Como Trump empurrou o eleitorado latino rumo a Hillary

Muitos ainda duvidavam que Trump conseguiria a indicação do Partido Republicano — mas Hillary já buscava tirar vantagem da profunda rejeição que o empresário tem entre eleitores latinos. Em outubro, a campanha democrata lançou uma iniciativa chamada “Latinos con Hillary”.

A campanha de Hillary iniciou uma ofensiva por textos de SMS, comparando Jeb Bush — que ainda disputava a nomeação republicana — a Donald Trump. A mensagem dizia que o republicano falava o que realmente pensa sobre latinos “quando ele acha que ninguém está prestando atenção”. Os eleitores que responderam a mensagem com a palavra “HEAR” (“ouvir”, em inglês) receberam áudios comprometedores de Bush falando sobre latinos. Segundo a campanha democrata, os resultados foram “incríveis”. A estratégia com uso de SMS alcançou centenas de milhares de eleitores latinos em Estados cruciais para a disputa.

O crescimento de Donald Trump trouxe luz a ideias que antes ficavam circunscritas a poucos círculos, particularmente a convicção de que imigrantes são criminosos violentos. Maria Espinoza, uma das principais apoiadoras latinas de Trump, é pioneira em um tipo de ativismo baseado nessa premissa: a partir de histórias de famílias com entes queridos que foram assassinados por imigrantes ilegais, ela defende mais restrições à entrada de estrangeiros nos Estados Unidos. Apesar de não haver dados conclusivos em relação à quantidade de crimes cometidos por imigrantes ilegais, décadas de pesquisa em diversas áreas mostram de modo consistente que imigrantes são menos propensos a cometer crimes do que nativos.

Se por um lado Trump tocou eleitores descontentes com sua retórica anti-imigração, uma consequência inesperada também se fez presente — uma mistura que envolve esforços para naturalizar latinos, registrar eleitores dessa demografia e, em última análise, mobilizar latinos contra a retórica republicana.

Não é claro quão alto será o número de eleitores recém-naturalizados, mas há precedente na história americana em que uma retórica como a de Trump ocasionou um aumento na quantidade de imigrantes que buscaram se naturalizar — para tentar influenciar o resultado nas urnas.

Uma das coisas que muitos eleitores de Trump têm em comum é a aversão a uma nova geração de identificação política e ao crescente identidade latina que levou pessoas com diferentes histórias de vida a se tornarem uma força cada vez mais coerente na política americana.

Durante entrevistas, eleitores republicanos ressaltaram suas raízes americanas. Nenhum deles se dizia apenas porto-riquenho ou mexicano, e poucos citaram suas duas origens, como é comum na comunidade latina nos Estados Unidos. Um deles disse que sua família “está no país há uns 200 anos”. Outro eleitor, questionado sobre sua descendência mexicana, disse que a família dele “é do Texas, que costumava fazer parte do México”.

Imigrantes que residem legalmente nos Estados Unidos há alguns anos escolheram se tornar cidadãos para votar contra Trump. O candidato republicano, que prometeu construir um muro na fronteira com o México, prometeu interromper as remessas de dinheiro que mexicanos enviam a suas famílias no país de origem. Para muitos latinos, o plano expôs a real visão de mundo de Trump.

Um dos momentos mais importantes desta eleição aconteceu na biblioteca de uma escola pública no Estado de Nevada.

À época, Hillary conversou com jovens imigrantes ilegais e suas famílias na Rancho High School, que fica num bairro de classe média em que 40% da população é latina.

Ela prometeu oferecer “um caminho para a cidadania total e igualitária”. Disse, ainda, que iria proteger da deportação pais de jovens ilegais.

O evento se provaria um dos mais importantes durante a prévia democrata, já que as promessas de Hillary pautaram parte do debate sobre política migratória, tema central com a polarização de ambos os lados.

Enquanto Trump discursava sobre imigrantes ilegais em Phoenix, o Comitê Nacional do Partido Republicano apagava um incêndio que se formava entre membros do conselho consultivo de latinos que ameaçavam sair da campanha, sentindo-se enganados pelas posições do candidato.

Durante o primeiro debate entre Hillary e Trump, a candidata democrata trouxe à tona a história de Alicia Machado, venezuelana naturalizada americana que foi Miss Universo em 1996.

À época, Trump era dono do concurso de beleza. Ele havia feito comentários sobre o peso de Alicia, e a fez praticar exercícios físicos acompanhada por fotógrafos e jornalistas.

O assunto passou semanas sendo remoído em reportagens — Trump voltou a criticar Alicia. Nas semanas seguintes, acusações de assédio sexual contra o republicano começaram a surgir.

Os irmãos Claudia Maria e Javier Alonso, com 27 e 24 anos, são parte de uma geração mais jovem de descendentes de cubanos na Flórida, cujos laços com o Partido Republicano começaram a ruir nos últimos anos. Obama venceu o voto cubano na Flórida em 2012. Agora, as posições de Trump ameaçam ocasionar uma vitória democrata ainda mais expressiva. E no importante Estado da Flórida, em que pequenas diferentes em uma única região ou grupo demográfico podem afetar o resultado final, trata-se de uma mudança perturbadora não apenas para Trump, mas para todo o Partido Republicano.

Essa mudança, caso ocorra, não será ocasionada por cubanos mais velhos, mas pelos mais jovens — aqueles que não gostam tanto assim de Hillary, mas odeiam Trump.

A campanha de Hillary está animada com um aumento de 129% nos votos antecipados de latinos na Flórida, em comparação com o mesmo período de 2012. Naquele ano, a essa altura da campanha, 133 mil eleitores latinos já haviam votado — nos Estados Unidos, é possível votar semanas antes da data final.