Uma plateia na Broadway, em Nova York (EUA), ficou chocada na sexta-feira (29) à noite quando uma mulher branca ergueu-se de seu assento e acusou um dramaturgo negro e gay de ser "racista contra brancos".
Jeremy O. Harris estava respondendo a perguntas no teatro lotado após uma apresentação de "Slave Play", sua nova peça que vem sendo chamada pela crítica de provocadora, incômoda e instigante. A história centra-se em três casais inter-raciais que estão enfrentando dificuldades em suas vidas sexuais e, para tentar solucionar seus problemas, participam de um psicodrama em que interpretam senhores e escravos no Sul dos Estados Unidos pré-Guerra Civil.
A peça foi aclamada pela crítica, mas também foi alvo de algumas controvérsias. Mas, mesmo assim, quando uma pessoa na plateia começou a falar palavrões e gritar com Harris durante a sessão de perguntas e respostas, o resto do público não acreditou no que estava acontecendo.
"Fiquei boquiaberta", disse Sydney, que estava sentada algumas fileiras atrás da mulher e pediu ao BuzzFeed News para ser identificada apenas pelo seu primeiro nome. "Foi uma loucura, mas, pensando agora, não me surpreende que uma mulher branca tenha perdido a cabeça e não tenha conseguido controlar as emoções que estava sentindo."
Sydney, que tem 25 anos, disse que a peça é "uma montanha-russa de emoções" e que ainda estava recuperando-se após ficar emocionalmente abalada com a apresentação quando Harris anunciou que faria uma sessão de perguntas e respostas com a plateia.
Sydney disse que a mulher, que ainda não foi identificada, logo levantou a mão, mas Harris chamou outra pessoa. Diversos vídeos postados nas redes sociais capturaram o que aconteceu em seguida.
Just saw the amazing @SlavePlayBway by @jeremyoharris after which a white audience member jumped up and accused him of being “racist against white people.” The confrontation proceeded from there. Clips in this thread. #slaveplay
"Ela simplesmente perdeu a cabeça", afirmou Sydney. "Os vídeos não retratam nem metade do que aconteceu. Ela atacou ele... ela estava gritando a plenos pulmões. Ela não conseguiu lidar com sua própria culpa ou com a responsabilidade pelos próprios sentimentos e exigiu que Jeremy ajudasse a explicar e lidar com aquilo."
Em vídeos postados no Twitter, vemos a mulher de pé, apontando o dedo para o palco e gritando que não quer "ouvir o tempo todo que as pessoas brancas são a porra de uma praga".
A mulher prosseguiu, afirmando que foi vítima de estupro, presa sob acusações falsas, que seus filhos foram tomados dela e ainda "teve de ouvir que, como mulher solteira, eu não era boa o bastante para criá-los".
"Como é que eu não sou um membro marginalizado dessa merda de sociedade?", perguntou a mulher a Harris.
"Eu nunca disse que você não era", respondeu calmamente o dramaturgo. "Eu nunca disse que você, como mulher branca, não era uma pessoa marginalizada. Mas, se você ouviu isso em minha peça, eu não sei o que lhe dizer. Talvez pedir que você leia ou veja a peça novamente."
Mesmo após Harris responder à mulher durante a sessão de perguntas e respostas, ela não se deu por vencida e continuou gritando que estava cansada de ouvir "um monte de coisa sobre como as pessoas brancas não entendem quão racistas são" e sobre algo que aconteceu "300 anos atrás".
"Não estou falando de todas as pessoas brancas", interveio Harris. "Esta peça é sobre oito pessoas específicas, e, se você não se vê representada ali, isso é ótimo. Você não é uma delas... estas são oito pessoas específicas que estão na peça, que é uma metáfora para o nosso país."
Durante o debate, que se prolongou vários minutos, a plateia vaiou e aplaudiu.
"As pessoas gritavam em apoio a ela e a ele, dava para ver que havia outras pessoas que se sentiam como ela estava se sentindo", afirmou Sydney.
A mulher também ficou furiosa após Harris responder que não tinha uma solução para o racismo, disse Sydney.
"É muito difícil encontrar uma solução para 400 anos de opressão", Harris disse à mulher em um dos vídeos.
"Sabe, eu passei a minha vida toda tentando achar a porra de uma solução", gritou de volta a mulher, enquanto outros membros da plateia tentavam acalmá-la.
A reação furiosa da mulher, sua tentativa de justificar o porquê de ser marginalizada e que não deveria ser culpada pelo racismo, retratava perfeitamente os personagens e as cenas que a plateia havia acabado de ver no palco, na opinião de Sydney.
"Na peça, a pessoa negra em cada uma das relações achava que não era ouvida ou valorizada pela sua contraparte branca", afirmou. "Ela estava espelhando a atitude de uma mulher branca da peça, personificando as mesmas características. A peça é sobre raça, sobre pessoas negras e suas vivências, e a mulher não conseguiu admitir que estava sentindo exatamente o que a peça queria que ela sentisse."
O vídeo foi compartilhado pelo próprio Harris e alcançou quase 2.000 retuítes e gerou milhares de comentários, levando a um debate em que pessoas "ficaram com vergonha alheia", "ficaram passadas com a audácia da mulher", "criticaram a fragilidade branca" e comentaram sobre como ela personificou o estereótipo de mulher branca "interrompendo uma pessoa negra e 'tornando aquilo sobre ela.'"
O dramaturgo respondeu a alguns dos tuítes, dizendo a uma pessoa que ele "havia dado espaço para a mulher e realmente tentado dialogar com ela ali, mas sem envergonhá-la publicamente. Eu apenas disse: 'Isto aqui é praticamente uma outra peça.'"
Em uma entrevista para o jornal Washington Post, Harris afirmou que decidiu ouvir a mulher porque "seria hipocrisia de minha parte não fazê-lo, já que desde o início eu disse querer que a peça gerasse debate."
"O ódio é um lubrificante necessário para o diálogo", disse ao jornal.
Sydney disse que, do ponto de vista do público, ficou óbvio que a obra de Harris tinha conseguido o efeito desejado pelo dramaturgo.
"Ele quer cultivar um debate e uma resposta incômoda, e a mulher achou que aquilo tinha a ver com ela e suas experiências profundamente pessoais. Mas nunca teve nada a ver com ela", afirmou. "Ela achou que poderia ocupar um espaço que não era destinado para ela."
Este post foi traduzido do inglês.