A vida e a morte dentro da cidade que mais sofre com o terrorismo

Atentados da facção terrorista Estado Islâmico (EI) passaram a ser parte do cotidiano de Bagdá, a capital do Iraque. O repórter Borzou Daragahi visitou o local de um atentado em que 300 pessoas morreram.

Alice Martins for BuzzFeed News

BAGDÁ, Iraque — Dhulfiqar Oraibi não queria sair de casa naquele sábado à noite.

Ele estava cansado. Mais cedo naquele dia, o garoto de 16 anos e seu irmão de 26, Muthana, tinham ido ao Aeroporto Internacional de Bagdá buscar o pai, que voltava de uma viagem de negócios na Itália. Estava calor na rua, com temperaturas acima dos 32 graus Celsius, e todos estavam mal-humorados, por causa do jejum do Ramadã. Dhulfiqar estava tirando um cochilo no final do dia quando seu pai foi até seu quarto, no segundo andar da casa, para ver se estava tudo bem.

"De repente tive essa vontade", disse Ghanim Oraibi, um ex-goleiro famoso da seleção do Iraque, que raramente subia as escadas por causa de uma incômoda lesão no joelho. "Eu passei cinco minutos observando-o dormir e tive um sentimento de que poderia ser a última vez que o veria."

A explosão ocorreu três horas mais tarde, mais ou menos às 0h45 do dia 3 de julho. Sirenes de carros de polícia e ambulâncias eclodiram pela cidade. Uma fumaça negra tomou o céu. Oraibi, acordado pela explosão, procurou por seus dois filhos pela casa, mas não conseguiu encontrar nenhum deles. Ele tentou ligar para o número dos dois, finalmente conseguindo falar com Muthana. Tudo o que o jovem conseguiu dizer foi "reze por nós", antes de a ligação cair.

Oraibi não fazia ideia de como Dhulfiqar tinha sido convencido por Muthana e seu genro, Ahmed Kadhem, a deixar sua soneca . Os jovens homens saíram de casa para aproveitar a temperatura mais fresca da noite para um passeio de última hora por Karrada, bairro central de Bagdá. Eid al-Fitr, o feriado de uma semana no final do Ramadã, estava chegando, e eles queriam comprar algumas roupas novas antes das férias em Erbil, cidade ao norte. Então eles se juntaram às milhares de pessoas que se aglomeraram nas ruas àquela noite, aproveitando as lojas, os cafés e os restaurantes que tinham voltado à vida desde que o primeiro-ministro, Haider al-Abadi, havia suspenso um odiado toque de recolher à meia-noite que durou pelos últimos doze anos.

Centenas de pessoas estavam nas ruas — passeando, fazendo compras, bebendo chá e fumando narguilé — quando a explosão ocorreu. O terrorista suicida explodiu um carro-bomba em um ponto-chave na rua Inner Karrada, entre os shoppings Hadi e Laith. Testemunhas descreveram um som como uma grande batida e um impacto que arremessou pessoas a dezenas de metros de distância. O fogo rapidamente tomou toda a área, e os sons de gritos competiam com os alarmes de carros e prédios.

Na confusão, algumas pessoas que estavam nas ruas correram para dentro dos shoppings, preocupadas com a explosão de mais bombas. No entanto, padrões ruins de construção e regulações mínimas de segurança contra incêndios fez com que os dois prédios pegassem fogo. Mais de 300 pessoas morreram no bombardeio e incêndios subsequentes. O ataque, assumido pela facção terrorista Estado Islâmico (EI), transformou uma noite cheia de vida em um dos distritos mais vibrantes da cidade em uma cena de horror.

Alguns dos corpos ficaram tão deformados que ainda não conseguiram ser identificados, mais de três meses depois. Outros pareciam ilesos, mas estavam com os pulmões todos queimados pela fumaça tóxica.

Muthana e um amigo passaram horas fazendo buscas nos destroços do shopping. Ao lado dos bombeiros, eles puxaram dezenas de corpos para fora. No fim, ele identificou seu cunhado, Ahmed Kadhem, pelo seu relógio. Já era dia quando encontraram o irmão caçula de Muthana. "O último foi Dhulfiqar", disse. "Suas pernas estavam completamente queimadas."

