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Como os millennials se tornaram a geração do burnout

Eu não conseguia entender por que coisas pequenas e simples da minha lista de tarefas pareciam tão impossíveis. A resposta é, ao mesmo tempo, mais complexa e mais simples do que eu imaginava.

"Tentei me cadastrar para as eleições de 2016, mas já havia passado do prazo quando fui atrás", explicou um homem chamado Tim, de 27 anos, à revista "New York" no ano passado. "Detesto mandar coisas pelo correio, me dá ansiedade." Tim estava descrevendo os motivos pelos quais ele, assim como outros 11 millennials [pessoas nascidas nas décadas de 1980 e 1990] entrevistados pela revista, provavelmente não poderia votar nas eleições de meio de mandato em 2018 nos EUA. "A quantidade de trabalho não é tão grande assim", continuou. "Preencher um formulário, mandá-lo pelo correio, ir ao lugar específico em um dia específico. No entanto, cumprir esse tipo de tarefa pode ser difícil para mim se eu não estiver empolgado."

Tim admitiu que alguns amigos o ajudaram a se cadastrar para votar e que ele planejava fazer com que isso acontecesse provavelmente a tempo das eleições de meio de mandato. No entanto, sua justificativa — apesar de ter salientado que sua dificuldade, neste caso, foi parcialmente causada por seu transtorno de déficit de atenção e hiperatividade — acionou a tendência contemporânea de criticar a incapacidade dos millennials de completar tarefas aparentemente básicas. "Cresçam", diz a opinião geral. "A vida não é tão difícil assim." "Então é assim que o mundo acaba", tuitou Matt Fuller, repórter do HuffPost que trabalha cobrindo o Congresso Americano. "Não com uma explosão, mas com um bando de millennials que não sabem mandar coisas pelo correio."

Explicações como a de Tim estão no cerne da reputação dos millennials: esta seria uma geração mimada, folgada, preguiçosa e que não consegue lidar com o "adulting", palavra inventada por millennials para definir as tarefas de uma vida autossuficiente. Reclamações sobre o "adulting" realmente costumam soar como pessoas privilegiadas que não conseguem lidar com a realidade, bem... da vida: que é preciso pagar contas e ir trabalhar; que é preciso comprar comida e cozinhar se quiser comer; que ações têm consequências. Ser adulto é difícil porque a vida é difícil — ou, como uma matéria no Bustle diz a seus leitores: "tudo é difícil quando se quer enxergar dessa forma."

Millennials adoram reclamar de outros millennials que lhes dão má fama. Mas, ainda que eu tenha ficado irritada ao ler como um rapaz de 27 anos tinha ansiedade por causa do correio, eu mesma estava afundada em um ciclo desenvolvido nos últimos cinco anos que batizei de "paralisia das incumbências". Eu colocava algo na minha lista de tarefas semanal e deixava aquilo passar de uma semana para a próxima, me assombrando por meses.

Nenhuma dessas tarefas era tão difícil assim: amolar facas, levar botas ao sapateiro, enviar uma cópia autografada do meu livro para alguém, marcar uma consulta com a dermatologista, doar livros para a biblioteca e passar o aspirador no meu carro. Responder alguns poucos e-mails — um de um amigo querido, outro de um ex-aluno me perguntando como minha vida estava indo — estavam deixados de lado na minha caixa de entrada pessoal, que uso como uma espécie de lista de afazeres alternativa, a ponto de começar a chamá-la de "inbox da vergonha".

Não é como se eu estivesse negligenciando o resto da minha vida. Eu estava publicando matérias, escrevendo dois livros, preparando refeições, executando uma mudança para o outro lado do país, planejando viagens, pagando meu empréstimo estudantil e me exercitando regularmente. Mas, em se tratando das coisas banais, de média prioridade e que não tornariam meu trabalho mais fácil ou melhor, eu as evitava.

Minha vergonha quanto a essas incumbências aumenta a cada dia. Lembro a mim mesma de que minha mãe estava sempre cumprindo suas tarefas. Ela gostava delas? Não. Mas ela as cumpria. Então por que eu não conseguia fazer isso, especialmente quando as tarefas eram todas facilmente completáveis à primeira vista? Percebi que a imensa maioria dessas tarefas tem um denominador comum: sua principal beneficiária sou eu, mas não de um jeito que melhorará minha vida drasticamente. Ao que tudo indica, são tarefas de alto esforço e baixa recompensa, e elas me paralisam — de uma forma não muito diferente da qual se registrar para votar paralisou o millennial Tim.

O esgotamento não é uma aflição temporária: é a condição dos millennials. É a nossa temperatura base. É a nossa música de fundo. É o jeito que as coisas são. É a nossa vida.

Tim e eu não estamos sós nessa paralisia. Meu parceiro ficou tão atordoado com as múltiplas etapas do processo incrivelmente (e propositalmente) confuso de enviar formulários de reembolso para o seguro para as sessões de terapia que, por meses, simplesmente não os enviou — o que lhe custou mais de 1000 dólares. Outra mulher me disse que tinha um pacote para enviar pelo correio que estava parado há mais de um ano no canto do seu quarto. Um amigo admitiu ter um prejuízo de centenas de dólares em roupas que não cabem porque ele não conseguiu devolvê-las. A paralisia das incumbências e a ansiedade de mandar coisas pelos correios são manifestações diferentes da mesma aflição.

Pelos últimos dois anos, rejeitei avisos — de editores, da minha família, de colegas — de que eu estava à beira do esgotamento [burnout, em inglês]. Na minha cabeça, esgotamento era algo com que profissionais de ajuda humanitária, advogados altamente influentes ou jornalistas investigativos lidavam. Era algo que podia ser tratado com uma semana na praia. Eu ainda estava trabalhando, ainda conseguia realizar outras coisas — óbvio que eu não estava esgotada.

Mas quanto mais eu tentava entender a minha paralisia, mais os parâmetros reais do esgotamento começavam a se revelar. O esgotamento, os comportamentos e o peso que o acompanham não são, de fato, algo que possamos curar tirando férias. Ele não se limita a trabalhadores em ambientes altamente estressantes. E não é uma aflição temporária: é a condição dos millennials. É a nossa temperatura base. É a nossa música de fundo. É o jeito que as coisas são. É a nossa vida.

