Conversamos com mulheres que se casaram com extremistas do EI, e estes são seus arrependimentos

    “Estávamos em busca de um paraíso, mas só encontramos o inferno.”

    AIN AL-ISSA, Síria — Aisha Khadad era professora de inglês, esposa e mãe de duas crianças pequenas (e estava grávida de outra) quando foi afetada pela violenta crise na Síria. Aconteceu quando a bala de um franco-atirador do regime do ditador Bashar Al-Assad matou seu marido em sua cidade natal, Homs, em 2012.

    Após alguns anos trabalhando sozinha para sustentar os filhos, Aisha resolveu se mudar. Na nova cidade, ela conheceu um homem, se apaixonou e eles se casaram.

    No entanto, a cidade na qual ela decidiu viver foi Raqqa, capital do autodeclarado califado da facção terrorista Estado Islâmico (EI), e o homem com quem se casou era um combatente estrangeiro treinado pelo EI.

    “Estávamos em busca do paraíso, mas só encontramos o inferno”, afirmou durante uma entrevista em um centro de detenção improvisado dentro de um campo para refugiados localizado a 64 quilômetros ao norte de Raqqa, onde Khadad se encontra detida pelas forças curdo-árabes (apoiadas pelos EUA) junto com outras mulheres suspeitas de serem esposas de membros do EI e seus filhos.

    “A grande prova de que eles [EI] não são boas pessoas é que estão perdendo tudo agora”, afirmou. “Os vitoriosos são os que seguem o caminho correto. Porém, você sabe, eles estão perdendo. Eles estão batendo em retirada.”

    Após perder o controle de Mossul, no Iraque, o EI agora sofre revezes em Raqqa com uma nova campanha apoiada pelos EUA para tomar todos os territórios da facção.


    As forças apoiadas pelos EUA, que aos poucos estão avançando pela capital do EI, capturaram pelo menos uma dúzia de famílias de supostos combatentes estrangeiros, incluindo Khadad, uma mulher tunisiana, uma russa, uma líbano-alemã, entre outras.

    As mulheres e seus filhos agora estão amontoados em prédios de concreto do gabinete de inteligência do campo de refugiados que abriga cerca de 5.000 pessoas e que é parcialmente financiado pela ONU.

    Ninguém, no entanto, foi acusado de nenhum crime. Além disso, como na Síria a nacionalidade é passada pelo pai, e muitas dessas mulheres seriam casadas com combatentes estrangeiros, o status dessas crianças nascidas no califado fica em um limbo legal.

    “Mantemos essas famílias afastadas das outras porque seria muito perigoso para elas mesmas”, disse um agente de inteligência do Curdistão Sírio, república autônoma governada pelos curdos e localizada no nordeste da Síria. “Talvez seus maridos tenham matado alguns dos parentes de pessoas que estão aqui, que podem buscar vingança. Também é possível que o resto das pessoas no campo tenha medo delas.”

    A Câmara Municipal de Raqqa e o gabinete de inteligência do campo de refugiados permitiram que o BuzzFeed News conversasse com diversas mulheres dentro da instalação durante várias horas. Algumas estavam ansiosas para falar, outras se recusaram a dar entrevistas.

    Com a facção batendo em retirada e as forças curdas apoiadas pelos EUA retomando o controle da região, nenhuma das mulheres entrevistadas disse que apoiava o EI e suas histórias estavam cheias de contradições e furos. Além disso, todas fizeram afirmações impossíveis de serem comprovadas independentemente. Por exemplo, muitas negaram que seus maridos ou parentes fossem combatentes do EI e disseram desconhecer as ações criminosas da facção. Suplicando por ajuda e misericórdia – nem que apenas para seus filhos –, elas pareciam envergonhadas sobre as consequências que suas escolhas tiveram para suas famílias.

    Todas permitiram que suas faces fossem mostradas, mas a maioria insistiu em usar o niqab, deixando apenas seus olhos à mostra nas fotografias.

    “Vir para cá foi o maior erro da minha vida”, disse Khadija Omry, tunisiana de 29 anos que veio para a Síria em maio de 2013 com o marido e o filho de dois anos, também tunisianos.

    Apesar de descreverem a mudança para Raqqa como desastrosa e se dizerem arrependidas, nenhuma das mulheres demonstrou simpatia pelas vítimas do EI. As entrevistadas geralmente fugiam de perguntas sobre as diversas atrocidades cometidas pela facção nos campos de batalha e sobre relatos de decapitações em público, massacres de minorias religiosas, estupros em massa e venda de mulheres — todos casos que chamaram a atenção do mundo após o EI tomar Mossul e o norte do Iraque em 2014.