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Alice Martins for BuzzFeed News

Mãe de jovem morto em atentado coloca camisa de futebol sobre foto do filho, 24 de setembro de 2016.

Durante vários dias, os enlutados homenagearam e choraram por seus mortos. As vítimas xiitas do atentado foram levadas ao grande cemitério na sagrada cidade de Najaf. As sunitas, ao cemitério em Abu Ghraib, a oeste da capital. As poucas vítimas cristãs, a um cemitério a noroeste dos limites da cidade.

Ainda assim, o bombardeio recebeu pouca atenção do resto do mundo, especialmente se comparado aos atentados que ocorreram em Nice (França) e em Orlando (EUA). Foram poucas as matérias de capa e quase nenhuma cobertura ao vivo na TV. "O pior ataque do EI em dias é aquele com o qual o mundo menos se importa", conclui o jornal "The Washington Post".

Os moradores de Bagdá gostariam que o mundo também prestasse atenção ao seu sofrimento.

"Bagdá não é só uma cidade para iraquianos", disse o político Dhia Assadi. "É uma cidade histórica, a primeira cidade com um milhão de pessoas. Foi a primeira cidade com uma universidade, uma cidade onde muçulmanos, cristãos e judeus moravam juntos e negociavam uns com os outros. O que está acontecendo não deveria estar acontecendo conosco. É um trabalho para todos no mundo resolverem."

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"Estamos enfrentando bombas todos os dias. Bomba, bomba, bomba — todo dia."

Treze anos após a invasão americana ao Iraque criar uma nova era de instabilidade, muitos ao redor do mundo se tornaram insensíveis à violência no Oriente Médio, principalmente em Bagdá.

Durante 2006 e 2007, a cidade foi atingida quase diariamente por até 20 carros-bomba, ataques suicidas e explosões à beira de estradas que tinham como alvo forças de segurança, mas que geralmente matavam civis.

O país continua sendo líder em ataques terroristas no mundo, e Bagdá a cidade mais perigosa, com mais de 1.000 incidentes reportados a cada ano. Em outubro, um homem-bomba se explodiu em meio a um grupo de peregrinos religiosos xiitas que celebravam o martírio de Imam Hussein, o neto do Profeta Maomé. O EI assumiu a responsabilidade pelo ataque, em que ao menos 35 pessoas foram mortas. O incidente mal foi reportado pela mídia internacional.

No Ocidente, tais ataques impactam a política nacional, mudando o resultado de eleições, como foi depois dos atentados aos trens urbanos de Madri, em 2004; ajudam a alimentar o fortalecimento de políticos de direita na França e Alemanha; ou levam a drásticas reformulações da política de segurança, como visto na Bélgica depois dos ataques neste ano no aeroporto e metrô em Bruxelas.

No entanto, ataques terroristas em Bagdá raramente têm qualquer consequência política. Assim como os americanos se tornaram insensíveis a assassinatos em massa em escolas do país, o mesmo ocorreu aos moradores de Bagdá. A vida continua. Vendedores de rua e donos de lojas que sobrevivem aos ataques lavam o sangue dos amigos das mãos e varrem o vidro quebrado, montando seus quiosques em mercados ao ar livre ou reabrindo suas portas, às vezes apenas algumas horas após os ataques. Homens, mulheres e crianças estoicamente retornam a shoppings, cafés e parques reconstruídos.

Ao longo dos anos, autoridades iraquianas conseguiram reduzir a frequência e a seriedade dos atentados, implantando novas tecnologias e melhorando a aplicação da lei e das respostas a emergências. No entanto, com o Orçamento do Iraque severamente afetado pelos baixos preços do petróleo e o alto custo da guerra contra o EI, Bagdá continua lamentavelmente despreparada para ataques que seriam um desafio até mesmo para as cidades mais ricas do mundo.

"Em Nova York, é uma vez a cada dez anos", disse Ramzi Hadi Moussa, diretor dos serviços de ambulância e de emergência no Ministério de Saúde do Iraque. "Estamos enfrentando bombas todos os dias. Bomba, bomba, bomba — todo dia."

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Alice Martins for BuzzFeed News

Vista do shopping em Karrada, 22 de setembro, 2016.