Essa percepção deu novo sentido às minhas dificuldades recentes: por que eu não consigo terminar de fazer essas coisas banais? Porque estou esgotada. Por que estou esgotada? Porque internalizei a ideia de que tenho que trabalhar o tempo todo. Por que internalizei essa ideia? Porque tudo e todo mundo na minha vida a reforçou — explícita e implicitamente — desde a minha infância. A vida sempre foi difícil, mas muitos millennials não estão equipados para lidar com as formas específicas nas quais ela se tornou difícil para nós.

E agora? Será que eu deveria meditar mais, negociar mais tempo de folga, delegar tarefas dentro do meu relacionamento, cuidar de mim mesma e restringir o tempo que passo nas redes sociais? Em outras palavras, como eu posso me otimizar para cumprir essas tarefas banais e, teoricamente, curar meu esgotamento? À medida que millennials adentram a casa dos trinta anos, é essa a pergunta que continuamos a fazer e a fracassar em responder adequadamente. Mas talvez isso aconteça por ser a pergunta totalmente errada.

Durante a última década, a palavra "millennials" tem sido usada para descrever ou atribuir o que há de certo e errado com os jovens, mas, em 2019, os millennials já são adultos há um bom tempo: os mais jovens têm 22 anos, e os mais velhos, como eu, estão em torno dos 38. Isso exigiu uma mudança na maneira como as pessoas de dentro e de fora da nossa geração configuram suas críticas. Não somos mais adolescentes irresponsáveis; somos adultos crescidos, e os desafios que encaramos não são efêmeros, mas sistêmicos.

Muitos dos comportamentos atribuídos aos millennials são os comportamentos de um grupo específico, majoritariamente formado por pessoas brancas de classe média nascidas entre 1981 e 1996. Mas mesmo que você seja um millennial que não tenha crescido com privilégios, você sofreu o impacto das mudanças sociais e culturais que moldaram a geração. Nossos pais — uma mistura de "boomers" mais novos e membros mais velhos da geração X — nos criaram durante uma época de relativa estabilidade econômica e política. Assim como nas gerações anteriores, havia uma expectativa de que a próxima geração teria melhores condições — tanto em termos de saúde como de finanças — do que sua antecedente.

No entanto, à medida que os millennials chegaram à metade da vida adulta, esse prognóstico se provou falso. Financeiramente falando, a maioria de nós está bem atrasada em comparação aos nossos pais quando tinham a mesma idade. Temos muito menos economias, bem menos capital próprio, bem menos estabilidade e muito mais dívidas estudantis. A "melhor geração" teve a Depressão e a G.I. Bill (lei de incentivo a veteranos de guerra americanos); os boomers tiveram a era de ouro do capitalismo; a geração X teve a desregulamentação da economia e a redistribuição de renda. E os millennials? Temos capital de risco, mas também temos a crise financeira de 2008, o declínio da classe média, a ascensão dos 1% mais ricos e a deterioração constante dos sindicatos e dos empregos estáveis e de tempo integral.

À medida que as empresas americanas se tornaram mais eficientes e mais lucrativas, a próxima geração precisava estar posicionada para competir. Não podíamos simplesmente aparecer com um diploma e esperar arranjar e manter um emprego que permitisse que nos aposentássemos aos 55. Em uma mudança acentuada com relação às gerações anteriores, nós, millennials, precisávamos nos otimizar para sermos os melhores trabalhadores possíveis.

E esse processo começou muito cedo. Em "Kids These Days: Human Capital and the Making of Millennials" [Crianças de Hoje em Dia: Capital Humano e a Criação dos Millennials, em tradução livre], Malcolm Harris descreve a miríade de formas nas quais nossa geração foi treinada, adaptada, preparada e otimizada para o mercado de trabalho — primeiramente no ensino fundamental, depois no médio — desde que éramos crianças muito novas. "A gestão de riscos costumava ser uma prática administrativa", escreve Harris, "agora é a estratégia predominante na criação dos filhos." Dependendo da sua idade, essa ideia se aplica ao que os nossos pais nos deixavam fazer ou não (brincar em brinquedos "perigosos" no parquinho, sair sem celular, dirigir sem um adulto no carro) e como eles nos permitiram fazer as coisas que fizemos (aprender, explorar, comer, brincar).

Harris aponta práticas que hoje vemos como padrão como uma forma de "otimizar" as brincadeiras das crianças, uma atitude frequentemente descrita como "criação intensiva". Correr pela vizinhança virou marcar encontros supervisionados para brincar. Creche desestruturada virou pré-jardim de infância. Brincadeiras de bairro se transformaram em ligas altamente regulamentadas e organizadas, com jogos durante o ano todo. A energia não canalizada (diagnosticada como hiperatividade) passou a ser medicada e disciplinada.

Não tentamos derrubar o sistema, pois não foi assim que fomos criados. Tentamos vencê-lo.

Minha infância no fim dos anos 80 e início dos anos 90 foi apenas parcialmente definida por essa espécie de otimização e monitoramento parental, sobretudo porque vivi em uma cidade rural no norte de Idaho (EUA), onde tais atividades estruturadas eram raras. Passei minhas férias brincando na (perigosíssima!) gangorra e no carrossel. Eu usava um capacete para andar de bicicleta e de skate, mas meu irmão e eu éramos as únicas crianças que conhecíamos que faziam isso. Não fiz estágios no ensino médio ou na faculdade, porque eles ainda não eram um componente padrão de nenhuma dessas experiências. Fiz aulas de piano por diversão, não para o meu futuro. Não fiz cursinho pré-vestibular. Fiz a única aula preparatória disponível para mim e me candidatei a faculdades (no papel, à mão!) com base em folhetos e matérias curtas em um livro de "Melhores Faculdades".

Mas esse foi o início do fim dessa atitude com relação à criação, ao lazer dos filhos, à seleção para a faculdade. E não apenas entre pais superprotetores burgueses, estudados e estereotipados: além da "criação intensiva", os pais de millennials também se caracterizam por comportamentos "justiceiros" nos quais, conforme a socióloga Linda M. Blum descreve, "a vigilância incansável de uma mãe e a defesa de seu filho [assume] o imperativo de uma missão moral solitária."

Pesquisas recentes descobriram que os comportamentos "justiceiros" ultrapassam as fronteiras de raça e classe. Talvez uma família suburbana de classe alta esteja empenhada em fazer seu filho entrar em uma faculdade de prestígio, enquanto uma mãe na Filadélfia que não teve a chance de fazer faculdade investe na possibilidade de sua filha ser a primeira da família a entrar para a universidade. As metas são ligeiramente diferentes, mas a supervisão, a atitude, a avaliação de riscos e a campanha para fazer aquele filho atingir aquela meta são bem semelhantes.

