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Taylor Swift e o fim de uma era

Ame-a ou odeie-a, Taylor Swift incorporou as contradições da década na música pop.

"I’m so sick of running as fast as I can" (em tradução livre, estou tão cansada de correr o mais rápido que posso), canta Taylor Swift no refrão de "The Man", música do seu último álbum, Lover. Ela escolheu a música acelerada para abrir seu medley de "Artista da Década" no AMAs (American Music Awards) que aconteceu mês passado, e é um retorno aos temas swiftianos familiares; ela responde aos críticos sexistas, sem citar nomes, que não reconhecem suas "boas ideias e atitudes poderosas".

Não é surpresa que no final dos anos 2010 Taylor Swift esteja exausta. Sua transformação de sensação country para estrela pop queridinha dos tabloides, e depois para objeto de debate no Twitter, e depois para uma supercelebridade, finalmente, exigiu — no mínimo — bastante resistência.

Não há dúvidas de que a feminilidade hétero e branca ainda ocupa um lugar privilegiado no cenário cultural, o que ajudou a abrir caminho para a ascensão de Taylor e seu domínio pop de uma década — mesmo quando ela se tornou um símbolo desse privilégio e um alvo para quem procura contestar isso.

Repetidamente, Taylor compreendeu e aproveitou estrategicamente os movimentos culturais da década, decidindo não apenas quais tendências e gêneros seguir, mas, talvez o mais importante, que mensagem transmitir. Quando a música pop se tornou um reality show focado na competição, Taylor estava lá; quando a cultura das fanbases obsessivas transformou a maneira como os ouvintes interagiam com os artistas (e entre si), Taylor estava lá; quando os direitos dos artistas na era do streaming se tornaram tema de debate, Taylor estava lá; quando a política se infiltrava na música, Taylor (de certa forma) estava lá.

Com certeza existem muitos outros candidatos a Artista da Década (um título que tanto o AMAs como a Billboard concederam recentemente a Taylor) — artistas que impactaram muito a música pop nos últimos 10 anos e conseguiram sobreviver às mudanças repentinas da indústria durante esse período, de Beyoncé a Lady Gaga e a Kanye West.

Mas você não precisa achar que Taylor Swift foi a "melhor", nem mesmo a artista mais importante da década, para reconhecer que sua dominação cultural, e sua capacidade de se articular e se reinventar, capturou muitos dos problemas marcantes da música pop na última década.

É difícil de imaginar que, antes de 2010, Taylor era apenas uma estrela pop adolescente e ainda não chamava tanta atenção no meio musical.

Ela já era levada a sério como artista musical e tinha muito capital cultural quando a década começou; em 2009, já com o prêmio de Artista do Ano do AMAs, ela estava prestes a receber um Video Music Award por Melhor Vídeo Feminino quando Kanye canalhamente interrompeu seu discurso.

No início de 2010, ela ganhou o prêmio de Álbum do Ano por Fearless no Grammy, vencendo Beyoncé e Lady Gaga.

Sua fama inicial girou principalmente em torno do fato de que ela era uma artista country jovem e precoce que escrevia suas próprias músicas, sem provocações à la Britney Spears. E foi só com Speak Now — quando Taylor já era uma estrela mainstream, mas ainda categorizada como country — que ela começou a mostrar sutilmente para a mídia e seus fãs como suas letras autobiográficas mapeavam sua vida real, especialmente em relação aos homens com quem estava namorando.

As pessoas ainda se perguntam se "You Oughta Know", de Alanis Morissette, é sobre o tio Joey, então foi surpreendente para uma jovem compositora e celebridade musical do seu alcance comercial usar suas músicas para criar histórias tão íntimas sobre homens igualmente famosos, incluindo Joe Jonas, Taylor Lautner e John Mayer.

E havia algo especialmente ousado na maneira como Taylor começou a usar suas composições confessionais e sensibilidade melódica para "ter a última palavra" em seus relacionamentos, conforme a revista People estampou na sua capa.

As pessoas pouco se importaram ao ver que a primeira música de Ariana Grande a atingir o topo das paradas, "Thank U, Next", de 2018, literalmente citava todos os seus ex-namorados, e isso se deve em grande parte a Taylor Swift.

Pois enquanto estrelas de reality shows como The Kardashians e Real Housewives estavam descobrindo como contar histórias em diferentes plataformas por meio das redes sociais, Taylor já aplicava essa estratégia de maneira pioneira na grande indústria do pop. Sim, ela, de maneira oportunista, usou isso para envergonhar seus ex-namorados, dar assunto para talk shows e colecionar capas de revistas; e, desde então, essa maneira de usar seu poder acabou irritando algumas pessoas.

