Como o Twitter conseguiu dar uma improvável volta por cima

    O passarinho ressurge das cinzas.

    Dois anos atrás, os elogios fúnebres para a cerimônia de enterro do Twitter estavam sendo escritos.

    À deriva e com um produto sem direção, a empresa perdia usuários e anunciantes e parecia incapaz de conter a metástase de uma crise de trolls que estava destruindo sua credibilidade. Dezenas de funcionários deixaram a companhia, e centenas de outros foram demitidos. A empresa tentou uma venda, mas ela também não foi para frente.

    A imprensa, Wall Street e o público eram impiedosos. A revista "The New Yorker" declarou “o fim do Twitter”. O analista Michael Nathanson disse que, a 14 dólares, “não havia razões convincentes" para segurar os papéis da empresa. Seus colegas recomendaram que os investidores vendessem as ações. Em um único final de semana de 2016, mais de 1 milhão de pessoas tuitaram “#RIPTwitter”.

    No entanto, enquanto os elogios fúnebres estavam sendo publicados, as coisas começaram a mudar. Os resultados financeiros do Twitter começaram a superar a expectativa do mercado. Aos poucos, funcionários-estrela voltaram para a empresa e encontraram uma cultura interna muito mais positiva que o ambiente tóxico que haviam deixado. Os anunciantes e os usuários também retornaram. E as ações da empresa, que a um preço de 14 dólares antes não tinham apelo para analistas como Nathanson, agora são negociadas a cerca de 45 dólares cada uma.

    Ainda é meio tabu concluir, mas também não se pode negar: o Twitter está dando uma virada milagrosa. É a primeira grande rede social que perdeu usuários e voltou a crescer de maneira significativa.

    A empresa afirma ter 336 milhões de usuários ativos por mês, contra 305 milhões no quarto trimestre de 2015, quando perdeu 2 milhões de usuários. É também um crescimento importante em relação aos 328 milhões de um ano atrás. E as receitas do Twitter, que tinham encolhido no primeiro trimestre do ano passado, aumentaram 21% no primeiro trimestre deste ano.

    “No campo da internet, quando as coisas começam a desacelerar ou a entrar em colapso, elas desaparecem”, disse ao BuzzFeed News Rich Greenfield, analista do BTIG. “No agregado, essa recuperação não tem precedentes.”

    O improvável ressurgimento do Twitter pode ser atribuído a quatro fatores principais: (1) a aceitação de que a empresa jamais será um Facebook, o que a levou à decisão de investir em notícias, enquanto o Facebook batia em retirada. (2) A decisão de oferecer vídeos ao vivo premium no serviço. (3) A ordem do CEO, Jack Dorsey, para que a equipe de produto repensasse tudo. (4) E um componente-chave de várias grandes viradas: a sorte.


    As notícias compensam

    É difícil exagerar a importância da decisão do Twitter de associar sua identidade às notícias. Durante anos, você poderia perguntar à empresa: “O que vocês são, exatamente?” sem receber uma resposta direta – porque nem o próprio Twitter sabia. A abundância de comunidades formadas no serviço – esportes, negros, esquisitices, memes, celebridades e assim por diante – complicava a tarefa de chegar a uma definição. E o Twitter não conseguia escolher uma coisa que fizesse muito bem. Mas, em abril de 2016, foi tomada a decisão. A empresa mudou da seção de “Redes Sociais” para a de “Notícias” na App Store da Apple.

    Quando o Twitter decidiu que era um app de notícias, a empresa começou a investir em suas principais forças. O serviço começou a exibir vídeos ao vivo de conteúdo noticioso, passou a promover notícias na timeline e a mandar mais tráfego para sites de veículos de imprensa. Projetos paralelos foram cortados – alguns deles aquisições de centenas de milhões de dólares, como Fabric, TellApart e Vine.

    “Há dois anos, estávamos fazendo coisas demais, mas nenhuma delas direito”

    “Eles estão entregando mais rápido, com menos pessoal, o que mostra como a empresa estava inchada na tentativa de competir por talentos com o Facebook – e como muitas daquelas pessoas eram inúteis”, disse ao BuzzFeed News uma pessoa próxima da empresa.

    O próprio Twitter admite que tinha problemas de foco. “Há dois anos, estávamos fazendo coisas demais, mas nenhuma delas direito”, diz Matt Derella, responsável por receitas e parcerias de conteúdo. “Foi uma clareza incrível para a organização saber em que estamos focados, e isso ajuda as pessoas a enxergar o que está acontecendo.”