Não foi antes do fim da faculdade que comecei a ver os resultados dessas atitudes na prática. Quatro anos após minha formatura, os ex-alunos reclamavam que a faculdade estava cheia de nerds: ninguém mais fazia farra em uma terça-feira! Eu ria das críticas — "essa garotada de hoje em dia, que babacas, éramos bem mais legais" —, mas só quando retornei ao campus anos mais tarde como professora que percebi como a orientação educacional desses alunos era fundamentalmente diferente. Ainda havia rapazes insuportáveis e garotas vaidosas nas repúblicas, mas eles eram bem mais estudiosos que os meus colegas haviam sido. Eles faltavam a menos aulas. Eles apareciam religiosamente durante o expediente. Eles mandavam e-mails a qualquer horário. Mas eles também eram ansiosos pelas notas, paralisados pela ideia de se formarem e regularmente travados por tarefas que pediam criatividade. Eles haviam sido guiados de perto durante todas as suas vidas e queriam que eu também os guiasse. Eles estavam, em uma palavra, receosos.

Cada formando se sente receoso quanto ao futuro, mas este era outro nível. Quando a minha turma deixou as ciências humanas, debandamos para trabalhos temporários: eu trabalhei em um hotel-fazenda; outra amiga trabalhou como babá durante o verão; outra arranjou serviço em uma fazenda da Nova Zelândia; outros viraram instrutores de rafting e, depois, instrutores de esqui. Não achávamos que o nosso primeiro emprego fosse importante; era só um emprego que nos levaria a, final e tortuosamente, O Emprego.

Mas esses alunos estavam convencidos de que seu primeiro emprego logo após a faculdade não só determinaria sua trajetória profissional, mas seu valor intrínseco pelo resto de suas vidas. Eu disse a uma aluna, cujas dezenas de estágios e candidaturas a bolsas não geraram resultados, que ela deveria se mudar para algum lugar divertido, arranjar qualquer emprego e descobrir quais eram seus interesses e que tipo de trabalho ela não queria fazer — uma sugestão que a levou aos prantos. "Mas o que eu vou dizer para os meus pais?", disse. "Eu quero um emprego bacana pelo qual eu seja apaixonada!"

Essas expectativas sintetizam o projeto de criação de millennials, no qual estudantes internalizam a necessidade de achar um emprego que pegue bem com seus pais (estável, que pague decentemente, reconhecível como um "bom emprego"), que também impressione seus pares (em uma empresa "descolada") e realize o que lhes disseram ser o objetivo final de toda essa otimização durante a infância: trabalhar com aquilo que ama. Independentemente desse trabalho ser o de um esportista profissional, um gerente de mídias sociais na Patagônia, um programador em uma start-up ou sócio de uma firma de advocacia, isso parece importar menos do que cumprir todos aqueles critérios.

Ou pelo menos, essa é a teoria. Então o que acontece quando os millennials começam a busca real por esse santo graal profissional — e começam a "virar adultos" — mas isso não se parece em nada com o sonho que lhes prometeram?

Como a maioria dos millennials mais velhos, minha própria trajetória profissional foi marcada por duas catástrofes financeiras. No início dos anos 2000, quando muitos de nós estávamos recém entrando na faculdade ou na força de trabalho, a bolha da internet estourou. Os danos financeiros resultantes não foram tão graves quanto a crise de 2008, mas ela restringiu o mercado de trabalho e afundou o mercado de ações, o que afetou indiretamente os millennials que estavam contando com os investimentos dos pais para pagar a faculdade. Quando me formei em ciências humanas em 2003 e me mudei para Seattle, a cidade ainda tinha um custo acessível, mas a oferta de emprego qualificado era pouca. Trabalhei como babá, uma colega de quarto trabalhava como assistente, um amigo recorria a vender o que viria a ser conhecido como empréstimos de alto risco.

Aqueles dois anos como babá foram difíceis — eu sentia um tédio avassalador e ir e voltar do trabalho levava uma hora — mas, que eu me lembre, foi a última vez em que não me senti esgotada. Eu tinha um celular, mas nem conseguia mandar mensagens; eu conferia meu e-mail uma vez por dia em um computador no quarto da minha amiga. Por ter sido empregada por meio de uma agência de babás, meu contrato incluía plano de saúde, licença médica e folga remunerada. Eu ganhava 32.000 dólares por ano e pagava 500 por mês em aluguel. Eu não tinha dívidas da faculdade e o meu carro estava pago. Eu não poupava muito, mas tinha dinheiro para ir ao cinema e jantar fora. Eu não era intelectualmente estimulada, mas era boa no meu trabalho — cuidando de dois bebês — e havia limites claros entre o meu horário dentro e fora do trabalho.

Então esses dois anos acabaram e a maior parte do meu grupo de amigos começou o êxodo para a pós-graduação. Nos matriculamos em programas de doutorado, direito, medicina, arquitetura, mestrados, MBAs. Não foi por termos fome de mais conhecimento. Foi porque tínhamos fome de empregos estáveis de classe média — e nos haviam dito, corretamente ou não, que esses empregos só estariam disponíveis se fizéssemos pós-graduação. Assim que entramos na pós-graduação e a microgeração atrás de nós emergia da faculdade e entrava para o mercado de trabalho, a crise financeira de 2008 chegou.

Nunca achei que o sistema fosse justo. Sabia que apenas poucos o venceriam. Mas  acreditava que conseguiria me otimizar para me tornar um desses vencedores.

A crise afetou todo mundo de alguma forma, mas a forma como afetou os millennials foi seminal, definindo para sempre a nossa experiência com o mercado de trabalho. Trabalhadores mais experientes e recém-demitidos preencheram as vagas de empregos menos qualificados e de nível iniciante, outrora amplamente reservadas para recém-formados. Não conseguíamos encontrar empregos, ou só conseguíamos encontrar trabalhos de meio período, empregos sem benefícios ou empregos que na verdade eram vários bicos emendados em um só emprego. Como resultado, nos mudamos de volta para a casa dos nossos pais, arranjamos colegas de quarto, voltamos a estudar, tentamos fazer dar certo. Éramos solucionadores de problemas, no fim das contas — e fomos ensinados que, se trabalhássemos mais arduamente, tudo daria certo.

