Não queremos que você peça desculpas, queremos que suma daqui

    Não existe arrependimento no mundo que possa desfazer o dano causado por um predador sexual. O melhor que eles podem fazer é ir embora.

    Você se lembra de nós?

    Lembra daqueles comentários que fez sobre nossos corpos, do que disse que queria fazer com a gente, daquela vez que você veio para cima de nós, bêbado, daquela vez — de todas aquelas vezes — que você não parou quando dissemos não?

    Agora que homem após homem, aqueles que agiram como você, caem como dominós, você se arrepende do seu comportamento? Ou você só tem medo de ser denunciado?

    Eu trabalhei com milhares de vítimas de estupro e assédio sexual nos últimos sete anos e conheço o impacto que você causa. Você nunca fez só um comentário; você nunca abusou de só uma de nós. Eu vi a vergonha que você provoca, a forma como você nos faz questionar nosso valor, a forma como você nos faz querer arrancar nossa pele.

    Mas as coisas mudaram, mesmo que temporariamente: agora, quando falamos, temos chance de sermos ouvidas em vez de silenciadas.

    Sim, você se lembra de nós. Não porque nós temos valor, ou porque somos humanas ou sequer porque te afetamos de alguma forma. Nós não somos especiais para você, muito pelo contrário: é assim que você se relaciona no seu próprio mundo, seja abertamente ou sutilmente. Todos estão abaixo de você, ninguém está no seu nível. Raramente somos "só uma" e podemos facilmente chegar às dezenas, às vezes mais de 50, em questão de décadas.

    Mas somos importantes para você: nós somos marcos na linha do tempo da sua vida que afirmam, repetidamente, que você nunca terá que pagar pelo que fez. E isso realmente se repete.

    Mas nós também aliviamos sua culpa: pelo nosso bem, pela nossa própria segurança, pela nossa própria visão do mundo. É muito mais fácil dizer que você não sabia o que estava fazendo — afinal, você estava bêbado, foi só dessa vez. Nós diminuímos as consequências danosas da nossa experiência, esperando que, talvez, nós tenhamos sido a única que você feriu. Nós dizemos que a violência, a degradação e o abuso que sofremos nas suas mãos "não é tão ruim assim". Dessa forma, podemos continuar acreditando que você é um homem, amigo, parceiro ou chefe com quem estamos seguras.

    Podemos até mesmo continuar te defendendo como se você fosse, ou mesmo acreditando que você é, um bom homem — mas você já destruiu essa ilusão de segurança. Enquanto isso, somos forçadas a cogitar a desistir de nossas carreiras, ou forçadas a abandonar empregos que são nosso único sustento, quando sua marca ou sua voz têm mais valor do que nós. Nós abandonamos os estudos. Algumas de nós somos forçadas a sair da escola simplesmente por fazer o que todos nos imploram para fazer — denunciar. Você nos destrói a ponto de prejudicar nosso trabalho e nos fazer perder o que conquistamos. Algumas de nós morremos.

    Quando você pede perdão publicamente, depois que suas ações vêm à tona, você não está realmente arrependido, não de uma forma que importe. Para você, é chato ser categorizado junto com os predadores, suspeitos, abusadores, estupradores e "outros" que ferem pessoas. Você quer que a gente saiba que você está arrependido, mesmo que "algumas" das alegações estejam um pouco "distorcidas".

    Você pede desculpas "a aquelas que você ofendeu." Mas você nunca está realmente arrependido.

    Com seu pedido de perdão, você espera apagar o passado; você espera ser perdoado, você espera que as coisas voltem a ser como eram. Você espera que esqueçamos. Você espera que nós deixemos você sair de fininho — para um rancho, para outro campus, para outra família, para qualquer lugar fora de vista — por um tempo, e então voltar, não somente para o trabalho, mas para ser amado.

    Mas não queremos seu pedido de desculpas. Nós queríamos que você fosse íntegro. Nós queríamos segurança. Agora, nós só queremos que você vá embora.