    A decisão de migrar para notícias coincidiu com um dos períodos mais cheios de manchetes da última década. A eleição de Donald Trump em 2016, o Brexit e as convulsões políticas mundo afora fizeram as pessoas prestar muita atenção no noticiário para tentar entender o mundo à sua volta. Também não atrapalhou o fato de Trump ser um usuário prolífico do Twitter. O presidente americano costuma determinar a agenda do dia com tuítes publicados de manhã bem cedo (e talvez os hábitos de Trump tenham ajudado a esclarecer para os chefes da empresa o que é o Twitter). O número de usuários ativos por dia vem crescendo a taxas de dois dígitos nos últimos seis trimestres.

    Para entender como as notícias ajudaram o Twitter, o analista Greenfield, do BTIG, sugeriu que o BuzzFeed News comparasse o gráfico das ações da empresa com o do jornal "The New York Times". As ações das duas empresas têm trajetórias praticamente idênticas. Apesar de o foco em notícias não ser o único responsável pelo ressurgimento do Twitter, a semelhança entre as duas linhas é esclarecedora.


    Quem sabe faz ao vivo

    O investimento agressivo em vídeo ao vivo premium também gerou dividendos. Tudo começou com a ousada compra de um pacote de jogos da NFL, a liga profissional de futebol americano, pelo qual o Twitter pagou 10 milhões de dólares em abril de 2016. Depois, vieram vários outros negócios semelhantes – hoje, o Twitter exibe vídeo ao vivo durante o dia todo, muitas vezes mais de um ao mesmo tempo.

    Anthony Noto, ex-chefe de operações do Twitter, disse ao BuzzFeed News no ano passado que a empresa investiu em vídeo ao vivo porque ele gera conversas entre os usuários interessados no assunto do vídeo. Assim, faz sentido até mesmo investir em esportes de nicho, como o lacrosse. “Nosso objetivo é dar à nossa audiência as coisas pelas quais ela é apaixonada”, disse Noto. “Algumas ligas profissionais de arremesso de dardo têm quase 300 mil seguidores; podemos servir a esse público tão bem quanto os torcedores do [time de beisebol] Boston Red Sox.”

    Com os acordos fechados com grandes empresas de mídia – em abril foram anunciados mais de 30, com provedores como ESPN, Live Nation e, sim, o BuzzFeed News –, o Twitter também aumentou dramaticamente a oferta de vídeos de primeira linha (e seguros) junto aos quais pode vender publicidade.

    “Em janeiro de 2018, vídeo era 90% do nosso investimento [em publicidade] no Twitter, comparando com 75% em janeiro de 2016”, diz Aaron Goldman, diretor de marketing da 4C Insights, empresa especializada em tecnologia de marketing e parceira da API Twitter Ads. Os clientes da 4C investiram mais de 1 bilhão de dólares no serviço no ano passado.

    “Conteúdo ao vivo e essa associação com vídeo é muito importante para nós”, disse ao BuzzFeed News Jimmy Bennett, chefe de mídia e estratégia de redes sociais da rede de lanchonetes Wendy’s. “Vai continuar sendo um mundo em que investimos, inovamos e criamos.”

    Derella, do Twitter, não se fez de rogado sobre a importância da estratégia de vídeo da empresa. “Vídeo é muito, muito importante para a gente”, disse ele. “É nosso principal formato em termos de receita.”

    Entrega rápida

    Quando Jack Dorsey voltou ao cargo de presidente do Twitter, em meados de 2015, ele determinou que a equipe de produto repensasse tudo. A empresa estava atravessando muitas dificuldades, então Dorsey disse que nada era sagrado, nem sequer o limite de 140 caracteres por tuíte ou a timeline cronológica reversa.

    A equipe apresentou um algoritmo para reordenar a timeline em fevereiro de 2016, acabando com a tradicional ordem cronológica reversa, e, no fim do ano passado, aumentou o limite de caracteres para 280. Ambas as mudanças provocaram fortes reações negativas dos usuários. O algoritmo que reordenava a timeline inspirou a hashtag #RIPTwitter, e Dorsey negou que o Twitter seguiria adiante com as mudanças depois de o BuzzFeed News noticiá-las (mas elas acabaram sendo implementadas).

    Apesar da revolta de alguns, a mudança ajudou os usuários mais novos e casuais (que tinham experimentado e abandonado a plataforma às centenas de milhões) – agora eles tinham a chance de encontrar os melhores posts sem fazer tanto esforço. “A raiz dos problemas do Twitter é que eles tinham medo de fazer melhorias incrementais”, disse Greenfield. “No fim das contas, o Twitter é um desafio de machine learning. Todas as informações estão ali; a questão é trazê-las à tona para as pessoas certas, na hora certa.”

    Ainda em 2016, uma série de notícias devastadoras e de abandonos de usuários de destaque forçaram a empresa a lidar com problemas mais complicados, que vinham sendo ignorados havia muito tempo: o abuso e o assédio desenfreados.