A onda de terror no Iraque começou com três ataques após o fim do regime de Saddam Hussein, em 2003. Naquele mês de agosto, três atentados — do lado de fora da embaixada da Jordânia no oeste de Bagdá, na sede das Nações Unidas na capital e próximo do santuário de Imam Ali em Najaf, cidade ao sul — estabeleceram um padrão que traria sérias consequências para o Iraque.

Nos anos subsequentes, insurgentes sunitas, na maioria das vezes, explodiram milhares de bombas em mercados ao ar livre e funerais em bairros xiitas. Por sua vez, isso alimentou o crescimento de milícias armadas xiitas que rondavam áreas sunitas da capital, sequestrando e matando jovens, em um ciclo de violência que destacou a impotência do governo.

Autoridades tentaram desesperadamente — mas nem sempre efetivamente — deter esses ataques, e histórias de soldados e policiais corajosos que se colocaram à frente do perigo não faltam. O fim dos atentados é crucial para aumentar a credibilidade do governo eleito de Haider al-Abadi e para enfraquecer as milícias xiitas, financiadas pelo Irã.

Cada ataque mina a confiança pública no governo. No entanto, o bombardeio em Karrada teve consequências mais graves. Muitos iraquianos se recusam a culpar o EI pelo atentado e colocam a responsabilidade nas autoridades de Bagdá.

"Eu não acredito que foi o EI. Acredito que o governo fez isso", disse Badeel Abdul Redha, 33, que perdeu seu irmão em Karrada. "Existem problemas entre os partidos, e as pessoas fracas como eu estão no meio."

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"Mulheres gritavam, crianças choravam. Havia bombeiros gritando e o som ininterrupto de sirenes."

Com a enorme pressão pública, o governo de al-Abadi foi forçado a agir. As operações de segurança foram reforçadas e as inspeções se tornaram mais rígidas. A rua Karrada, alvo frequente, se tornou uma via apenas para pedestres.

Apesar de representantes das Forças Armadas americanas terem se negado a detalhar como os EUA ajudam os iraquianos, eles disseram que treinam oficiais locais e os aconselham em assuntos de segurança. Muitos iraquianos sentem que os EUA têm uma boa parcela de culpa na transformação de sua capital em uma das cidades mais perigosas do mundo.

Os iraquianos frequentemente lamentam que foi após a invasão americana que facções extremistas começaram a estocar munições e explosivos deixados pelas Forças dos EUA. Segundo eles, os EUA que decidiram dispersar as Forças armadas iraquianas, que poderiam ter lutado contra os terroristas. E foram os americanos que aumentaram as divisões no país, incentivando a divisão de postos no governo a partir das identidades religiosas e étnicas do país.

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Alice Martins for BuzzFeed News

Operadores de telefone em central de atendimento de emergência em Bagdá, 19 de setembro de 2016.

No corpo de bombeiros na área central de Bagdá, homens fumavam cigarros e checavam seus celulares. Pela cidade, muitos dos policiais, motoristas de ambulância e funcionários do serviço de emergência estavam assistindo ao grande jogo entre Alemanha e Itália no Campeonato Europeu pela televisão.

Havia sido relativamente calmo nas últimas semanas, com dias quentes e longos do Ramadã subjugando a indisciplinada cidade. Mas, então, logo depois da meia-noite no dia 3 de julho, os celulares do centro de emergência de Bagdá começaram a tocar. Informações de um bombardeio em Karrada. Depois um incêndio. As ligações ficaram cada vez mais carregadas de pânico, de desespero. Muito rapidamente ficou claro a magnitude do que tinha ocorrido.

Dezenas de tanques de água chegaram de toda a cidade, e os bombeiros lutaram contra o fogo até bem depois de amanhecer. "Não foi um incêndio normal", disse Hamid, 28, um socorrista. "As pessoas acham que, se você extinguir o fogo com água, ele vai parar, mas esse não foi assim."

Bombas em Bagdá são geralmente seguidas por uma segunda ou mesmo terceira explosão, e os ataques são programados para também vitimar os primeiros socorristas. Abbas Shelashadai, que dirige uma ambulância em Bagdá há 10 anos, sabe disso tudo muito bem. No ano passado, Shelashadai, 58, estava se preparando para buscar um soldado ferido em Dora, distrito sul de Bagdá, quando um colega se voluntariou para atender ao chamado por ele. Quando a equipe chegou na cena, eles foram rodeados por rebeldes que abriram fogo. O motorista, Akram Mohammad Tai, 45, foi morto, e os outros dois membros de sua equipe feridos. Tomado pela culpa por semanas, Shelashadai prometeu nunca mais deixar alguém assumir alguma de suas tarefas.

