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Eu ajudei a popularizar o termo "fake news", mas hoje sinto calafrios ao ouvi-lo

Batalhei para que o termo "fake news" tivesse significado e propriedade, mas hoje ele é apenas um slogan vazio e um sinal profundamente perturbador de nossos tempos.

Em outubro de 2014, encontrei uma história falsa que estava rapidamente acumulando curtidas, compartilhamentos e comentários no Facebook. O artigo, publicado no site nationalreport.net, afirmava que uma cidade inteira no Texas (EUA) estava em quarentena depois de uma família contrair ebola e usava uma citação falsa atribuída a alguém em um hospital para se passar como uma notícia verdadeira. Então, eu avisei as pessoas sobre o que estava acontecendo:

Fake news site National Report set off a measure of panic by publishing fake story about Ebola outbreak: https://t.co/CHrjtpUhyc Scumbags.

"O site de fake news National Report provocou pânico ao publicar uma história falsa sobre um surto de ebola: [link]… Babacas."

Esse tuíte foi uma das primeiras vezes em que usei publicamente o termo "fake news" [notícia falsa] para me referir a informações completamente falsas que foram criadas e divulgadas com fins lucrativos.

Na época, eu estava trabalhando em um projeto de pesquisa e em um site que rastreavam e analisavam a disseminação de informações falsas nas mídias sociais e nos noticiários. Ao encontrar sites como o nationalreport.net, comecei a chamá-los e a chamar o conteúdo que publicavam de "fake news". Parecia uma descrição natural; não pensei muito sobre isso. E, com o tempo, ajudei a popularizar esse termo.

Isso foi em 2014. Eis onde estamos agora:

Talvez nada ilustre melhor o que aconteceu com o termo "fake news" no ano passado do que esse tuíte do notável apoiador do presidente dos EUA, Donald Trump, David A. Clarke Jr.

Em apenas algumas palavras, ele rotula as reportagens a respeito de documentos judiciais comprovados sobre ele como uma notícia falsa e apresenta uma citação de Hillary Clinton completamente inventada como real, tudo isso enquanto define a mídia e os liberais como sendo muito idiotas para reconhecerem a verdade.

Três anos depois do meu tuíte sobre o site nationalreport.net, passei a me retrair toda vez que ouço alguém dizer "fake news". No entanto, graças ao meu trabalho no assunto, estou inextricavelmente vinculado ao termo. (Isso não é de se vangloriar: na verdade, para alguns, é uma acusação. "Como o editor do BuzzFeed Craig Silverman ajudou a gerar a crise da 'fake news'" foi a manchete do site Breitbart há quase exatamente um ano.)

Ironicamente, comecei a fazer esse trabalho como uma forma de crítica aos principais meios de comunicação: procurando incidentes de plágio e falsificação, publicando listas anuais expondo os erros e as desculpas do ano e importunando os editores que se recusavam a explicar o que havia acontecido quando ocorriam grandes erros em suas Redações.

A imprensa ainda comete muitos erros, e isso certamente inclui a cobertura da administração Trump. No entanto, é possível — e essencial — diferenciar os erros cometidos no curso de reportagens reais das pessoas ou entidades que conscientemente mentem para obter lucro e propaganda. Hoje, qualquer erro da mídia é atacado ferozmente, e mentiras criadas propositalmente são tratadas da mesma forma que erros por descuido.

Uma imprensa e democracia em funcionamento exigem críticas, transparência e consequências para os erros jornalísticos. Mas também exigem que possamos distingui-los coletivamente de mentiras e falsificações. Caso contrário, como o tuíte de David A. Clarke Jr. mostrou, a informação real será tratada como falsa, e as mentiras criadas serão apresentadas como fatos.

Quando encontrei aquela falsa história do ebola, comecei a criar uma lista dos sites que publicavam exclusivamente histórias falsas criadas para se tornarem virais. Em 2014, eu havia identificado cerca de uma dúzia desses sites (minha lista de 2017, que você pode baixar aqui, tem 167). Esses sites vendem informações erradas por dinheiro e, já em 2014, eles estavam fazendo negócios lucrativos graças ao Facebook e às redes publicitárias.

Então, hoje, o sucesso dessa forma de informação enganosa revelou como nosso ambiente de mídia é mais fácil de manipular do que nunca. A "fake news" era um indicativo do perigo iminente, mas não é de modo algum o único exemplo do que alguns agora denominam de "distúrbio de informação" [information disorder].

Tornou-se minha obsessão rastrear esses sites, expor quem estava por trás deles e alertar sobre o que estava acontecendo. Eu escrevi sobre adolescentes canadenses ganhando dinheiro com farsas sobre o primeiro-ministro Justin Trudeau, o homem por trás daquela falsa manchete viral "O Papa apoia Trump", um comediante com sucessos virais que inventava histórias de crimes falsos e uma rede de sites propagando notícias falsas sobre ataques terroristas em cidades ao redor do mundo, entre várias outras coisas. E, é claro, escrevi sobre os adolescentes macedônios que mais tarde se tornaram o exemplo das "fake news". Eu (talvez ingenuamente) presumi que poderia haver um sentimento de indignação e ação unificada sobre essa questão.

