"Me Chame Pelo Seu Nome" é outra prova que nem todas histórias de amor queer são consideradas universais

Como seus antecessores, "Brokeback Mountain" e "Moonlight", o filme alcançou a fama de "universal" principalmente por retratar o drama da masculinidade convencional. Atenção: este post contém spoilers.

Peter Spears / Courtesy of Sony Pictures Classics

Diretor Luca Guadagnino no set de "Me Chame Pelo Seu Nome" com Timothée Chalamet e Armie Hammer.

Desde sua exibição no Festival Sundance em 2017, "Me Chame Pelo Seu Nome" vem chamando atenção e alimentando expectativas com relação ao Oscar. O filme de Luca Guadagnino, baseado no elogiado romance de André Aciman, narra o caso de amor de verão entre um jovem de 17 anos e um universitário de 24 anos em uma bucólica vila italiana nos anos 80. O filme recebeu críticas extremamente positivas e rapidamente alcançou uma posição de referência para o gênero.

Como dois outros filmes relativamente recentes que emergiram do circuito de festivais para se tornarem fenômenos culturais — "Brokeback Mountain" (2005) e "Moonlight" (2016) — "Me Chame Pelo Seu Nome" está sendo descrito pela imprensa não como um filme queer, mas como um romance universal. De acordo com a crítica da "Rolling Stone", que o classificou como o filme mais sexy do ano, as emoções evocadas por "Me Chame Pelo Seu Nome" "dizem respeito a todos nós, independente da orientação sexual, quando somos atingidos em cheio por essa coisa chamada de amor."

Alguns críticos afirmam que o filme deve seu nível de aceitação a certa dose de respeitabilidade sexual, por evitar cenas explícitas de relações físicas homossexuais, algo especialmente notável quando se leva em conta a intensidade gráfica das cenas de sexo nos trabalhos anteriores de Guadagnino. Um pôster que figura Elio, o personagem de Timothée Chalamet, sentado ao lado de uma amiga com quem ele tem um namoro curto no filme, gerou uma reação no Twitter, em que o usuário acusa os produtores de tentarem vender o filme como um romance hétero. O próprio Guadagnino sugeriu que as identidades sexuais dos personagens são fluidas e não podem ser facilmente definidas. ("Eu não acredito que Elio irá necessariamente se tornar gay", disse. "Ele ainda não se encontrou.") Muitos celebraram essa fluidez como uma indicação de aceitação bissexual.

Mas, olhando por outro lado, a prevalência do foco da crítica na abordagem do filme com relação à sexualidade obscureceu outra questão tão importante quanto, ou até mais: o papel que o gênero — para ser mais específico, a masculinidade — desempenha no filme. Nesse ponto, é possível perceber um padrão temático que conecta vários (mas não todos) filmes queer "de prestígio" que saem do circuito dos filmes independentes para alcançar sucesso com a audiência de massa: eles ilustram o comportamento queer pela ótica da emoção masculina. Cada um é diferente à sua maneira, especialmente por dar atenção a conceitos como classe e raça, mas todos são narrativas sobre a dificuldade ou impossibilidade do amor entre homens que se veem atraídos por outros homens.

Esses filmes têm como tema central a intimidade masculina, inclusive entre pais e filhos, largamente colocando personagens femininas em segundo plano. E qualquer traço de feminidade gay ou dissociação de gênero é geralmente apagado, disfarçado ou relegado a personagens secundários. Essa dinâmica estrutura não só o enredo dos filmes, como também a forma como os atores ganham seus aplausos — e cachê — por "fazer papel de gay".

Essas representações de homens masculinizados expressando afeição preparam o caminho para que a audiência de massa interprete a narrativa como uma tragédia, que de outra forma seria encarada como um melodrama, e um romance "gay" se torne uma meditação universal sobre o amor.

Esses filmes podem ser encarados como histórias de amor, como "O Segredo de Brokeback Mountain", ou histórias que retratam a chegada à vida adulta, como "Moonlight: Sob a Luz do Luar", ou ambos, como é o caso de "Me Chame Pelo Seu Nome". E alguns ainda enfrentam outros obstáculos difíceis para se tornarem universais aos olhos da audiência de massa, como "Moonlight" conseguiu, mesmo em um mar dominado pela perspectiva dos brancos. Mas todos esses filmes participam, em vários aspectos, de uma forma de — se baseando em debates sobre a desvalorização da feminidade gay"masc-centrism": uma perspectiva que enxerga o desejo por pessoas do mesmo sexo como algo totalmente separado de qualquer desconformidade de gênero, ao mesmo tempo em que centraliza a masculinidade convencional.

Essa não é necessariamente uma estratégia intencional ou calculada e não afeta o mérito artístico desses filmes, que são todos lindos e bem produzidos. Em vez disso, devemos questionar como as pessoas falam desses filmes e o que eles passam a representar. É importante interpelar por que esses filmes em particular alcançaram um assim chamado apelo universal e que visões ou valores alternativos podem estar sendo omitidos.

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Focus Films / Courtesy Everett Collection

Jake Gyllenhaal (Jack) e Heath Ledger (Ennis) em "O Segredo de Brokeback Mountain", 2005.

"Brokeback Mountain" (2005), foi talvez o primeiro filme que passou de queridinho do circuito de festivais — levando o Leão de Ouro no Festival de Veneza — para um blockbuster cultural e vencedor do Oscar retratando a homossexualidade por meio de uma trágica história de amor entre dois homens tidos como heterossexuais: o agora famoso peão de rodeio Jack Twist (interpretado por Jake Gyllenhaal) e do ajudante de fazenda Ennis Del Mar (vivido por Heath Ledger).

