A entrevista exclusiva de Mark Zuckerberg ao BuzzFeed News

    CEO do Facebook promete fazer mudanças para combater a polarização na sociedade, a desinformação e fomentar a globalização. No longo prazo, diz Zuckerberg, inteligência artificial pode ajudar a combater crimes.

    A grande coisa de ver Mark Zuckerberg ao vivo, fora da internet, é perceber que ele é um ser humano intenso. Ele fala com força, usa a pronúncia perfeita de um gramático; raramente pisca; tem a postura de um soldado palaciano. Essa intensidade fica explícita quando alguém o contraria — ele se inclina à frente com a espinha ereta e os olhos castanhos claro no interlocutor. Essa foi a posição que ele adotou na tarde de terça-feira (14), na sede do Facebook em Menlo Park (Califórnia), ao descrever a direção intervencionista que irá adotar daqui para frente em sua empresa e, por extensão, nos 1,86 bilhão de usuários espalhados por todo o planeta.

    "Todos que ligam para a ideia de conectar o mundo precisarão assumir um papel maior e tomar mais responsabilidade em fazer com que a comunidade global funcione para todos", disse o CEO do Facebook, em uma entrevista no escritório da empresa. "Sem isso, não há mais certeza de que o mundo se moverá nessa direção levando em conta o horizonte de tempo que um dia pensamos ser possível."

    Durante anos, o Facebook perseguiu a missão de tornar o mundo mais aberto e conectado, de maneira mais neutra possível. Por muito tempo, a empresa sustentou ser apenas uma plataforma de tecnologia que fornece às pessoas o que elas pedem, com algumas regras de convivência e a possibilidade de aprimorar a timeline aqui ou ali.

    Mas em uma importante carta publicada na quinta (16), e nesta entrevista ao BuzzFeed News, Zuckerberg sinaliza a intenção de usar o poder de sua plataforma mais ativamente para intervir nas vidas das pessoas de maneira real — seja ao apresentar novas ideias a elas ou ao tomar ações concretas para impedir as pessoas de machucarem elas próprias ou os outros.

    Trocando em miúdos, o Facebook está incorporando valores humanísticos à sua missão maior de conectar o mundo.

    Parte do que Zuckerberg defende em sua carta será visto como muito ambicioso, invasivo ou até assustador. Parte será interpretado como ingênuo, ou ao menos visto com ceticismo.

    Mas tanto na carta como em pessoa, Zuckerberg faz questão de dizer que pretende lançar mão da influência e da escala do Facebook para impactar lugares muito além do mundo digital.

    Alguns dos esforços que ele pretende defender incluem: diminuir a polarização ao apresentar um espectro de opiniões aos usuários e diminuir o alcance de notícias sensacionalistas; combater o bullying; prevenir as pessoas de causarem dano a si próprias ou a outros com a criação de sistemas que captem sinais desse tipo em publicações; construir inteligência artificial capaz de detectar recrutamento terrorista; e construir "a infraestrutura de longo prazo para unir a humanidade" em um mundo que cada vez mais questiona os méritos da globalização.

    Boa parte da carta foca nas crenças de Zuckerberg sobre para onde o Facebook deveria ir, em vez de se ater a produtos e serviços concretos a serem lançados pela empresa.

    O resultado da eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos — que influenciou profundamente impulsos contra a globalização, assim como a decisão pela saída do Reino Unido da União Europeia e o crescimento do sentimento nacionalista em todo o mundo — parece ter pesado especialmente na decisão de Zuckerberg.

    Vale notar que ao ser questionado se ele rejeita explicitamente o nacionalismo e o nativismo em favor do globalismo, Zuckerberg disse que não, acrescentando que "frequentemente essas coisas são descritas como opostas de um modo que não acho verdadeiro". Mas então ele argumentou que os problemas que espera atacar não podem ser resolvidos por uma única nação sozinha.

    "Muitas das grandes oportunidades — seja garantir que todos no mundo tenham liberdade e prosperidade, ou erradicar doenças, ou tirar as pessoas da pobreza... Todas essas oportunidades, e também muitos dos grandes desafios — como combater a mudança climática ou o fato de que a guerra civil em um país leva a uma crise de refugiados em vários continentes —, não são desafios nacionais, são problemas globais. Eu sinto que não temos a infraestrutura adequada para lidar com esses problemas hoje. Isso é algo que precisa ser construído."

    Essa adoção do globalismo é melhor interpretada como parte de uma evolução para a empresa. A missão de conectar o mundo por meio da iniciativa de levar internet a lugares com menos infraestrutura — a Internet.org — foi apresentada (talvez de maneira errada) em termos altruísticos. Na conferência de desenvolvedores do Facebook no ano passado, Zuckerberg deu um discurso que foi interpretado como repúdio ao Trumpismo e ao crescimento do sentimento de nacionalismo em todo o mundo. Ele disse: "Eu ouço vozes cheias de medo pedindo a construção de muros contra pessoas que eles classificam como 'os outros'."

    O que parece evidente é que Zuckerberg percebe ameaças ao globalismo e espera usar o poder do Facebook para ajudar em mudanças no sistema internacional.

    Combater notícias falsas e sensacionalismo

    Zuckerberg também parece ter entendido o papel que o Facebook desempenha em distribuir desinformação, uma das principais ferramentas para dividir sociedades. Após classificar a noção de que notícias falsas influenciaram a eleição americana como "muito maluca", o Facebook buscou a ajuda de serviços de checagem jornalística. Da mesma maneira, após minimizar a força da empresa no ecossistema de mídia, nos últimos meses Zuckerberg disse que o Facebook "não é uma empresa de tecnologia tradicional", so ser questionado sobre sua influência na maneira como as pessoas consomem mídia.