Superficialmente, deu certo. A economia se recuperou. A maioria de nós saiu da casa dos pais. Encontramos empregos. Mas o que não encontramos foi a segurança financeira. Visto que a educação — pós-graduação, graduação, ensino técnico, online — estava situada como a melhor e única forma de sobreviver, muitos de nós emergiram desses programas com pagamentos de empréstimos que as nossas perspectivas para a pós-graduação fracassaram em compensar. A situação foi ainda mais crítica para quem entrou em uma faculdade particular, onde a dívida média total por uma formação de quatro anos é de 39.950 dólares e a perspectiva de empregos para pós-graduados é ainda mais desoladora.

À medida que continuei a pós-graduação, acumulei cada vez mais dívidas, que racionalizei, como tantos da minha geração, como o único meio de alcançar a meta final de 1) um "bom" emprego que 2) seria ou soaria bacana e 3) me permitisse correr atrás da minha "paixão". Nesse caso, emprego em tempo integral como professora permanente de estudos de mídia. No passado, buscar um pós-doutorado costumava ser um empreendimento livre de dívidas: acadêmicos trabalhavam como professores assistentes para arcar com sua formação, o que dava conta do custo de vida e abatia o valor da mensalidade.

Esse modelo começou a mudar nos anos 80, particularmente em universidades públicas dos EUA, forçadas a compensar de alguma forma os cortes nas verbas repassadas pelo governo. A mão de obra de um professor assistente era bem mais barata do que a de um professor permanente, portanto as universidades não só mantiveram os programas de doutorado, mas os expandiram, mesmo tendo cada vez menos fundos para pagar esses estudantes adequadamente. Ainda assim, milhares de pós-doutorandos se apegaram à ideia de seguirem a carreira docente e se tornarem professores permanentes. E quanto mais exigente o mercado acadêmico se tornava, mais arduamente trabalhávamos. Não tentamos derrubar o sistema, pois não foi assim que fomos criados. Tentamos vencê-lo.

Nunca achei que o sistema fosse justo. Sabia que apenas poucos o venceriam. Eu simplesmente acreditava que conseguiria me otimizar para me tornar um desses vencedores. E levei anos para entender as ramificações reais dessa mentalidade. Trabalhei arduamente na faculdade, mas, como uma millennial mais velha, as expectativas de trabalho eram moderadas. Gostávamos de dizer que trabalhávamos muito e nos divertíamos muito — e havia limites claros entre cada uma dessas atividades. Foi na pós-graduação que aprendi a trabalhar como um millennial, ou seja, o tempo todo. Meu novo lema era "Tudo o que é bom faz mal, e tudo o que é mau faz bem": as coisas que deveriam fazer com que eu me sentisse bem (lazer, não trabalhar) faziam com que eu me sentisse mal, pois eu me sentia culpada por não estar trabalhando; coisas que deveriam ser "más" (trabalhar o tempo todo) faziam com que eu me sentisse bem, pois eu estava fazendo o que achava que deveria e precisava para ter sucesso.

Toleramos empresas nos maltratando porque não vemos outra opção. Não nos demitimos. Internalizamos que não estamos nos esforçando o bastante. E arranjamos um segundo emprego.

No meu mestrado, o trabalho dos graduandos certamente era explorado, mas tínhamos um sindicato e éramos compensados de forma que era possível terminar o programa sem dívidas. Nosso plano de saúde era sólido; o tamanho das turmas, gerenciável. Mas tudo mudou no meu pós-doutorado no Texas — um Estado que crê no "direito ao trabalho", onde sindicatos, quando e se existiam, não tinham poder de barganha. Eu recebia o bastante para cobrir um mês de aluguel em Austin, com 200 dólares sobrando para todo o resto. Dei aulas para turmas de 60 alunos sozinha. As únicas pessoas do meu grupo que não precisaram pegar empréstimos tinham parceiros em empregos "de verdade" ou dinheiro dado pela família; a maioria de nós estava afundada em dívidas pelo privilégio de nos prepararmos para nenhuma perspectiva de trabalho. Ou continuávamos trabalhando, ou fracassávamos.

Então fizemos esses empréstimos, com a garantia do governo federal de que, após a graduação, iríamos prestar serviço no setor público (tal como dar aulas em uma faculdade ou universidade) e, se pagássemos uma porcentagem da nossa dívida no prazo por 10 anos, o resto seria perdoado. No ano passado — o primeiro no qual os formados com direito ao perdão da dívida puderam solicitá-lo — apenas 1% das solicitações foram aceitas.

Quando falamos sobre a dívida estudantil dos millennials, não estamos falando apenas dos pagamentos que nos impediram de participar de "instituições" americanas como a casa própria ou a compra de diamantes. Também falamos do custo psicológico de perceber que algo que lhe disseram e no qual você passou a acreditar que "valeria a pena" — os empréstimos, o trabalho, toda aquela auto-otimização — não vale nada.

Uma coisa que faz essa percepção doer ainda mais é ver, on-line, outras pessoas vivendo vidas aparentemente bacanas, apaixonadas e úteis. Todos nós sabemos que o que vemos no Facebook ou no Instagram não é "real", mas isso não significa que não nos julgamos em comparação a isso. Percebo que os millennials têm bem menos inveja de objetos e pertences nas redes sociais do que da experiência holística nelas representada, o tipo de coisa que faz as pessoas comentarem "eu quero ter a sua vida". Aquela mistura invejável de lazer e viagem, o acúmulo de animais de estimação e filhos, os ambientes habitados e os alimentos consumidos não só por parecem desejáveis, mas equilibrados, satisfeitos e intocados pelo esgotamento.

E apesar do trabalho em si raramente ser retratado, ele sempre está lá. Periodicamente, ele é fotografado como um espaço divertido e sempre recompensador ou gratificante. Mas, na maioria das vezes, é disso que você está fugindo: você trabalhou arduamente o bastante para aproveitar a vida.

"Gestão de marca" é uma expressão adequada para esse trabalho, pois destaca o que o eu millennial se tornou: um produto.

O feed nas redes sociais — em especial no Instagram — é, portanto, uma evidência dos frutos do trabalho árduo e gratificante, e do trabalho em si. As fotos e os vídeos que causam mais inveja são aqueles que sugerem que um equilíbrio perfeito (trabalhe muito, divirta-se muito!) foi alcançado. Mas, claro, para a maioria de nós, esse não é o caso. Afinal, postar nas redes sociais é uma forma de narrar nossas próprias vidas: o que dizemos a nós mesmos sobre a nossa vida é. Quando não sentimos a satisfação que nos disseram que deveríamos obter por um emprego que fosse "gratificante", equilibrado com uma vida pessoal também "gratificante", a melhor forma de convencer a si mesmo de estar sentindo isso é demonstrando-o aos outros.

