, mas confessou: “Meu outro vício é o Facebook. Perco horas no Facebook que deveria utilizar para fazer outras coisas”.

Pelo menos três das páginas curtidas por Betty eram administradas por trolls russos da Agência de Pesquisa na Internet, e pelo menos uma delas é uma falsa página conservadora administrada por um autodenominado troll liberal que publica histórias falsas e memes para um público conservador.

Cameron Hickey, seu neto, foi um dos produtores da série da PBS e percebeu as curtidas e os hábitos de compartilhamento da sua vó quando estava analisado páginas hiper-partidárias no Facebook para o programa. Conversando com BuzzFeed News sobre como sua avó utiliza o Facebook, Cameron mencionou que Betty havia compartilhado recentemente um meme da falsa página conservadora, mesmo depois de ele próprio tentar ajudá-la a navegar melhor no Facebook.

“Apesar de discutir especificamente sobre essas questões com minha avó, ela não parou de curtir e compartilhas coisas na plataforma. E talvez isso seja culpa nossa – não passar mais tempo com ela”, afirmou. “Eu amo minha vó”, acrescentou.

Esse sentimento de frustração misturado com amor e um pouco de culpa é familiar para muitas pessoas. Mas também há uma onda crescente de ressentimento e raiva sendo expressada publicamente (geralmente no Twitter e por membros da mídia) contra os baby boomers e o Facebook, e o que os dois causaram juntos.

“Atualmente, vejo que o Facebook é aquele lugar em todos vão por necessidade, atrás das notícias do punhado de grupos que seguem. E alguns, em sua maioria os baby boomers, vão acreditar nos maiores absurdos”, tuitou Christopher Mims, um colunista de tecnologia do Wall Street Journal.

“A evolução do Facebook daquela coisa moderna que os eleitores do Obama usavam para atingir jovens otários nessa coisa assustadora que os russos usam para atingir velhos otários foi algo fascinante de acompanhar”, tuitou Sonny Bunch, editor executivo do site Washington Free Beacon.

Esses sentimentos provavelmente são um subproduto do fato de que o nosso atual e caótico ambiente informacional está criando um abismo histórico nos hábitos midiáticos entre as gerações. As pessoas com 25 anos ou menos são os maiores usuários de plataformas como Snapchat e Instagram, quase não assistindo mais à TV tradicional. Os norte-americanos mais velhos estão mais propensos a utilizar o Facebook e assistir à TV tradicional. Norte-americanos de todas as idades estão no Facebook, mas as pessoas mais jovens o utilizam cada vez menos. E geralmente citam o fato da presença dos pais e avós como uma razão para manterem-se afastados.

Mas, mesmo com a quantidade crescente de dados que demonstra a dificuldade dos idosos norte-americanos com a alfabetização digital, não é justo culpar um grupo etário pela má qualidade da informação na internet. Essa é a opinião de Andy Guess, um professor assistente de política e assuntos públicos na Universidade de Princeton e coautor de uma pesquisa recente sobre o consumo de notícias falsas.

“É muito fácil nos prendermos a uma explicação como essa. E, se ela parece realmente bater com as suas experiências, é aí que você deveria parar e pensar: ‘O que eu não estou percebendo?’, disse.

O ressentimento geracional também isola ainda mais os baby boomers, o que piora o problema.

“Eu meio que vejo muita solidão”, disse Nicole sobre as pessoas que comentavam nas páginas hiper-partidárias do Facebook com quem ela interagia. Tanto as liberais quanto as conservadoras.

A sensação de isolamento e solidão é um fator importante no comportamento online de pessoas idosas. No seu artigo publicado na Scientific American, Ghosh e Iyengar citaram pesquisas que mostravam como a solidão pode afetar funções cognitivas e a saúde física e mental, podendo resultar em um declínio na autorregulação.

A sensação de isolamento e solidão é um fator importante no comportamento online de pessoas idosas.

“Essa constelação de comportamentos, que em termos gerais busca evitar conflitos e minimizar as decepções, pode tornar esses indivíduos propensos a gravitar em direção a fontes de informação que refletem a sua própria visão de mundo, mantendo assim um senso de identidade”, escreveram os psicólogos.

Isso traduz-se em hábitos online que podem fazer com que pessoas mais velhas construam, inconscientemente, bolhas de filtros enquanto buscam contato e um reforço de sua visão de mundo. E isso também pode torná-los mais vulneráveis a golpes e fraudes contra idosos, que estão se tornando uma verdadeira epidemia.

No início de março, o Departamento de Justiça anunciou “a maior investigação coordenada sobre fraudes contra idosos na história”, que resultou na acusação de mais de 260 pessoas “do mundo todo que vitimizaram mais de dois milhões de norte-americanos, a maioria deles idosos”.

“Crimes contra idosos atingem um dos grupos de pessoas mais vulnerável na nossa sociedade”, afirmou o Procurador-Geral Bill Barr.

Steve Baker trabalhou mais de 30 anos na Comissão Federal de Comércio, especializando-se na investigação de fraudes e golpes. Ele disse ao BuzzFeed News que a fraude da loteria jamaicana, na qual o criminoso diz à vítima que ela ganhou um prêmio em dinheiro e pede o pagamento de uma taxa para o recebimento a quantia, tem como alvo específico idosos.

“Com a fraude jamaicana, sabemos que eles enganam não apenas um monte de pessoas idosas, mas que também buscam ativamente pessoas idosas como alvo”, disse.

Baker, que atualmente administra um site e um boletim informativo sobre fraudes contra consumidores idosos, também disse que é comum o idoso enganado não perceber que foi vítima de um golpe, o que facilita ainda mais a vida dos criminosos.