Mas era inegavelmente um espetáculo muito convincente, e até quem não era fã estava assistindo.

Enquanto estrelas da TV estavam descobrindo como contar histórias em diferentes plataformas por meio das redes sociais, Taylor Swift já aplicava essa estratégia de maneira pioneira na grande indústria do pop.

Essa mistura de música e drama em diferentes plataformas não seria um sucesso sem as canções autênticas e cativantes que grudam na sua mente provenientes do diário de Taylor, ou sem a base de fãs que ela cultivou online.

Tudo isso a ajudou a quebrar recordes nas paradas com seus álbuns pop mais explícitos, incluindo o álbum de2012, Red, e o álbum de 2014, inspirado nos anos 80, 1989.

Mas quando a música de Taylor saturou as rádios, e sua boa vontade em compor canções com detalhes sobre sua vida e ex-namorados, como Harry Styles ("Style"), transformou-se em ataques a outras estrelas pop, como Katy Perry ("Bad Blood"), o público começou a criticar negativamente a maneira estratégica como Taylor estava usando a vida pessoal nas suas músicas.

Juntamente com o feminismo do qual Taylor tanto se orgulha, seu oportunismo — e sua aparente hipocrisia — começaram a irritar.

E todas essas contradições da persona de Taylor viriam à tona quando a briga, aparentemente encerrada, entre ela e Kanye ganhasse novo fôlego.

Faz sentido que seu conflito com Kanye e Kim Kardashian West tenha sido a primeira grande retaliação que ela sofreu.

Ao contrário do drama em torno de sua vida amorosa ou com Kate Perry, foi a primeira vez que Taylor enfrentou adversários igualmente experientes — celebridades que, como ela, eram profissionais em mesclar suas vidas pública e privada.

O conflito foi um momento intencional de reflexão, inspirado na música de Kanye "Famous", onde ele canta: "I made that bitch famous" (em tradução livre, "eu que deixei essa vadia famosa").

Olhando em retrospecto, parece claro que Kanye, uma diva pop semelhante a Taylor que está sempre em busca de publicidade, estava tentando ter a última palavra depois de se desculpar tantas vezes sobre a interrupção tão famosa no mundo todo.

Taylor disse ter ficado chateada com a mensagem da música em que ele diz "ser responsável pela fama dela" e tentou fazer disso parte de sua própria narrativa.

"Gostaria de dizer a todas as jovens por aí", ela disse em seu discurso ao aceitar o Grammy de Álbum do Ano em fevereiro de 2016, "que sempre vai ter alguém no seu caminho tentando prejudicar seu sucesso ou receber crédito por suas realizações ou sua fama."

Em outra época, a versão de Taylor teria vingado. O publicitário dela negou que Taylor tivesse aprovado a frase da música, apesar de Kanye ter afirmado que checou com ela antes de torná-la pública. Mas as narrativas das celebridades, de certa forma, não estavam mais sendo decididas apenas pela mídia dominada pelos brancos. Revistas voltadas para o público negro foram as primeiras a mostrar que Taylor havia mentido.

Mesmo assim, foi apenas em julho, no vazamento do Snapchat da Kim — em que podemos ouvir um áudio de Taylor aprovando a música — que a narrativa dela como vítima se tornou um contexto para entender toda sua carreira.

Estrelas pop contemporâneas e brancas, como Ariana Grande e Miley Cyrus, já enfrentaram acusações de apropriação musical, mas desta vez era a persona completa de Taylor — não apenas sua música — que estava sob análise.

A resposta digna de meme de Taylor ao vazamento — "Gostaria muito de ser excluída dessa narrativa" — foi acompanhada pelo seu desaparecimento da mídia.

Quando as eleições de 2016 aconteceram — em meio à conversas sobre a cumplicidade das mulheres brancas na vitória de Trump —, Taylor se recusou a assumir uma posição política, e isso fez dela uma vilã cultural, e seu simbolismo como uma espécie de ícone da feminilidade branca e tóxica foi consolidado.

Se o clamor das redes sociais (especialmente o Twitter) foi fundamental para a repercussão negativa contra Taylor, também foi fundamental para seu retorno.

Na última década, as redes sociais (especialmente o Instagram) vêm sendo um diferencial na cobertura de celebridades e ajudaram essas celebridades a contar suas histórias da maneira que elas quisessem, quase sem intermediários.

Taylor sabia como usar isso em seu proveito e decidiu usar essa estratégia para conquistar objetivos maiores.