Para muitos millennials, a presença nas redes sociais — no LinkedIn, Instagram, Facebook ou Twitter — também se tornou parte integral de obter e manter um emprego. O exemplo mais "puro" é o influenciador de redes sociais, cuja fonte inteira de renda é representar e mediar o seu eu online. No entanto, as redes sociais também são o meio por meio do qual muitos "profissionais do conhecimento" — ou seja, profissionais que manuseiam, processam ou geram significado a partir da informação — promovem a si mesmos. Jornalistas usam o Twitter para saber sobre outras notícias, mas também o usam para desenvolver uma marca pessoal e seguidores que possam ser aproveitados; as pessoas usam o LinkedIn não só para currículos e contatos, mas para publicar artigos que atestem sua personalidade (sua marca!) como gestoras ou empreendedoras. Os millennials não são os únicos que fazem isso, mas somos aqueles que aperfeiçoaram e, portanto, estabeleceram os padrões para aqueles que o fazem.

"Gestão de marca" é uma expressão adequada para esse trabalho, pois destaca o que o eu millennial se tornou: um produto. E, assim como na infância, o trabalho de otimizar essa marca obscureceu quaisquer distinções restantes entre trabalho e lazer. Não há tempo "fora do expediente" quando a qualquer hora é possível documentar suas experiências de acordo com a sua marca ou tuitar suas observações de acordo com a sua marca. O surgimento dos smartphones tornou esses comportamentos mais fáceis e, portanto, mais disseminados, mais padronizados. No início do Facebook, você tinha que tirar fotos com a sua câmera digital, descarregá-las no seu computador e postá-las em álbuns. Agora, seu celular é uma câmera sofisticada, sempre pronta para documentar cada componente da sua vida — em fotos facilmente manipuladas, em vídeos curtos, em atualizações constantes para o Instagram Stories — e para facilitar o trabalho de representar o eu para consumo público.

"Virar adulto" é completar sua lista de tarefas — só que ela nunca acaba.

Mas o celular também é uma amarra ao local de trabalho "real". O e-mail e o Slack fazem com que funcionários estejam sempre acessíveis, sempre prontos para o trabalho, mesmo depois de terem deixado o local de trabalho físico e os limites tradicionais do expediente de trabalho pago. Tentativas de desencorajar o trabalho fora do horário saem pela culatra, já que os millennials tendem a vê-las não como uma permissão para parar de trabalhar, mas um meio de se distinguir ainda mais, estando disponíveis mesmo assim.

"Somos incentivados a traçar estratégias para encontrar lugares, horários e funções nas quais possamos ser efetivamente postos para trabalhar", escreve Harris, o autor de "Kids These Days". "A eficiência é o nosso propósito existencial, e somos uma geração de ferramentas finamente polidas, moldadas desde que somos embriões para sermos máquinas implacáveis de produção."

No entanto, conforme o sociólogo Arne L. Kalleberg aponta, essa eficiência deveria ter nos dado mais segurança no trabalho, salários maiores, talvez até mesmo mais lazer. Em suma, empregos melhores.

Ainda assim, quanto mais trabalhamos, quanto mais eficientes provamos ser, piores nossos trabalhos se tornam: salários menores, benefícios piores, menos estabilidade no emprego. Nossa eficiência não acabou com a estagnação dos salários; nossa persistência não nos fez mais importantes. Pelo contrário, nosso comprometimento em trabalhar, independentemente do quanto somos explorados, simplesmente incentivou e facilitou nossa exploração. Toleramos empresas nos maltratando porque não vemos outra opção. Não nos demitimos. Internalizamos que não estamos nos esforçando o bastante. E arranjamos um segundo emprego.

Toda essa otimização — na infância, na faculdade, online — culminou na condição predominante entre os millennials, independentemente de classe, raça ou lugar: o esgotamento [burnout]. O "esgotamento" foi reconhecido pela primeira vez como diagnóstico psicológico em 1974, aplicado pelo psicólogo Herbert Freundenberger para casos de "colapso físico ou mental causado pelo excesso de trabalho ou estresse". O esgotamento está em uma categoria substancialmente diferente da exaustão, apesar de estar relacionado. Exaustão significa chegar ao ponto no qual não se pode ir além; esgotamento significa alcançar esse ponto e se forçar a continuar, seja por dias, semanas ou anos.

O que é pior, o sentimento de conquista que se segue a uma tarefa cansativa — passar na prova final! Terminar o projeto enorme do trabalho! — nunca chega. "A exaustão vivenciada no esgotamento combina uma ânsia intensa por esse estágio de finalização com o senso atormentador de que ele não poderá ser alcançado, de que sempre há alguma exigência, ansiedade ou distração que não pode ser silenciada", escreve Josh Cohen, psicanalista especializado em esgotamento. "Você se sente esgotado quando exauriu todos os seus recursos internos, contudo, ainda não consegue se libertar da compulsão nervosa de prosseguir independentemente disso."

Em seus escritos sobre o esgotamento, Cohen é cuidadoso ao observar que ele tem antecedentes: o "desânimo melancólico com o mundo", como ele descreve, é observado no livro de Eclesiastes, diagnosticado por Hipócrates e endêmico da Renascença, um sintoma da desorientação com a sensação de "mudança implacável". No fim do século 19, "neurastenia", ou exaustão nervosa, afligia pacientes esgotados pelo "ritmo e pela pressão da vida industrial moderna". Porém, o esgotamento difere em sua intensidade e prevalência: não é uma aflição vivenciada por relativamente poucas pessoas e que evidencia os aspectos mais sombrios de um mundo em mutação. Ele é, cada vez mais, e especialmente entre os millennials, a condição contemporânea.

Pessoas emendando um trabalho no comércio com um cronograma imprevisível enquanto dirigem para o Uber e procuram uma creche sofrem de esgotamento. Funcionários de start-ups com refeições sofisticadas fornecidas por um buffet, serviço de lavanderia grátis e trajetos de 70 minutos entre casa e trabalho sofrem de esgotamento. Acadêmicos dando aulas para quatro turmas adjuntas e sobrevivendo com vale-refeição enquanto tentam publicar sua pesquisa em uma última tentativa de obter um emprego permanente sofrem de esgotamento. Artistas gráficos autônomos trabalhando em seu próprio horário sem plano de saúde ou férias remuneradas sofrem de esgotamento.