O anúncio do Departamento de Justiça também mencionou que recentemente o órgão havia ajudado a organizar a primeira Cúpula de Justiça para Idosos Rurais e Tribais em Iowa, para auxiliar no combate ao abuso e à exploração econômica de idosos nessas comunidades. Os idosos norte-americanos estão mais propensos a viver em comunidade rurais, e isso pode gerar uma sensação de isolamento que faz com que a internet pareça a melhor, ou talvez a única, maneira de conectar-se com outras pessoas.

Também há uma outra questão, mais delicada, relacionada aos idosos e suas interações com informações digitais e tecnologia. É algo sobre o qual ninguém quer falar diretamente, principalmente seus parentes, mas é uma realidade do envelhecimento: o declínio cognitivo. Todos estamos suscetíveis a isso, que pode surgir subitamente ou aumentar gradualmente com o passar dos anos. Mas, quando surge, ele pode afetar drasticamente a maneira como a pessoa interage com o mundo.

Munger disse que há um “fenômeno ainda relativamente raro, mas que será cada vez mais comum: o de pessoas com 90 anos e capacidade cognitiva limitada no Facebook”.

“É algo triste e potencialmente muito perigoso”, afirmou.

Envelhecendo fora da internet

Mesmo baby boomers com experiência em computadores e tecnologia sentem-se deixados um pouco para trás. Na workshop da AARP, Charles Robinson, 75 anos, mantinha-se de pé com a ajuda de uma bengala e vestia com orgulho um boné da organização Veteranos de Guerras Estrangeiras. Ele tirou o iPhone do bolso e disse que fazia tudo nele, de pagar contas a enviar e-mails. Enquanto conversava com um repórter, recebeu uma mensagem do neto perguntando se já havia conseguido consertar seu computador. Ele não havia, e as instruções enviadas pelo neto não ajudaram.

“Não me sinto seguro fazendo as coisas que ele quer que eu faça. Foi por isso que liguei para ele”, contou Robinson. “Ele disse que parece um probleminha simples. Parece simples para ele, sabe. Tudo bem.”

Robinson e sua mulher, Jan (que com uma piscadela disser ter “70 e muitos” anos), estão aposentados e passaram os últimos anos viajando. Ambos possuem diplomas universitários e continuam ligados ao mundo ao seu redor. Mas usar tecnologia tornou-se algo mais complicado para eles do que costumava ser.

“Ambos trabalhávamos para o governos e fizemos faculdade, mas a tecnologia continua avançando independentemente de quantos diplomas você tenha, por isso temos de tentar acompanhar de alguma forma”, disse Jan, observando que estava feliz por ter aprendido a recortar uma foto.

“Anos atrás, quando os computadores foram lançados, éramos mais entendidos.”

Obviamente as pessoas com mais de 65 anos não cresceram usando a internet ou passaram uma grande parte de suas vidas com ela. Mas será diferente para as pessoas que fizerem 65 daqui a 20 anos, certo?

Provavelmente não, disse Munger.

“O ritmo das mudanças na internet aumentará, e, na medida em que já temos pessoas com vinte e poucos anos sentindo-se alienadas dos adolescentes que vivem a internet de outra maneira, a situação só ficará mais grave. A não ser que a internet para de mudar tão rapidamente”, afirmou.

Um usuário ávido do Facebook com quarenta e poucos anos pode não entender nada de TikTok, por exemplo. E por isso é possível que os adultos especialistas em internet de hoje tornem-se os idosos com dificuldade de amanhã.

Isso significa que a questão de como ajudar as pessoas mais velhas a adaptarem-se à internet e ao novo ambiente digital não se restringe ao auxílio dos idosos atuais. As soluções devem antecipar e atender às necessidades dos idosos do futuro. Isso é complicado porque, atualmente, os idosos são deixados de lado nesse boom da alfabetização digital e geralmente têm dificuldades para conseguir a ajuda de algum parente.

“Temos medidas de segurança para crianças na internet, então talvez a solução seja adotar medidas similares para os idosos.”

Munger diz que uma das possíveis repostas a uma população cada vez mais velha na internet seria uma “abordagem mais paternalista das empresas de tecnologia e outras elites estabelecidas”.

“Temos medidas de segurança para crianças na internet, então talvez a solução seja adotar medidas similares para os idosos.” Mas a questão é que "isso não funcionará porque a população mais velha vota muito e não quer que outras pessoas digam a eles o que devem fazer”, afirmou.

Os idosos também podem não se interessar por aulas de alfabetização digital que não sejam adequadamente elaboradas. Coler, o ex-produtor de notícias falsas disse que um centro de idosos em sua cidade natal, na Califórnia, recentemente tentou realizar um workshop sobre “Dicas para Reconhecer Notícias Falsas”. O workshop acabou cancelado por falta de interesse.

“Acho que o nome da aula, ‘Dicas para Reconhecer Notícias Falsas’, não foi devidamente pensado – TODO MUNDO acha que consegue reconhecer notícias falsas, que não precisa da ajuda de outras pessoas para isso”, ele disse em uma mensagem direta no Twitter.

Munger disse que o ponto de partida é reconhecer a legitimidade da sensação de incompreensão e de falta do devido apoio que os idosos têm, e chegar a um acordo nos termos deles. Talvez isso signifique mais ações como as workshops da AARP em uma ampla variedade de áreas, mas também mais pesquisas para compreender como o envelhecimento, as redes sociais, a tecnologia e a sociedade entrelaçam-se.

“Eu não culpo nem um pouco os idosos. Eles possuem reivindicações legítimas, nós temos de descobrir como melhor integrá-los no futuro”, concluiu Munger. ●

Este post foi traduzido do inglês.

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