Por que Donald Trump é tão obcecado quando o assunto é espionagem?

Porque ele mesmo faz isso. Certa vez, ele escreveu que sabia de um senador conservador que "havia passado várias noites com sua namorada de vinte e poucos anos em um dos meus hotéis".

Mario Tama / Getty Images

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estremeceu as bases da política e da segurança nacional acusando o ex-presidente Barack Obama de ter grampeado a Trump Tower durante a campanha presidencial. Até agora, não surgiu nenhuma evidência que sustente essa alegação.

Mas as escutas telefônicas e a videovigilância têm, de fato, ocorrido há muito tempo nas propriedades de Trump — contudo, elas vêm sendo conduzidas pela própria equipe dele.

De seu clube privado em Mar-a-Lago, conforme o BuzzFeed News revelou em junho passado, Trump ouvia os telefonemas dos funcionários usando um painel de controle especial que foi instalado em seu quarto e que estava conectado a cada linha telefônica da propriedade. A Trump Organization emprega um "diretor de vigilância", Matt Calamari, filho do guarda-costas de Trump de longa data. Dentro da casa de Trump, perto de Washington, DC, onde hóspedes ficavam às vezes, um extenso sistema de vigilância por vídeo era monitorado pela equipe de segurança de Trump em Nova York. Uma empresa de vigilância disse que instalou câmeras de vídeo nas áreas públicas do resort Trump National Doral, disfarçando-as em meio à decoração para que parecessem detectores de fumaça.

Nenhum desses esquemas de vigilância parece ser ilegal, embora alguns funcionários os considerem constrangedores. Em Mar-a-Lago, um ex-funcionário falou ao BuzzFeed News sobre um incidente quando um funcionário estava no telefone com um sócio do clube. Durante o telefonema, Trump telefonou para o funcionário em outra linha para opinar sobre a questão que estava sendo discutida. "Não havia outra maneira de ele saber sobre o que era a conversa, a não ser que estivesse bisbilhotando", disse a fonte. No Trump National Golf Club, onde Trump tem uma casa a cerca de 45 minutos da Casa Branca, dois ex-funcionários disseram que as câmeras de vigilância eram monitoradas tão intensamente a ponto de os trabalhadores ocasionalmente receberem telefonemas da segurança em Nova York caso estivessem em um lugar inesperado.

Quando as matérias do BuzzFeed News sobre Mar-a-Lago e o National Golf Club foram publicadas no ano passado, os porta-vozes de Trump chamaram-nas de "falsas".

O próprio Trump afirmou que ele possui informações sobre a vida pessoal dos hóspedes do seu hotel. Em uma passagem pouco notada de seu livro "The America We Deserve" [A América Que Merecemos], publicado em 2000, Trump escreveu que ele sabia de pelo menos um senador conservador que havia "passado várias noites com sua namorada de vinte e poucos anos em um dos meus hotéis. " Ele também escreveu que um colunista conservador casado "levou a amante dele aos meus resorts para passar o fim de semana".

Trump não revelou a identidade do senador ou do colunista, nem explicou como ele sabia dos casos. A definição de vigilância do próprio Trump parece ser ampla. Pressionado pelo apresentador da Fox News, Tucker Carlson, por sua acusação de que Obama havia grampeado a Trump Tower, o presidente respondeu que "grampos telefônicos são uma coisa bem antiquada, mas que certamente ajudam no trabalho de vigilância e muitas outras coisas". Sua principal assessora, Kellyanne Conway, disse ao Bergen Record de New Jersey, que "há muitas maneiras de vigiar um ao outro agora", incluindo "micro-ondas que se transformam em câmeras".

No hotel de Trump, em Nova York, a coleta de informações sobre os hóspedes era rotineira, disseram dois ex-gerentes que pediram para não ser identificados, porque assinaram acordos estritos de confidencialidade. Ambos disseram que o hotel mantinha dois arquivos de hóspedes no computador. "Há um arquivo de preferências dos hóspedes", disse um deles, "e há um arquivo de incidentes dos hóspedes".