Ao ficar sem conceder entrevistas por 18 meses, limpando suas redes sociais e se concentrando em cultivar sua base de fãs no Tumblr, Taylor se afastou do meio cultural por um momento.

Esse tipo de gerenciamento de marca permitiu que ela ficasse mais atenta àquilo que estava ao seu redor, enquanto se retirava para um exílio voluntário.

Em agosto de 2017, ela limpou suas redes sociais e reapareceu com o vídeo de uma cobra que, no final das contas, era o anúncio de seu álbum, Reputation, isso é até hoje um dos lançamentos em redes sociais mais icônicos de todos os tempos.

"Look What You Made Me Do", o single principal, virou meme infinitas vezes — Taylor "couldn’t come to the phone" (em tradução livre, não podia atender ao telefone), uma metáfora perfeita para seu desaparecimento e, talvez, uma espécie de remake fantasmagórico da ligação de Kanye.

Posteriormente, ela quebrou recordes com as vendas do álbum e com a turnê.

Misturar a vida pública e particular por meio da música pode trazer grandes recompensas, mas também expõe as estrelas — especialmente as mulheres do pop — à uma vigilância mais intensa.

Porém, seu silêncio político estava afetando sua imagem e sua música – e, em 2018, Taylor resolveu apoiar candidatos democratas, estabelecendo como objetivo o apoio aos direitos LGBTI+ e à justiça racial. Apesar do sucesso de Taylor em atualizar sua persona, ela nunca recuperou seu forte domínio nas rádios — mas nenhuma estrela pop pode depender apenas do sucesso dos singles por mais de uma década.

Na verdade, Taylor é uma das figuras mais interessantes dos anos 2010, pois seu estrelato está situado entre a época em que os álbuns de música eram comprados e a nova era do streaming.

E, Taylor transformou seus próprios problemas da indústria, relativos ao streaming e à propriedade artística, em uma análise mais ampla sobre os direitos dos artistas — que funciona como uma forma inteligente de gerenciamento de marca.

Ela formou uma imagem de empresária ética ao chamar a atenção da Apple por não pagar artistas e enfrentou o Spotify na briga pelos direitos autorais em plataformas de streaming, mas sem realmente pressionar por mudanças sistêmicas mais amplas no setor. No início deste ano, Taylor começou um novo conflito do tipo "artista vs indústria" sobre suas gravações masters (originais) que foram compradas por seu maior inimigo, Scooter Braun.

É uma história complicada, que Taylor descreveu como sendo sobre "privilégio masculino e tóxico" e sobre o fato de Braun ter zombado dela durante a época do conflito com Kanye — novamente misturando, na sua maneira de exibir a marca, o pessoal com o público e o sistêmico com o particular.

Em vez de ser vista como oportunista, Taylor parece ter conseguido estabelecer sua campanha como uma luta pelos direitos de artistas que não têm contratos.

A resposta de Taylor sobre ser consagrada como Artista da Década pelo AMAs e pela Billboard fornece informações interessantes sobre como ela se vê agora e para onde ela acha que a próxima década está indo.

Ela escolheu Carole King, um dos símbolos mais importantes da autenticidade da música pop, para lhe entregar seu AMA, colocando-se diretamente em uma linhagem de grandes cantoras e compositoras.

Ela também chamou as brilhantes estrelas pop da próxima geração, Camila Cabello e Halsey, para cantarem seus antigos sucessos juntas.

No seu discurso da Billboard, Taylor citou novas estrelas como Lizzo, Becky G e Billie Eilish como o futuro da indústria. Surpreendentemente, são mulheres que, até agora, não participaram dos dramas pop dos tabloides que dominaram os anos 2010.

Se esta década nos mostrou alguma coisa, é que misturar a vida pública e a particular por meio da música pode trazer grandes recompensas, mas também expõe as estrelas — especialmente as mulheres do pop — a uma vigilância mais intensa e a um grau maior de responsabilidade pessoal.

Em uma entrevista da Billboard, fazendo uma retrospectiva da década, Taylor falou sobre seu relacionamento com a fama e como aprendeu a manter algumas coisas só para ela. "Eu não sabia muito bem o que exatamente... compartilhar e o que guardar. Acredito que muitas pessoas passam por isso, especialmente na última década", ela disse. "Teve essa fase em que as redes sociais pareciam divertidas, casuais, peculiares e seguras. E então chegou ao ponto em que todos precisam avaliar seu relacionamento com as redes sociais. Então decidi que a melhor coisa que tenho para oferecer às pessoas é a minha música."


Este post foi traduzido do inglês.

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