Mas nada o preparou para o bombardeio de Karrada. Ao estacionar a ambulância, ele mal podia acreditar na escala de destruição. "Foi algo muito horrível. Mulheres gritando, crianças chorando. Havia bombeiros gritando e o som ininterrupto de sirenes."

O médico Mustafa Saleh ficou atordoado com o número de pacientes e a gravidade dos ferimentos que viu quando entrou na sala de emergência de seu hospital, no oeste de Bagdá, na manhã de sábado. Os médicos do plantão da madrugada ainda estavam correndo para tratar os pacientes. A maioria tinha sofrido danos severos nos pulmões e queimaduras agravadas por produtos químicos tóxicos. Também havia pessoas com ferimentos por estilhaços e membros esmagados.

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"A situação em Karrada é devastadora, porque os corpos foram destroçados a ponto de impedir o reconhecimento."

"Foi um dos dias mais sangrentos da minha vida", disse Saleh. "Centenas de pessoas tentavam encontrar seus parentes, gritando. Havia sangue no chão e do lado de fora da entrada para a sala de emergência, e um cheiro horrível de carne queimada."

Saleh tem 35 anos, e sua carreira profissional foi consumida pela guerra. Ele foi treinado em uma época de paz, mas assistiu em desespero ao colapso do sistema médico do país após a invasão americana de 2003. Ele se lembra do primeiro dia em que tratou vítimas de um grande ataque terrorista. O chefe da emergência era uma lenda, um veterano da guerra entre Irã e Iraque. "Ele disse, 'Pessoal, vocês verão algumas coisas difíceis. Eu vi na guerra. Fiquem calmos. Me escutem. E não entre em pânico.'." Ele e um outro jovem médico começaram a mover um paciente quando sua cabeça decepada caiu. "Meu colega entrou em choque, seus olhos ficaram enormes, tive que acompanhá-lo para fora do hospital", disse. Foi o primeiro de muitos horrores.

O massacre de Karrada chocou até mesmo os médicos mais experientes de Bagdá. Mais de três meses depois do ataque, as autoridades ainda precisam identificar cerca de 60 dos corpos, e vários especialistas de DNA estão lentamente identificando os restos humanos. "A situação em Karrada é devastadora porque os corpos foram mutilados a ponto de impedir seu reconhecimento", disse Saleh.

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Alice Martins for BuzzFeed News

Escadaria dentro de shopping destruído em Karrada mostra extensão dos danos causados por atentado terrorista, 22 de setembro de 2016

A bomba que explodiu em Karrada em julho foi colocada dentro de uma mini-vã na cidade de Khalis, em Diyala, província ao nordeste de Bagdá. Na capital, o veículo passou por vários pontos de inspeção. As autoridades sabem de tudo isso porque viram gravações de câmeras de segurança do veículo dirigindo no centro da cidade, incluindo uma parte em que foi revistado por cães farejadores.

O ataque revelou não apenas grandes falhas na infraestrutura de segurança de Bagdá, mas o abismo que se formou entre o governo e o povo. Quando al-Abadi, o primeiro-ministro, visitou o local do atentado, em um bairro xiita de classe média, ele foi atingido por pedras e zombado por moradores.

O grande número de mortes civis do bombardeio de Karrada levou a uma onda de luto e ódio que forçou o governo iraquiano a agir. O ministro do Interior do Iraque foi despedido. Oficiais iraquianos admitiram falhas do governo, prometendo melhorias.

No entanto, acabar com ataques terroristas não é tarefa fácil. Dentro do perímetro altamente fortificado que cerca o aeroporto internacional de Bagdá, na sede da recentemente reformada força aérea do Iraque, estão vários aviões de vigilância Cessna e King Air que servem como a primeira linha de defesa contra carros-bomba que entram na cidade.

"Muitas vezes evitamos um ataque terrorista", disse o general Anwar Hamad Amin, comandante das forças aéreas iraquianas. "Nós vemos algo suspeito e enviamos a informação para as forças terrestres, especialmente em Bagdá. Enviamos vídeos para várias agências. Instauramos transmissões ao vivo. E, no mesmo dia, eles enviam às forças terrestres."