Depois das eleições nos EUA, as notícias falsas tornaram-se um tema de preocupação e debate. Minhas reportagens sobre publicações virais de "fake news" sobre as eleições e o artigo dos macedônios alcançaram seu próprio grau de viralidade, com o último até mesmo chegando à mesa de Barack Obama. Mas, em retrospectiva, é aqui que o problema começou. A "fake news" não poderia sobreviver ao contato com o mundo hiperpartidário de meados dos anos 2010.

O fim da "fake news" como eu conhecia chegou em 11 de janeiro de 2017, quando Donald Trump  redefiniu o termo para significar, efetivamente, notícias que ele não gostava

Eu deveria ter percebido que qualquer pessoa, ideia ou frase — por mais neutra que fosse sua intenção — poderia ser distorcida em um embate partidário. Eu sempre denunciei notícias falsas geradas tanto da esquerda como da direita. No entanto, depois das eleições de 2016, os Democratas dos EUA, chocados, procurando por explicações, adotaram o conceito de "fake news" como uma resposta fácil ao enigma da eleição de Donald Trump. E, em resposta, Trump e seus apoiadores viram o termo como uma ameaça e um insulto — e uma arma.

O fim da "fake news" como eu conhecia chegou em 11 de janeiro de 2017, quando Donald Trump — mestre da promoção — redefiniu o termo para significar, efetivamente, notícias que ele não gostava. No dia anterior, a CNN e o BuzzFeed News denunciaram a existência do dossiê de Steele.

Trump estava no palco durante sua primeira conferência de imprensa desde o dia da eleição e apontou seu dedo para Jim Acosta, da CNN. "Não vou lhe dar uma pergunta — você é fake news" (ele também chamou o BuzzFeed de "uma pilha de lixo fracassada").

Naquele momento, o termo "fake news" foi recrutado para as guerras partidárias e foi cooptado por Trump. Isso instantaneamente dificultou a batalha real contra a manipulação feita por plataformas para obter lucro e propaganda, o verdadeiro desafio enfrentado pela democracia em uma era conectada, e os riscos da censura tanto de plataformas como de governos.

Movimentos políticos em todo o mundo reconheceram a genialidade da tática de Trump e a adotaram. Agora, "fake news" é um termo que está na boca de líderes e cidadãos. Que está estampado em camisetas, é usado em memes, explorado como uma hashtag. Ele nunca esteve mais onipresente e, como resultado, mais confuso e manipulado. "Fake news" é agora um slogan vazio e um sinal de alerta profundamente perturbador.

A história do termo "fake news" simboliza como o nosso ambiente de informação atual opera e é manipulado, como a própria realidade é moldada e distorcida. É um testemunho do fato de que hoje uma frase ou imagem pode significar qualquer coisa que você quiser, desde que você tenha seguidores suficientes, disseminadores, tempo no ar, atenção — e a capacidade de coordená-los.

Se você reunir esses elementos, pode literalmente rotular coisas reais como falsas. Repita uma mentira e você "fabricará" a realidade para uma parte da população. A notícia falsa significa o que sua opinião diz que ela significa.

O paradoxo da popularidade do termo "fake news" é que o que eu penso como notícia falsa real — o material com o qual eu estive obcecado por pelo menos três anos — tornou-se uma espécie de observação lateral na discussão.

Há sem dúvida mais interesse, pesquisa e discussão pública sobre a desinformação e a propaganda on-line. No entanto, e como resultado direto da presença do "fake news" nos debates públicos, ele se tornou um tema politizado e polarizado. Isso compromete nossa capacidade de enfrentar o problema.

Não poder se concentrar em notícias falsas reais é um sintoma do colapso em curso de um senso de realidade compartilhado e do debate público. A desinformação on-line e a exploração e manipulação do nosso ambiente de informação são problemas reais e complexos que afetam as sociedades. Ao tornar o termo "fake news" onipresente e confuso, perdemos uma batalha na guerra real contra informações completamente falsas.

Reli recentemente meu documento de pesquisa de 2015 sobre rumores, informações erradas e notícias falsas. Embora na época já lidássemos com mentiras graves envolvendo ebola e a facção terrorista Estado Islâmico, hoje parece que a própria realidade está sob ataque.

Recentemente, dois colegas e eu publicamos uma análise detalhada de 50 das maiores notícias falsas do Facebook em 2017. Mostramos que, mesmo depois de um ano de esforços conjuntos do Facebook e dos principais verificadores de conteúdo para combater esse tipo específico de desinformação, os posts da lista de 2017 geraram ainda mais envolvimento do que as principais 50 de 2016. "Fake news" estão por toda parte na discussão pública — mas as pessoas parecem esquecer que a notícia falsa continua correndo desenfreadamente.

Nossa reportagem foi publicada na página do BuzzFeed News no Facebook. Até a publicação deste artigo, ela tinha um único comentário:

Este post foi traduzido do inglês.

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