Uma das formas de se pensar na mecânica do esgotamento millennial é examinando de perto vários objetos e indústrias que nossa geração supostamente "matou". "Matamos" os diamantes porque estamos nos casando mais tarde (ou nem casamos) e é raro que um parceiro tenha a estabilidade financeira para pagar por um anel de noivado de diamante. Estamos matando as antiguidades, optando por mobília industrializada — não porque odiamos os objetos antigos dos nossos avós, mas porque estamos procurando emprego estável em todo o país e carregar móveis velhos e louças frágeis custa dinheiro que não temos.

Mesmo as tendências que os millennials popularizaram — como a moda esportiva casual — apelam à nossa auto-otimização. Calças para ioga podem parecer desleixadas para a sua mãe, mas são eficientes: você pode sair de uma aula na academia para uma reunião no Skype, ou para ir pegar as crianças na saída da escola sem interrupções. Usamos serviços de entrega e de compras online porque o tempo que eles poupam nos permitem trabalhar mais.

É por isso que a crítica fundamental que se faz sobre os millennials — que somos preguiçosos e mimados — é tão frustrante. Trabalhamos tanto que descobrimos como não perder nosso tempo fazendo refeições e somos chamados de mimados por pedir pagamento e benefícios justos – como trabalhar em casa (para podermos viver em cidades com custo de vida acessível), ter um plano de saúde adequado ou um plano de previdência (para teoricamente podermos parar de trabalhar em algum momento antes do dia da nossa morte). Somos chamados de chorões por falarmos francamente sobre o quanto trabalhamos e como estamos exaustos. No entanto, como trabalhar demais por menos dinheiro nem sempre é visível — porque procurar emprego agora significa vasculhar o LinkedIn, porque "hora extra" agora significa responder e-mails na cama — o alcance do nosso trabalho tende a ser ignorado ou menosprezado.

A recomendação mais comum é "cuidar de si mesma". Use uma máscara facial! Faça ioga! Use seu aplicativo de meditação! Mas muitos dos cuidados pessoais não são cuidados: são uma indústria de 11 bilhões de dólares, cujo objetivo não é aliviar o ciclo de esgotamento, mas oferecer mais meios de auto-otimização.

A questão sobre o trabalho americano, no fim das contas, é que somos treinados para apagá-lo. A ansiedade é medicada; o esgotamento é tratado com terapia que tem se tornado lentamente normalizada, mas ainda suavemente estigmatizada. (Afinal, tempo fazendo terapia é tempo em que você poderia estar trabalhando.) Ninguém diria à minha avó que fazer manteiga e lavar roupas à mão não era trabalho. No entanto, planejar uma semana de refeições saudáveis para uma família de quatro pessoas, pensar na lista de compras, encontrar tempo para ir ao mercado, preparar todas essas refeições e lavar a louça enquanto se tem um emprego em tempo integral? Isso não é trabalho, é apenas ser mãe.

O esgotamento millennial costuma funcionar de forma diferente entre mulheres e, particularmente, mulheres heterossexuais com famílias. Parte disso tem a ver com o que é conhecido como "segunda jornada" — a ideia de que mulheres que trabalham fora realizam o trabalho de um emprego e depois vão para casa e realizam o trabalho de dona de casa. (Um estudo recente descobriu que mães que trabalham fora passam o mesmo tempo cuidando dos filhos do que as mães que ficavam em casa em 1975.) Pode-se pensar que, quando as mulheres trabalham fora, o serviço doméstico diminui ou é dividido igualmente entre ambos os parceiros. Mas a socióloga Judy Wajcman descobriu que, em casais heterossexuais, esse simplesmente não era o caso: no geral, faz-se menos trabalho doméstico, mas o trabalho que resta ainda recai, na maior parte, sobre a mulher.

O trabalho que causa esgotamento não é apenas guardar os pratos ou dobrar as roupas lavadas — tarefas que podem ser prontamente distribuídas entre o resto da família. Tem mais a ver com o que a cartunista francesa Emma chama de "carga mental", isto é, a situação em que uma pessoa na família — geralmente uma mulher — assume uma função comparável à de "gerente de projeto de administração doméstica". A gerente não completa tarefas, simplesmente; ela mantém o cronograma inteiro da casa em mente. Ela lembra de comprar papel higiênico porque ele vai acabar em quatro dias. No fim das contas, ela é responsável pela saúde da família, por cuidar do lar e de seu próprio corpo, por manter uma vida sexual, por cultivar um laço afetivo com os filhos, por supervisionar o cuidado dos pais idosos, por garantir que as contas sejam pagas, que os vizinhos sejam cumprimentados, que os cartões de Natal sejam enviados, que as férias sejam planejadas com seis meses de antecedência, que as milhas aéreas não estejam vencidas e que o cachorro esteja se exercitando.

Mulheres têm me dito que choraram ao ler o cartum de Emma, que viralizou várias vezes: elas nunca haviam visto o trabalho específico que realizavam descrito, muito menos reconhecido. E, das millennials, agora se espera que esse trabalho doméstico preencha um número infindável de aspirações: passeios têm que ser "experiências", a comida tem que ser saudável, caseira e divertida, corpos têm que ser esculpidos, rugas devem ser minimizadas, roupas têm que ser bonitas e da moda, o sono tem que ser regulado, os relacionamentos têm que ser saudáveis, as notícias têm que ser lidas e processadas e os filhos têm que receber atenção e ter sucesso. A criação millennial é, como define uma matéria recente no "The New York Times", implacável.

A mídia que nos cerca — tanto as sociais como as grandes mídias, desde o novo programa da Marie Kondo na Netflix à economia dos influenciadores de estilo de vida — nos diz que nossos espaços pessoais precisam ser tão otimizados como nosso eu e a nossa carreira. O resultado final não é só fadiga, mas um esgotamento envolvente que nos segue dentro e fora de casa. A recomendação mais comum é "cuidar de si mesma". Use uma máscara facial! Faça ioga! Use seu aplicativo de meditação! Mas muitos dos cuidados pessoais não são cuidados: são uma indústria de 11 bilhões de dólares, cujo objetivo não é aliviar o ciclo de esgotamento, mas oferecer mais meios de auto-otimização. Pelo menos em sua iteração contemporânea e mercantilizada, os cuidados pessoais não são soluções: são exaustivos.

"O millennial moderno, na maior parte, vê a vida adulta como uma série de ações, em vez de um estado do ser", explica uma matéria no Elite Daily. "Tornar-se adulto, portanto, vira um verbo." "Virar adulto é completar sua lista de afazeres — mas tudo entra para a lista, e ela nunca termina.