O arquivo de preferências dos hóspedes, explicou o gerente, incluía informações inofensivas, como quais alimentos, vinhos ou flores os hóspedes solicitaram. "Qualquer dado que possamos coletar sobre um hóspede para tornar a próxima estadia melhor, será registrado", disse ele. "Se você ligar e quiser um hambúrguer específico, nós colocaremos isso no arquivo." Esse tipo de coleta de informações é padrão para hotéis de elite, disse ele.

O arquivo de incidentes dos hóspedes era bem diferente, ambos os gerentes disseram. Esse arquivo era usado para reunir informações sobre perturbações, ou qualquer coisa ilegal, e era alimentado pela segurança do hotel, em vez de pela recepção. "Eles têm um sistema de registro completamente diferente", disse um dos gerentes, uma configuração que ele disse que é normal para muitos grandes hotéis. O outro gerente disse que, caso houvesse algum incidente em um quarto de hóspedes, então, "tudo o que se encontrava ali no quarto, tudo, era registrado. A segurança é a que entra, faz o relatório de tudo e mantém o relatório em sua posse".

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Joe Raedle / Getty Images

O Resort Mar-a-Lago em West Palm Beach, Flórida, EUA.

"Tudo é registrado", continuou o gerente. "E, se eles quiserem compartilhar esses registros com a Trump Organization, podem fazer isso".

Trump deixou claro que ele está familiarizado com a tecnologia de câmera escondida que pode ser "tão pequena" que chega a ser invisível. Em uma entrevista coletiva antes de sua posse, ele respondeu a uma pergunta sobre alegações de que o serviço de inteligência russo o havia gravado em um quarto de hotel em Moscou e disse que ele alerta seus funcionários sobre câmeras escondidas.

"Sempre digo para eles, em qualquer lugar, que se eu estiver saindo do país, tomem muito cuidado, porque provavelmente haverá câmeras nos quartos de hotéis e em qualquer lugar aonde vocês forem. Não estou me referindo só à Rússia, mas certamente eu os colocaria nessa categoria. E, acima de tudo, espero que vocês se comportem bem de qualquer forma. Mas nesses quartos há câmeras nos lugares mais estranhos. Câmeras que são tão pequenas, com tecnologia moderna... que não dá para vê-las e nem saber que elas estão lá. É bom tomar cuidado ou você vai acabar se assistindo na TV à noite."

Em pelo menos uma dúzia das propriedades de Trump — incluindo Mar-a-Lago, atualmente conhecida como a Casa Branca de inverno — o American Integrated Security Group instalou câmeras e servidores, de acordo com a empresa. Em um panfleto promocional, a AISG divulgou seu trabalho no Trump National Doral Resort & Spa. Só na primeira fase, a empresa diz ter instalado "mais de 100 câmeras" e outras 50 mais tarde. O panfleto afirma que a equipe de segurança do Trump Doral "gosta de câmeras discretas que parecem detectores de fumaça". Algumas das câmeras, incluindo aquelas utilizadas para reconhecimento de placas de automóvel, têm alta resolução, de acordo com o panfleto, e os servidores conseguem salvar vídeos por 30 dias.

Nesta quinta-feira (16), um representante da empresa, que pediu para não ter seu nome mencionado, recusou-se a comentar essas informações e encaminhou as ligações da reportagem para a Trump Organization. Em setembro, um representante da AISG, que também pediu para não ser identificado, disse que "a cobertura é um monitoramento regular de segurança e dos funcionários. Eles querem vigiar seus funcionários".

Nem a Trump Organization nem o gabinete de imprensa do presidente responderam a pedidos da reportagem para comentar o caso. Calamari, o diretor de vigilância da empresa, também se recusou a tecer comentários, encaminhando a reportagem para a Trump Organization.

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Este post foi traduzido do inglês.

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