    Na carta, Zuckerberg diz que criar uma "comunidade informada" é um objetivo-chave, afastando a desinformação e o sensacionalismo que levaram à polarização e "à perda de um entendimento comum", que ele acredita ser necessário para o progresso.

    Para consertar esses problemas, Zuckerberg oferece algumas sugestões, como reduzir o alcance de textos sensacionalistas. Ele também aponta para uma possível solução "que mostraria diversas perspectivas [sobre um assunto], nos mostrar que nossas opiniões estão em um espectro para chegarmos a uma conclusão sobre o que achamos certo".

    Zuckerberg acredita que o Facebook deve entregar o que as pessoas querem ver, mas esse ponto de vista se tornou complicado na era das notícias falsas. Mesmo assim, Zuckerberg argumenta que, em última análise, as pessoas querem ler reportagens boas e bem apuradas. "Eu não acredito que ninguém jamais disse a nós que quer ver algo mesmo que seja mentira."

    "Agora há essa questão, principalmente desde o ano passado, sobre se ter essa diversidade de ideias fragmenta nosso senso compartilhado de realidade", ele disse.

    "Qualquer comunidade precisa de duas coisas a fim de atingir progresso: é necessário um modo de criar novas ideias sobre como atingir o progresso — caso contrário, você fica estagnado —, e é necessário um modo de as pessoas terem um entendimento comum mínimo, para que possam progredir juntas. Há várias coisas que podem destruir esse entendimento comum. Desinformação é uma delas. Sensacionalismo é outra — se as pessoas mostram apenas uma parte da verdade que contribui à falta de consenso e à polarização."

    "Agora há essa questão, principalmente desde o ano passado, sobre se ter essa diversidade de ideias fragmenta nosso senso compartilhado de realidade."

    —Mark Zuckerberg

    Mas apesar de os usuários não terem pedido desinformação ou sensacionalismo, há certos indícios de que eles gostam.

    Links desse tipo são como doces: muito gostosos de início, ruins pra você em última análise, e muito difíceis de recusar. Tirar esse doce de circulação é uma manobra ousada, e Zuckerberg parece entender a importância de fazer isso com cuidado.

    "Com desinformação, a premissa básica que estamos seguindo não é banir coisas que as pessoas acreditem ser desinformação. De maneira geral, estamos tentando mostrar outros sinais, para que as pessoas possam avaliar sozinhas."

    Combater o crime

    Outro grande assunto na carta de Zuckerberg, e talvez o mais controverso, é o comprometimento de usar o poder do Facebook para prevenir que as pessoas se machuquem a si ou a outros. Trabalhar esse tema parece algo pessoal para Zuckerberg, que se irritou ao discutir um incidente recente na plataforma. "Há algumas semanas, uma menina fez um vídeo ao vivo dela se matando", disse. "É difícil administrar essa empresa e sentir que, talvez, bem, nós não fizemos nada porque ninguém reportou."

    Em vez de esperar avisos dessa natureza, como o Facebook fez no passado, Zuckerberg sugeriu um approach pró-ativo, com o auxílio de inteligência artificial, que não necessita de avisos dos usuários. "Olhando à frente, uma das nossas maiores oportunidades para manter as pessoas seguras é construir inteligência artificial para entender mais rapidamente e com mais precisão o que está acontecendo em nossa comunidade", escreveu o CEO na carta.

    Dada sua escala sem precedência, o Facebook poderia salvar muitas vidas ao se tornar ativamente intervencionista. Questionado sobre a filosofia do Facebook sobre quando intervir, Zuckerberg disse que em muitos casos "a questão é: 'O que é possível?'". Quando a tecnologia do Facebook atingir um ponto em que for capaz de detectar sinais de que alguém vai se machucar ou está praticando bullying contra outro usuário, isso irá "criar muito valor e também levantar muitas perguntas sobre como e onde usar essa tecnologia", explicou Zuckerberg. "Alguns desses casos em que seria possível salvar vidas provavelmente serão os primeiros."

    Como bem sabe o Facebook, você não monitora as conversas particulares das pessoas sem enfrentar perguntas válidas sobre privacidade. Em sua carta, Zuckerberg abre-se a questionamentos do tipo, entrando em território que parece saído do filme "Minority Report" — no qual a tecnologia é capaz de prever crimes que vão acontecer no futuro.

    Ele descreve, por exemplo, o objetivo de perceber o risco de algum crime acontecer usando inteligência artificial para identificar "e rapidamente remover qualquer um que tente usar nossos serviços para recrutar terroristas".

    Questionado sobre o equilíbrio entre segurança e privacidade, Zuckerberg disse acreditar que isso não é um jogo de soma-zero. "Você pode ter dois objetivos com as coisas, mesmo que eles estejam em conflito, e atingir progresso em ambos", ele disse. Utilizando apenas metadados, por exemplo, o Facebook é capaz de identificar pessoas praticando spam no WhatsApp sem ler o conteúdo das mensagens em si. "Em geral, nós criaremos muito valor para muitas pessoas ao buscar as duas direções ao mesmo tempo, em vez de nos atrasarmos pelos pontos em que elas estejam em conflito, porque em boa parte do tempo elas não estão em conflito."

    Este post foi traduzido do inglês.

    Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

    Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.