"Estou tendo muita dificuldade para encontrar a magia do Natal neste anos", uma mulher em um grupo do Facebook focado em cuidados pessoais escreveu recentemente. "Tenho dois filhinhos (de 2 anos e 6 meses) e, apesar de termos nos divertido lendo livros sobre o Natal, cantando, andando pela vizinhança para olhar as luzes, eu sinto na maior parte que é só uma lista de afazeres sobreposta à minha lista já sobrecarregada. Me sinto tão esgotada. Comiseração ou conselho?"

Essa é uma das expressões mais inefáveis e frustrantes do esgotamento: ele pega coisas que deveriam ser prazerosas e as reduz a uma lista de tarefas, entremeadas com outras obrigações que deveriam ser fácil ou zelosamente cumpridas. O resultado final é que tudo, de celebrações de casamento a cadastros para votações, torna-se manchado por ressentimento, ansiedade e evasão. Talvez minha incapacidade de levar as facas para amolar seja menos uma questão de ser preguiçosa e mais de ser boa demais, por tempo demais, em ser uma millennial.

Essa é uma das expressões mais inefáveis e frustrantes do esgotamento: ele pega coisas que deveriam ser prazerosas e as reduz a uma lista de tarefas.

Há algumas formas de encarar esse problema da paralisia. Muitas das tarefas que os millennials consideram paralisantes são aquelas que são impossíveis de otimizar para serem mais eficientes, ou porque elas continuam teimosamente analógicas (correios) ou porque as empresas otimizaram a si mesmas e a sua mão de obra para tornar a experiência o mais árdua possível para o usuário (qualquer coisa a ver com seguro, contas ou registrar uma queixa). Às vezes, as ineficiências fazem parte do objetivo: quanto mais difícil for pedir um reembolso, menos provável é que você o faça. O mesmo ocorre com devoluções.

Outras tarefas tornam-se difíceis por haver opções demais, e o que veio a ser conhecido como "fadiga de decisão". Já mudei muito de cidade por causa da minha carreira e sempre odiei o processo de encontrar novos médicos, dentistas e dermatologistas. Encontrar um médico — e não qualquer médico, mas um que aceite o seu convênio e que aceite novos pacientes — pode parecer uma tarefa fácil, mas a quantidade de opções pode ser paralisante sem as recomendações de amigos e parentes, que são uma opção limitada quando se muda para uma cidade totalmente nova.

Outras tarefas são, bem, chatas. Já as fiz vezes demais. A recompensa por completá-las é pequena demais. O tédio com a monotonia do trabalho tende a ser associado com trabalho braçal e/ou de linha de produção, mas está amplamente presente entre os "profissionais do conhecimento". Conforme Caroline Beaton, que escreveu extensivamente sobre millennials e trabalho, aponta, o crescimento do "setor do conhecimento" simplesmente tem "mudado a mídia da monotonia do maquinário pesado para a tecnologia digital. (...) Nos habituamos às tarefas altamente intensas, mas previsíveis, da força de trabalho moderna. Como o estímulo não muda, acabamos deixando de ser estimulados. A consequência é dupla. Primeiramente, como uma espécie de tortura chinesa, cada coisa idêntica torna-se cada vez mais desagradável. Como defesa, nos tornamos cada vez mais apáticos."

Minha recusa a responder uma mensagem carinhosa no Facebook é, portanto, sintomática do número enorme de pedidos pela minha atenção online: pedidos para ler um artigo, pedidos para divulgar meu próprio trabalho, pedidos para interagir sagazmente ou me defender de trolls ou curtir a foto do bebê de um parente.

Para ser clara, nenhuma dessas explicações, a meu ver, me eximem. Elas não parecem motivos ótimos ou racionais para evitar fazer coisas que eu sei, abstratamente, que eu quero ou preciso fazer. No entanto, decisões estúpidas e irracionais são um sintoma do esgotamento. Tomamos parte em comportamentos autodestrutivos ou nos refugiamos na evasão como forma de sairmos da esteira rolante da nossa lista de afazeres. O que ajuda a explicar uma das reclamações sobre os hábitos de trabalho dos millennials: eles chegam atrasados, faltam a turnos, não aparecem mais no trabalho. Claro que algumas pessoas que se comportam assim podem simplesmente não saber como abaixar a cabeça e trabalhar. Mas é bem mais provável que elas sejam ruins no trabalho por trabalharem muito — especialmente quando trabalham em um contexto de precariedade financeira.

Estamos profundamente endividados, trabalhando por mais horas e em mais empregos por um pagamento menor e menos estabilidade, com dificuldades para alcançar o mesmo padrão de vida dos nossos pais, operando em precariedade psicológica e física – tudo isso enquanto nos dizem que basta trabalhar mais para que a meritocracia prevaleça e comecemos a prosperar.

Nos anos recentes, pesquisas científicas demonstraram a "imensa carga cognitiva" sobre aqueles que estão financeiramente instáveis. Viver na pobreza equivale a perder 13 pontos de QI. Milhões de millennials americanos vivem na pobreza; outros milhões beiram a linha, sobrevivendo, mas por pouco, geralmente trabalhando em empregos incertos, com nada que sobre para ter uma segurança que alivie essa carga cognitiva. Ser pobre é ter muito pouco espaço mental para tomar decisões, "boas" ou ruins — como genitor, trabalhador, parceiro, cidadão. Quanto mais estável a nossa vida, maior é a probabilidade de tomarmos decisões que a tornem ainda mais estável.

Estabilidade não é uma palavra que usamos para descrever a vida americana contemporânea. E, dependendo da sua religião, status de imigração, etnia e identidade sexual, é bem provável que a eleição de Donald Trump tenha tornado o seu futuro, segurança e empregabilidade menos estáveis. A cobertura de condições preexistentes por parte dos planos de saúde parece sempre ser uma dúvida e/ou em perigo, assim como os direitos reprodutivos das mulheres. A guerra contra a Coreia do Norte aproxima-se. Nunca reconhecemos as redes sociais e os smartphones como mais tóxicos e mais necessários. Nossa principal preocupação com o mercado incrivelmente volátil de ações é como seu temperamento afeta nosso emprego no dia a dia. O planeta está morrendo. A democracia está seriamente ameaçada. Os adultos americanos relatam estar 39% mais ansiosos do que há um ano, e o que é a ansiedade senão a condição de tentar viver sob essas condições?