A grande Bagdá tem uma população de 9,5 milhões de pessoas, e talvez 80% de seus residentes se encontrem nos 205 quilômetros quadrados de espaço urbano que se estendem pelas margens leste e oeste do Rio Tigre. Identificar veículos suspeitos pelo ar é quase impossível. Por isso, conforme os carros-bomba se infiltram no perímetro urbano, a principal linha de defesa contra ataques terroristas são os pontos de inspeção encontrados por toda a parte em pontos-chave por Bagdá.

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Alice Martins for BuzzFeed News

Policial examina imagem de raio-x em ponto de inspeção, Bagdá, 21 de setembro de 2016.

O sargento da polícia nacional Mohammed Zidane supervisiona um dos principais pontos de inspeção na entrada de um dos bairros xiitas mais pobres em Bagdá, al-Jadida, um alvo frequente de ataques. É extremamente perigoso trabalhar. Os pontos de inspeção geralmente se transformam em alvos quando rebeldes explodem suas bombas enquanto aguardam inspeção. Escolher quais carros revistar se torna um jogo de adivinhação baseado em rumores pelo bairro, e, ocasionalmente, dicas de inteligência de superiores.

"Buscamos pessoas que pareçam suspeitas, alguém usando uma jaqueta no verão", disse Zidane. "Ou uma pessoa desconhecida andando pelo bairro."

Os sucessos são raros, os policiais admitem constrangidamente. Apesar do aumento da segurança, um outro carro-bomba conseguiu chegar a Karrada novamente no dia 4 de setembro, matando seis pessoas e ferindo 15. Esse carro também escapou de um cão farejador. "Os cães se cansam e precisam ser aposentados", disse Mowaffak Rubaie, membro iraquiano do Parlamento que anteriormente serviu como conselheiro de segurança nacional. "E a taxa de acerto não é 100% nem quando são jovens."

Depois do bombardeio de Karrada, o Iraque começou a investir milhões de dólares em equipamentos de raio-x de veículos fornecidos anos atrás pelos EUA, que até recentemente tinham sido muito pouco utilizados.

Os oficiais dizem que as novas medidas de segurança têm sido relativamente efetivas para evitar carros-bomba. No entanto, conforme as autoridades mudam suas estratégias de segurança, o EI se adapta.

Por anos, insurgentes detonaram bombas no horário da oração do amanhecer, então as forças de segurança iraquianas permaneceram mais vigilantes e utilizaram a maior parte dos recursos em turnos da manhã. "Agora eles usam uma nova filosofia de ataques depois da meia-noite em lugares que estão lotados, quando as forças armadas estão menos atentas", disse o general Mohammad.

As autoridades de Bagdá há muito tempo bloquearam o tráfego de veículos por áreas sensíveis, incluindo o santuário xiita de Imam Kadhen, no norte da cidade. Depois do bombardeio em Karrada, eles cortaram todo o tráfego de minivans à avenida comercial.

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"Eu perdi meu irmão. Eu perdi minha loja, meu negócio. Eu perdi meus amigos. À noite, não consigo dormir. No ônibus de casa para o trabalho, eu choro todos os dias."

Deter terroristas suicidas a pé continua sendo o desafio mais exasperante. Um museu macabro dentro da sede do esquadrão antibomba do Ministério do Interior exibiu algumas das ferramentas do arsenal dos terroristas, incluindo aparelhos dentro de bonecas. O general Mohammad citou um homem que tinha montado o gatilho para seu cinto suicida sob seu colarinho, então, se fosse preso, tomasse um tiro, ou estivesse morrendo, ainda poderia usar seu queixo para detonar a bomba.

Até 20 oficiais de segurança do exército, do ministério do Interior, do serviço de Inteligência nacional e da polícia de trânsito administram pontos de inspeção como o da entrada de al-Jadida em Bagdá. Carros são divididos entre aqueles que rapidamente são permitidos de passar e aqueles que precisam passar pelo scanner.

No entanto, assim como nos aeroportos, qualquer militante consegue evitar scanners, talvez contrabandeando um carro-bomba para a cidade carregando suas partes e depois montando o aparelho dentro dela, ou encontrar estradas mais obscuras para se infiltrar no perímetro urbano.