    “Eu acreditava que todas as histórias sobre o EI eram fruto de uma conspiração contra o islã”, afirmou Nour Khairadania, indonésia de 19 anos que entrou clandestinamente na Síria pela fronteira com a Turquia em um grupo de 25 parentes, antes de se mudar para Raqqa em agosto de 2015. Ela falava inglês fluentemente. “Assistíamos aos vídeos de como era maravilhosa a vida no regime do EI”, disse. “Achávamos que todas as histórias negativas sobre o Estado Islâmico eram mentiras. Quando você se apaixona por alguém, só vê seu lado bom. E se alguém lhe disser que a pessoa não é certa para você, você não escuta.”

    Khairadania disse que ela e a família vieram à Síria por causa da promessa de educação e assistência médica gratuitas, acreditando na existência de um benevolente regime que o EI vendia como o verdadeiro islã. No entanto, assim como outras pessoas, logo eles se decepcionaram. Imediatamente o EI exigiu que os homens se juntassem à violenta jihad contra os inimigos e, quando eles se recusaram, os passaportes de todos foram confiscados e qualquer benefício lhes foi negado. “Eles falaram: ‘Quem são vocês? Vocês não se sacrificaram pelo Estado Islâmico. Por que deveríamos fazer qualquer coisa por vocês?’”, afirmou Khairadania.

    Omry, tunisiana, disse que seu marido morreu lutando contra outros grupos rebeldes sírios no fim de 2014. Após a morte, ela foi colocada em um dormitório para viúvas e filhos do EI em Raqqa. O prédio de apartamentos seria comandado por um executor do EI chamado Um Adab, marroquino que maltratava as mulheres e as crianças, negando fraldas e remédios a eles. Elas só podiam deixar o complexo uma vez por dia, durante uma hora, e apenas escoltadas, contou. Omry disse suspeitar que a intenção do EI era pressionar as mulheres a se casarem com outros combatentes. Eventualmente, ela cedeu e casou com outro combatente tunisiano.

    Omry, seu segundo marido e seus dois filhos se renderam quando as Forças Democráticas Sírias (FDS), lideradas pelos curdos e apoiadas pelos EUA, entraram no distrito em que moravam em Raqqa, seis semanas atrás.

    Khadad, a professora de inglês, disse que Raqqa era apenas uma parada em seu caminho até a Turquia, mas que acabou detida na cidade pelo EI. Porém, em julho de 2015, quando ela se estabeleceu lá, a reputação da cidade já era notória.

    Ela também afirmou ter sido colocada, com seus três filhos, no dormitório para viúvas do EI. Um combatente marroquino treinado pelo EI que vivia perto dali a pediu em casamento, e ela aceitou. Khadad disse que seu novo marido estava decepcionado com o EI e se recusava a lutar para a facção, mesmo após três meses de treinamento militar, preferindo passar seu tempo consertando e vendendo carros velhos. Posteriormente o casal teve uma filha, que hoje tem oito meses de idade. Khadad descreveu uma vida de tédio e desespero sob o jugo do EI. “Meu marido me disse, após o casamento, que sairíamos daqui e nos mudaríamos para a Turquia ou o Marrocos”, afirmou. “O tempo todo e em toda parte só há morte, violência, pessoas sendo massacradas e pessoas querendo mais e mais sangue.”

    Quando as tropas das FDS entraram no seu distrito, seis semanas atrás, eles se renderam, ficando de joelhos e permitindo serem revistados, disse. Toda a família, composta por seis pessoas, foi levada para Kobani, cidade controlada pelas autoridades do norte da Síria. O marido de Khadad foi levado pelas autoridades enquanto ela e os filhos foram mantidos na mesma cela por vários dias, antes de serem transferidos para o campo de refugiados.

    Pelo menos algumas das mulheres possuem antecedentes complicados. Nadja Ramadan, mulher líbano-alemã de 28 anos, disse sofrer de problemas psicológicos advindos, em parte, do seu histórico familiar. Ela afirmou que foi separada da mãe, em circunstâncias controversas, quando tinha seis anos de idade, se mudando do sul da Alemanha para o Líbano. Depois, aos 14 anos, ela teria sido forçada a se casar com um primo, com quem teve três filhos. Com 26 anos, ela então conseguiu se divorciar e se casar com um turco-alemão chamado Cem Kula. Atualmente, ela é mãe de mais duas crianças.

    O casal se mudou para o califado em julho de 2014, quando o EI estava avançando agressivamente pelo Iraque e consolidando seu poder na Síria. Hoje ela diz que só quer voltar para a Alemanha e cuidar dos filhos. No entanto, as autoridades curdo-árabes apreenderam seu passaporte e seu marido está preso em Kobani. “Eu não vim para cá para lutar ou por causa da guerra”, disse. “Vim para cá por causa do meu marido. Essa é a verdade. Eu não assistia à TV. Eu não sabia. Eu não queria saber.”

    Este post foi traduzido do inglês.

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