Enquanto ajeitava o jaleco branco, a enfermeira Michele Woods lia prontuários na manhã de ontem (30). O trabalho dela no hospital Dignity Health, em Redding (Califórnia), tem ajudado a amenizar o sofrimento e a dor de perder a casa durante o intenso e imprevisível incêndio no norte da Califórnia — mesmo sentimento que dezenas de colegas estão vivendo.
Apesar de terem perdido seus lares durante o incêndio florestal que já dura uma semana, cerca de 40 funcionários do hospital continuam a ir ao trabalho. Eles dormem no chão e atendem cerca de 145 pacientes por dia, muitos dos quais estão "bastante doentes" e requerem cuidados intensivos, segundo o porta-voz Mike Mangas.
"O hospital é bastante resiliente. Nós somos uma família. O que estamos fazendo pelos nossos pacientes também estamos fazendo um para o outro. Neste momento, somos uma comunidade de cuidados", diz ele.
Horas após deixar sua casa para trás junto com o marido, por volta das 3h30 da madrugada desta terça (31), Woods foi informada que o lar em que viveu nos últimos 12 anos virou pó, consumido pelo fogo. A filha, o genro e o neto dela também ficaram desabrigados pelo incêndio, e agora a família toda se aperta em um pequeno quarto de hotel.
"Eu me sinto anestesiada", diz Woods. "É difícil pôr em palavras neste momento. É importante voltar à normalidade, na medida do possível. E, para mim, isto significa vir aqui [ao hospital] todos os dias."
O médico Edward Zawada também está lidando com a realidade de nunca mais poder sentar em seu sofá ou consultar os livros de sua biblioteca. Poucas horas depois de descobrir que sua casa havia sido consumida pelo fogo, o médico foi para o hospital.
"Trabalhar é a minha identidade", diz o médico, que tem 70 anos de idade e é especializado em nefrologia (rins). "E nós estamos lidando com pacientes que estão bastante mal, por não terem conseguido fazer hemodiálise a tempo por causa do incêndio. Nós temos uma janela de ação muito pequena para ajudá-los."
Zawada e sua equipe estão ocupados "recuperando o tempo perdido", tratando entre 20 e 30 pacientes por dia enquanto o incêndio, que já matou seis pessoas e é considerado o sétimo maior na história da Califórnia, continua a avançar sobre áreas residenciais.
"Os pacientes têm prioridade", diz Zawada. Ele admite que "a crescente angústia da perda e o sentimento de o que fazer em seguida" começaram a bater. Mesmo assim, afirma, "se o hospital não está comprometido, nada funciona".
"O que é perigoso em uma crise como esta é que nós percebemos que, no geral, já há poucos profissionais de saúde", ele continua. "Então, perder mais [médicos e enfermeiros] por causa das casas é preocupante."
A dedicação do hospital reflete a união da comunidade enlutada, que chora a perda de entes queridos e de bairros inteiros consumidos pelas chamas.
O incêndio forçou cerca de 40 mil pessoas a deixarem suas casas, abrigando-se em escolas, igrejas e outros acampamentos improvisados. Algumas lojas puseram placas oferecendo refeições e cortes de cabelo grátis, e centros de doação improvisados também surgiram em esquinas.
"Nós estamos descobrindo que as pessoas realmente importam", diz Woods, limpando uma lágrima dos olhos. "Nós não estamos abandonando a cidade de Redding."
Este post foi traduzido do inglês.