    Em 2017, Dorsey estabeleceu o combate ao assédio como a prioridade do Twitter. A equipe de produto lançou funções antiassédio em ritmo jamais visto para uma empresa conhecida por andar devagar. Tweets que poderiam configurar abuso eram escondidos; a busca passou a incluir filtros antiabuso; usuários sem endereço de email confirmado ou que não subissem uma imagem para o perfil poderiam ser silenciadas (com a função mute). Também foi criado um filtro para dar mute em tuítes que contivessem palavras específicas. Eles até mesmo acabaram com a imagem de perfil padrão, acabando com os ovos que há muito tempo eram sinônimo de trolls tóxicos.

    O Twitter também passou a policiar abusadores em série e grupos de ódio, estendendo as regras para o que as pessoas fazem fora da plataforma. Em fevereiro de 2017, a empresa começou a conter o alcance das contas abusivas e retirou o ícone de contas verificadas de supremacistas brancos, uma mudança importante na política que afirmava que a verificação de contas não significa endosso.

    O assédio e o abuso ainda estão longe de ser resolvidos no Twitter. Na semana passada, a atriz Millie Bobby Brown saiu do serviço depois de ser alvo de um meme antigay. Mas pelo menos o Twitter parece estar mais bem posicionado.

    “Eles são muito sérios no combate ao abuso, ao assédio, às ameaças e à pornografia não-consensual”, disse ao BuzzFeed News Danielle Citron, professora de direito da Universidade de Maryland. Citron, que faz parte do Conselho de Confiança e Segurança e não tem relação financeira com a empresa, disse que as coisas estão melhorando no Twitter, pelo menos até onde ela consegue enxergar. “Escrevo sobre cyberstalking e assédio e ameaças, então recebo muitos emails. Mas são menos sobre o Twitter”, disse ela.


    Sorte não faz mal a ninguém

    Por fim, o Twitter teve sorte em várias frentes. Vários fatores fora do controle da empresa beneficiaram a companhia. A boa performance da ação coincidiu com uma alta global dos mercados. A decisão de focar em notícias foi acompanhada pelo recuo do Facebook, depois de uma série de escândalos. E o Snapchat, que chamou muita atenção dos anunciantes na época do lançamento das ações na Bolsa, esfriou dramaticamente, abrindo um flanco para que o Twitter se apresentasse de novo.

    Houve sorte até mesmo do ponto de vista da cultura interna. Depois de duas rodadas de cortes e demissões voluntárias, o Twitter demitiu funcionários tóxicos e manteve aqueles que acreditam na plataforma. Quando esse núcleo se fundiu com os novos funcionários, surgiu uma nova cultura muito diferente da “zona de guerra” que existia antes. Algumas estrelas voltaram e hoje são conhecidas como “ReTweeps”.

    “Não existe mais a sensação de um barco afundando, mas, sim, de uma volta por cima à la Rocky”

    “Não existe mais a sensação de um barco afundando, mas, sim, de uma volta por cima à la Rocky”, disse um ex-funcionário do Twitter ao BuzzFeed News, descrevendo suas conversas com os ex-colegas que ainda estão na empresa.

    Em uma entrevista na semana passada, Michael Nathanson, o analista de Wall Street que recomendava vender as ações do Twitter quando elas valiam 14 dólares, deixou claro como se sente a respeito do ressurgimento da empresa: “Estou frustrado”.

    E então Nathanson fez uma ressalva, algo que sempre vem junto das boas notícias do Twitter. Os números fundamentais do Twitter estão melhorando, afirmou ele, mas a ação está cara, especialmente em comparação aos concorrentes. A ação do Twitter, disse Nathanson, está valendo 25 vezes a receita antes de pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização. A Alphabet (holding que controla o Google) é negociada a um fator de 14 vezes, e a do Facebook, de 12,5 vezes. Ao comprar ações do Twitter pelo preço atual, os investidores estão apostando que a empresa vai conseguir entregar mais lucros em algum momento do futuro – mas isso não é nenhuma garantia, dado o histórico turbulento da empresa. O Twitter inevitavelmente vai voltar à Terra, sugeriu Nathanson. Ele ainda recomenda que os investidores se desfaçam das ações da empresa. Mas ele reconheceu que a empresa tem uma das coisas mais importantes no mercado de hoje: embalo.

    “As histórias de virada no mundo digital são baseadas em narrativas. É a esperança no amanhã, a esperança no que conseguimos enxergar. Sempre dizemos que toda boa ação de crescimento precisa de uma história e de pessoas que acreditem nessa história”, disse Nathanson. “Eles consertaram a história de crescimento.”

    Este post foi traduzido do inglês por Sérgio Teixeira Jr.

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