    Algumas de nós, especialmente se formos muito novas, gostaríamos que você não tivesse que sumir, e algumas até aceitam seu pedido de desculpas. Às vezes, a ideia de te causar problemas é assustadora, pois isso faz com que sejamos taxadas de encrenqueiras. Algumas de nós simplesmente queremos que você reconheça que agiu mal e a dor que você causou. O impacto em cada uma de nós é diferente, e não é apenas pelo impacto que você causou em nós, mas por você ter abusado do seu poder . Por isso, agora você precisa ir embora. Você abusou do seu poder e, ao fazermos você assumir sua responsabilidade, estamos conquistando o nosso.

    Abandone qualquer esperança de restaurar seu relacionamento com a gente, ou de assumir novamente seu papel em nossas vidas. Se você busca redenção, está indo na direção errada, porque isso não tem a ver com você, ou sequer com o tamanho do dano que você causou — tem a ver com o comportamento em si. Isso é parte do espectro das coisas que fomos ensinadas a esperar e aceitar do mundo.

    Entenda que você está indo embora por um tempo indeterminado e que não existe garantia de que alguém irá receber bem, ou mesmo aceitar, seu retorno. Tudo o que você pode fazer é começar a entender seu comportamento. Abandone qualquer expectativa de redenção ou reparação.

    O arrependimento verdadeiro é uma experiência interna: envolve descobrir e questionar os motivos que o levaram a se comportar de tal maneira, reconhecê-los e se perguntar como, ou mesmo se, você poderia se comportar de maneira diferente.

    Lembre-se, você mora no mesmo mundo que nós. Você conhecia as mesmas regras sociais que nós e você escolheu violar essas regras. Seu comportamento foi escolha sua. Ao ferir uma de nós, ou mais de uma, você prejudicou a segurança de uma comunidade inteira.

    Você precisa entender que não tem defesa para o que fez — isso é indefensável. Se quiser se internar para fazer um tratamento, faça porque você genuinamente quer mudar seu comportamento, não porque você quer dar um jeito de se esconder até que tudo se acalme. Se o que você queria era mudar — se isso tivesse a ver somente com sua integridade de caráter, não pelo medo da exposição — você provavelmente teria feito isso muito antes de ser acusado publicamente.

    Para todas nós, falar do que aconteceu significa que temos que admitir que aconteceu com a gente, e a vergonha que essa admissão traz é, muitas vezes, insuportável. Vocês eram nossos amigos, nossos ídolos, nossos pais, nossos namorados e parceiros, nossos tios, nossos médicos, nossos professores. Suas ações mancharam nossos filmes, músicas e artes favoritos — nosso mundo inteiro.

    Nós nos perguntamos, "Como podemos reconciliar nosso amor por alguém com a revelação de que essa pessoa se comportou tão mal?" Algumas de nós "não sabem como é viver uma vida sem pensar nisso." Vocês tornaram cada um de nossos dias sombrios, pois nos mostraram que não podemos fazer nada para impedir que isso aconteça com a gente. Não existe arrependimento que possa reparar o dano que vocês causaram.

    Assumir seu erro — admitir que você causou dano — é tudo o que você pode fazer, e o mínimo que você pode oferecer. Quando você finalmente é responsabilizado é que nossa história ganha credibilidade. Quando você é responsabilizado, nós não nos tornamos apenas sobreviventes compartilhando experiências, mas um coro de vozes que clama por justiça. Não nos peça — ao público, àquelas que você feriu — para te devolver o lugar que você tinha em nossas vidas, ou para devolver o poder que você tinha antes. Nós não vamos te proteger. Nós não vamos mais carregar o fardo que você nos impôs.


    Ali Safran é a diretora-fundadora da Surviving in Numbers, organização sem fins lucrativos que luta para mudar a cultura da violência sexual e doméstica por meio da educação preventiva e do apoio às sobreviventes.

    Este post foi traduzido do inglês.

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