Especialistas passam muito tempo dizendo que "Isso não é normal", mas a única maneira de conseguirmos sobreviver no dia a dia é normalizando os eventos, as ameaças, a avalanche de informações, os custos e o que se espera de nós. O esgotamento não é um lugar que visitamos e do qual retornamos; é nossa residência permanente.

Em seus escritos sobre o esgotamento, o psicanalista Cohen descreve um cliente que veio até ele com esgotamento extremo: ele era o típico filho millennial, otimizado para o desempenho perfeito, o que compensou quando ele conseguiu um emprego no banco. Ele havia feito tudo certo e continuava a fazer tudo certo no seu emprego. Uma manhã, ele acordou, desligou o despertador, virou de lado e se recusou a ir para o trabalho. Ele nunca mais foi trabalhar. Ele ficou "intrigado ao descobrir que ser demitido do emprego não o incomodou".

Na versão cinematográfica dessa história, esse homem se muda para uma ilha para redescobrir a vida boa, ou descobre que ele adora carpintaria e abre uma oficina. Mas é esse tipo de solução fantasiosa que faz com que o esgotamento millennial seja tão arraigado. Não se cura o esgotamento tirando férias. Não é algo que se cure por meio de "hacks", como inbox zero, ou usando um aplicativo de meditação por cinco minutos durante a manhã, ou preparando refeições antecipadamente para toda a família no domingo, ou começando um diário em tópicos. Não é algo que se cure lendo um livro sobre como"se desf*der" Não é algo que se cure com férias, ou um livro de colorir para adultos, ou "cozinhar contra a ansiedade" ou a técnica Pomodoro.

O problema do esgotamento holístico, que tudo consome, é que não há solução para ele. Não é possível otimizá-lo para que termine mais rápido. Não dá para sentir que ele está vindo que nem um resfriado e começar a tomar a versão contra esgotamento de um antigripal. A melhor maneira de tratá-lo é, em primeiro lugar, reconhecê-lo pelo que é — não um mal-estar passageiro, mas uma doença crônica — e entender suas raízes e seus parâmetros. É por isso que as pessoas com quem conversei se sentiram tão aliviadas lendo o cartum da "carga mental" e porque ler o livro de Harris me trouxe a sensação de catarse: eles não justificam o motivo pelo qual nos comportamos e nos sentimos dessa forma. Elas apenas descrevem essas sensações e comportamentos — e os sistemas maiores do capitalismo e do patriarcado que contribuem para eles — com precisão.

Descrever o esgotamento dos millennials é reconhecer a multiplicidade da nossa realidade ao mesmo tempo em que reconhecemos nosso status quo. Estamos profundamente endividados, trabalhando por mais horas e em mais empregos por um pagamento menor e menos estabilidade, com dificuldades para alcançar o mesmo padrão de vida dos nossos pais, operando em precariedade psicológica e física – tudo isso enquanto nos dizem que basta trabalhar mais para que a meritocracia prevaleça e comecemos a prosperar. A cenoura pendurada na nossa frente é o sonho de que a lista de tarefas irá acabar, ou pelo menos se tornar bem mais gerenciável.

No entanto, a ação individual não é suficiente. As escolhas pessoais sozinhas não impedirão o planeta de morrer ou o Facebook de violar nossa privacidade. Para fazer isso, é preciso uma mudança de paradigmas. O que ajuda a explicar por que tantos millennials se identificam cada vez mais com o socialismo democrático e estão abraçando sindicatos: estamos começando a entender qual é o nosso mal, e não é algo que um tratamento para a pele ou uma mesa no escritório com esteira possa consertar.

Nossa capacidade de nos esgotarmos e continuarmos trabalhando é o nosso maior valor.

Até ou em vez que uma derrubada revolucionária do sistema capitalista aconteça, como podemos diminuir ou prevenir — em vez de estancar temporariamente — o esgotamento? A mudança pode vir da legislação, da ação coletiva ou do ativismo feminista contínuo, mas é loucura imaginar que ela virá das próprias empresas. Nossa capacidade de nos esgotarmos e continuarmos trabalhando é o nosso maior valor.

Ao escrever esta matéria, eu estava orquestrando uma mudança, planejando uma viagem, pegando receitas de remédios, levando meu cachorro para caminhar, tentando me exercitar, preparando o jantar, tentando participar de conversas do trabalho no Slack, postando fotos nas redes sociais e lendo notícias. Eu estava acordando às 6 da manhã para escrever, embalando caixas durante o almoço, movendo pilhas de lenha na hora da janta, indo dormir às 9. Eu estava na esteira rolante da lista de tarefas: uma coisa após a outra. No entanto, ao terminar esta matéria, eu sinto algo que não sentia há muito tempo: catarse. Eu me sinto ótima. Sinto alguma coisa que é algo que eu não sentia ao completar uma tarefa faz tempo.

Ainda há coisas a enfrentar depois disso. Mas, pela primeira vez, estou vendo a mim mesma, os parâmetros do meu trabalho e as causas do meu esgotamento claramente. Não parece ser o fundo do poço. Não parece ser desesperador. Não é um problema que eu possa resolver, mas é uma realidade que eu posso reconhecer, um paradigma através do qual posso entender minhas ações.

Ao escrever sobre a condição de estar desabrigado, o psicólogo Devon Price diz que "preguiça", pelo menos na forma como a maioria de nós a concebe em geral, simplesmente não existe. "Se o comportamento de uma pessoa não faz sentido para você", ele escreve, "é porque está lhe faltando alguma parte do contexto dela. Simples assim." Meu comportamento não fazia sentido para mim porque parte do meu contexto estava faltando: o esgotamento. Eu tinha vergonha demais de admitir que era o que eu estava sentindo. Eu me achava forte demais para sucumbir a ele. Eu havia limitado minha definição de esgotamento para excluir meus próprios comportamentos e sintomas. Mas eu estava errada.

Acho que tenho algumas respostas para as perguntas específicas que me fizeram começar a escrever este ensaio. As suas provavelmente são ligeira ou substancialmente diferentes. Não tenho um plano de ação além de ser mais sincera comigo mesma – sobre o que eu estou e não estou fazendo e por que – e tentar me desembaraçar dessa ideia de que tudo o que é bom faz mal e tudo o que é ruim faz bem. Isso não é uma tarefa a ser cumprida, um item da lista de tarefas, ou mesmo uma resolução de Ano Novo. É uma maneira de pensar na vida e em qual alegria e significado podemos tirar dela não apenas pela otimização, mas a vivenciando. O que é outra maneira de dizer: esse é o verdadeiro trabalho da vida. ●

A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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