Mohammad disse que os scanners encontraram armas, rifles, álcool, drogas e remédios contrabandeados. No entanto, ainda não encontraram um único carro-bomba.

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Alice Martins for BuzzFeed News

Policial para carro em ponto de inspeção em Bagdá, 21 de setembro de 2016

As tradições muçulmanas ditam que as família enterrem seus entes queridos um dia depois de sua morte. Mas mais de três meses se passaram, e ainda há corpos que não foram identificados do atentado de Karrada. Mulkia Mehdi, 82, perdeu dois filhos e cinco netos naquela noite. Um filho, Mohammas, 49, e um neto, Ahmed, 16, continuam desaparecidos. Todos os dias, ela canta uma antiga música iraquiana de luto para eles.

Gostaria de voltar para casa para jantar ao pôr do sol

Eu gostaria de deixar minha casa agradável para vocês

Para vocês, meus lindos filhos

"Só Deus sabe o quanto cuidei deles", disse, "o quanto os amei. Agora minha casa está vazia. Meus olhos estão negros de lágrimas."

Apesar das promessas, o governo falhou na compensação ou mesmo assistência das vítimas que perderam seus meios de sustento no bombardeio. Badeel Abdul Redha, 33, administrava uma loja de sapatos no Hadi Center e perdeu seu irmão caçula, Katheer, na explosão. Os dois trabalharam juntos, em turnos, administrando a loja enquanto iam e voltavam para suas famílias em Sadr City. Depois de dias procurando , ele encontrou os restos mortais de seu irmão no necrotério do hospital Medical City de Bagdá. Ele agora cuida da esposa de seu irmão e de seus quatro filhos, juntamente com sua própria família de seis pessoas. Ele estima que sua perda e de sua família esteja em torno de 100.000 dólares. Ele gastou cerca de 500 dólares para enviar os documentos para receber compensação, mas não recebeu nada de volta.

"Eu perdi meu irmão. Eu perdi minha loja, meus negócios", disse, vendendo sapatos em uma mesa improvisada na rua ao lado do shopping queimado onde ele costumava trabalhar antes. "Eu perdi meus amigos. À noite, não consigo dormir. No ônibus voltando para casa do trabalho, eu choro todos os dias."

O Iraque gasta bilhões pagando, alimentando e abrigando as forças de segurança que combatem o EI. Tratar as vítimas da violência sem fim é uma coisa, mas os custos do terrorismo se tornam inimagináveis quando você considera a perda em potencial humano.

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Hakim Chassib com dois de seus quatro filhos no hospital Ibn al-Kuff, em Bagdá, em 22 de setembro de 2016

Após o bombardeio de Karrada, centenas de xiitas, sunitas e cristãos marcharam nas ruas próximas ao local do ataque, fazendo vigílias à luz de velas para homenagear os mortos e consolar a dor. Mesmo se o mundo se negasse a demonstrar solidariedade, os iraquianos em si os honrariam. “Karrada! Karrada!", cantavam, segurando bandeiras iraquianas.

A família de Dhulfiqar Oraibi transformou seu quarto em um santuário em sua memória, com um poster seu em tamanho real colocado onde ele costumava dormir. Centenas de pessoas ofereceram suas condolências à família. A mãe de Dhulfiqar ainda está aflita demais para falar. "Pelos últimos 16 anos ele morou comigo nessa casa, e eu nunca entendi muito bem o que ele esperava da vida", disse seu pai, Ghanim. "Acredito que ele não quisesse estar nesse mundo."

"Estamos nos acostumando com isso", disse. "No meio dos anos 70, foi uma guerra com os curdos. Então uma grande guerra com o Irã. Então uma grande guerra com os EUA. Depois uma outra grande guerra com os EUA. Depois a al-Quaeda. Agora o EI."

Sua neta de um ano, Fedek, subiu no seu colo enquanto ele estava sentado em uma poltrona em sua sala."Ela está sempre perguntando: 'Baba? Baba?'", disse, perturbado com a imagem dos olhos marejados de Fedek e o pensamento de que ela nunca verá seu pai novamente.

“Karrada! Karrada!”, irrompeu, com raiva. "Por que sempre Karrada? Diga para irem atrás dos políticos. Eles sabem quem são os políticos. Por que sempre vêm atrás de pessoas comuns?"

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