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O Facebook mostra que não está pronto para lidar com as fake news

A nova iniciativa da plataforma contra a desinformação está enraizada em uma filosofia de dez anos de evitar conceitos de parcialidade política e censura a todo custo. O resultado é uma resistência quase patológica em se posicionar contra pessoas que descaradamente desrespeitam as regras do Facebook. E, assim, a empresa faz o jogo daqueles que buscam promover a guerra da informação.

Na última quarta-feira (11), o Facebook convidou um grupo de jornalistas para um coquetel, uma breve apresentação e uma sessão de perguntas e respostas com o chefe do Feed de Notícias da plataforma em Nova York (EUA).

A empresa apresentou seu curta-metragem de 12 minutos sobre notícias falsas, dirigido pelo documentarista vencedor do Oscar Morgan Neville, e depois permitiu que os repórteres fizessem perguntas. O objetivo: convencê-los de que o Facebook finalmente conseguiu se posicionar em sua longa luta contra a desinformação.

Não saiu como planejado.

No meio da sessão de perguntas e respostas, o repórter da CNN Oliver Darcy questionou John Hegeman, chefe do Feed de Notícias, sobre sua decisão de permitir que o site de notícias de conspiração de Alex Jones, Infowars, continuasse na plataforma.

Especificamente, como a empresa poderia promover uma ofensiva à desinformação ao mesmo tempo que permitia que o Infowars operasse uma página com mais de 900.000 seguidores?

A resposta de Hegeman foi simplesmente que a empresa não "tira do ar notícias falsas".

Hegeman chegou ao ponto de sugerir que o Infowars — que nas últimas semanas espalhou a infundada teoria da conspiração de que os democratas estavam planejando iniciar uma guerra civil nos EUA em 4 de julho — não violou as regras do Facebook.

"Só ser falso não viola as normas da comunidade", disse. "Criamos o Facebook para ser um lugar onde diferentes pessoas podem ter voz. E diferentes editores têm pontos de vista muito diferentes."

.@oliverdarcy going IN: If FB is devoted to fighting false news, how does Infowars have an account on your site? HEGEMAN: It’s true that we take down things that are calling for violence/hate speech but I guess just for being false, that doesn't violate our Community Standards.

A dissonância cognitiva da fala de Hegeman durante um evento que a empresa divulgou como sendo "uma apresentação sobre nosso trabalho para impedir a disseminação das fake news" não passou despercebida pelo Facebook.

Sara Su, especialista em produtos do Feed de Notícias, disse aos repórteres que as teorias da conspiração do Infowars "podem ser muito problemáticas e também me incomodam". A resposta dela é parecida com a mensagem geral do vídeo "Facing Facts" da empresa, que é: isso tudo é muito difícil e, assim como você, o Facebook está frustrado.

No entanto, apesar das campanhas e boas intenções da empresa, a sessão de perguntas e respostas e a reação posterior do Facebook revelaram um problema mais profundo: a plataforma simplesmente não está disposta a fazer as escolhas necessárias para combater as fake news.

Embora a luta do Facebook contra a desinformação seja uma nova iniciativa, a lógica por trás de sua implementação está enraizada em uma filosofia de dez anos de evitar conceitos de parcialidade política e censura a todo custo. O resultado é uma resistência quase patológica em se posicionar contra pessoas que descaradamente desrespeitam as regras do Facebook. E, assim, a empresa faz o jogo daqueles que buscam promover a guerra da informação.

Durante a sessão de quarta, Su alegou que o Infowars opera em uma área cinzenta — muitas vezes seguindo a linha do provavelmente falso, mas nem sempre a cruzando — e, segundo a CNN, sugeriu que a empresa estava concentrando seus esforços de remoção em fontes que "podem ser comprovadas, sem sombra de dúvidas, como claramente falsas".

Perdido na explicação de Su, está o fato de que essa área cinzenta é parte do que torna a conspiração do Infowars e a máquina das fake news tão eficazes. Ao oferecer teorias infundadas com um fundo de verdade e, depois, distorcê-las e sensacionalizá-las com má-fé, Jones consegue disseminar a desinformação e, depois, se livrar dela sem ser punido.

Da mesma forma, a capacidade do Infowars em testar os limites das normas da comunidade sem flagrantemente cruzá-las (por exemplo, sugerindo infundadamente que especialistas alegam que o massacre na escola Sandy Hook pode ter sido uma farsa, em vez de afirmar isso por conta própria) permite que a plataforma injete notícias falsas no ecossistema do Facebook.

Em uma declaração à CNN, um porta-voz do Facebook esclareceu que a empresa ainda pode optar por diminuir a relevância do conteúdo do Infowars. "Permitimos que as pessoas façam publicações como forma de expressão, mas não iremos exibi-las no topo do Feed de Notícias", disse o porta-voz.

Mas esse tipo de censura velada provavelmente afeta pouco aqueles que buscam o conteúdo do Infowars ou aqueles que o compartilham. E faz pouco para impedir que os quase 1 milhão de usuários que assinam a página acessem o conteúdo.

O problema é que o esforço de boa-fé do Facebook em combater a desinformação, ao mesmo tempo que tenta permanecer imparcial e sem censura, simplesmente não funciona contra uma entidade que opera com má-fé. No caso de Jones e do Infowars, o Facebook se permite ser manipulado por uma plataforma que opera por um conjunto de regras diferentes.

O Infowars se projeta como uma vítima da mídia liberal.

Há um momento no meio do vídeo "Facing Facts", do Facebook, no qual um gerente de ciência de dados da empresa começa a dividir as informações em quatro quadrantes em um quadro branco: informações "erradas", informações "corretas", "propaganda" e "farsas". A imagem é uma das muitas partes no vídeo feitas para mostrar que a verdade é muito confusa, mas que a empresa está determinada a lutar por ela com a devida sutileza.

Porém, como a sessão de quarta-feira mostrou, a empresa parece estar abordando o problema da desinformação sem essa sutileza. Focando apenas em exemplos notórios de notícias falsas, o Facebook permite que seus maiores fornecedores de conspirações e conteúdos polarizadores operem impunemente, ao mesmo tempo em que aumentam seu público e expandem o rastro de informações de baixa qualidade na plataforma. Tudo o que eles precisam saber é como manipular o sistema.

Apesar de investir um valor considerável em campanhas publicitárias nacionais e mini-documentários caros, o Facebook ainda não está à altura do desafio de acabar com a desinformação em sua plataforma. Como seus vídeos e a sessão de perguntas e respostas com os repórteres tentam mostrar, o Facebook sabe que a verdade é confusa e difícil, mas ainda não está claro se a empresa está pronta para fazer as escolhas difíceis para protegê-la.


A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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