O filme, adaptado do conto de mesmo nome escrito por Annie Proulx, representa o drama do amor impossível por meio do heroísmo masculino do faroeste. Essa combinação contribuiu bastante para o nível de atenção que esse chamado "filme de caubói gay" recebeu. Jack e Ennis se conheceram quando coincidentemente trabalharam um tempo na mesma fazenda — consumando a atração silenciosa em uma cena de sexualidade súbita e explosiva em que Ennis fode Jack. No entanto, o fato de os dois serem casados, e de Ennis estar passando por dificuldades financeiras, torna impossível que os dois fiquem juntos.

As partes mais tocantes em "Brokeback" se referem à suposta dissonância entre a masculinidade estoica e as emoções profundas. A famosa fala de Jack para Ennis, “I wish I knew how to quit you" ("Queria saber como te deixar", em português), se tornou um meme por causa da curiosa combinação de um casal formado por dois caras machões se envolvendo em um melodrama romântico, algo que é tido como inerentemente feminino. E, como em muitos desses filmes, o momento climático final, protelado até o finalzinho, mostra Ennis — o menos expressivo dos dois — finalmente mostrando suas emoções. Aquela cena com Ennis derramando lágrimas, chorando por Jack, que o ensinou a amar, deixa a audiência tocada com o sofrimento queer de ficar escondido no armário da masculinidade, algo que já se tornou um tema-padrão nesses filmes.

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Focus Films / Courtesy Everett Collection

Heath Ledger (Ennis) e Jake Gyllenhaal (Jack) em O Segredo de Brokeback Mountain, 2005.

Tanto a divulgação dos filmes quanto uma parte de sua aceitação se deve à enfatização de sua universalidade como uma história de amor. "O Amor é Uma Força da Natureza", dizia um pôster promocional, com Ledger e Gyllenhaal de perfil, indicando visualmente o tema homoerótico do filme e moldando a intimidade dos personagens por meio do vigor masculino. (O diretor Ang Lee, que ganhou o Oscar de Melhor Diretor, até mesmo instruiu os dois atores a serem um pouco violentos durante as gravações, para criar “o beijo mais heroico do Oeste”). O "Los Angeles Times" descreveu o filme como uma "história de amor profunda e emocionante, que lida com os tortuosos e insondados caminhos do coração da mesma forma que outros filmes tradicionais já o fizeram. A única diferença é que os apaixonados são homens", A casualidade calculada dessa formulação indica como a masculinidade, que por tanto tempo foi a perspectiva padrão e o foco da maioria das narrativas cinematográficas, é o que permitiu que um filme sobre atração homossexual fosse aclamado como uma "história de amor" universal.

Bem parecido com o que ocorreu com "Me Chame Pelo Seu Nome", que foi apresentado como um caso de amor por Guadagnino e seus atores heterossexuais, a produção de "Brokeback" em si foi apresentada como uma história de amor em artigos de revista. Ledger e Gyllenhaal foram elogiados por sua coragem de fazerem papel de gay; Ledger disse à imprensa que foi assediado na rua por esse papel e que surgiu um verdadeiro culto baseado nele e em sua homossexualidade "de tabela". Gyllenhaal recentemente descreveu esse papel com uma jornada que expandiu seus horizontes: "essa foi uma coisa muito íntima e assustadora para eu e Heath, em particular, imergirmos", disse à "Variety". "Algumas cenas foram bastante desconfortáveis para nós." Ele acrescentou em outra entrevista que "essa foi uma jornada interessante em que pude aprender um pouco sobre esse mundo."

A forma que nossa cultura celebra atores heterossexuais se aventurando em histórias de desejo entre pessoas do mesmo sexo, expandindo os laços da intimidade masculina, obscurece a complicada e sexista política por trás das escolhas de elenco. Pelo fato desses personagens se desviarem das narrativas tradicionais apenas no fato de desejarem outros homens (sem incorporarem outros aspectos queer, como a desconformidade de gênero), a produção pode empregar atores héteros convencionalmente atraentes e obter apelo com a audiência. Os atores héteros nesses filmes são aclamados por sua coragem. Ao mesmo tempo, seus contemporâneos que são queer assumidos, especialmente aqueles que interpretam papéis femme, têm problemas para conseguirem papéis.

Mesmo a crítica masculina gay relevou o papel que o masc-centrism teve na aceitação de "Brokeback Mountain". Na revista "New York Review of Books", Daniel Mendelsohn argumentou que o filme fala, em última análise, sobre "sair do armário" e que ele "conta uma história distintamente gay tão bem escrita que qualquer pessoa com sentimentos se sente tocada por ela." Entretanto, a ênfase na explicação de que a qualidade estética de "Brokeback" foi responsável por esse sucesso — implicando que outros filmes queer não transcenderam somente por não serem tão bem feitos — desconsidera o fato de que o filme também apresenta o 'armário' como uma forma de gaiola emocional da masculinidade estoica. Esse também é um dos (muitos) motivos para a aceitação do universalmente aclamado "Moonlight".

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David Bornfriend / Kobal / REX / Shutterstock

Jharrel Jerome (Chiron) e Ashton Sanders (Kevin) em "Moonlight: Sob a Luz do Luar", 2016.

Se "Brokeback Mountain" alcançou a audiência de massa graças à sua trágica história de amor "universal", "Moonlight" foi enquadrado como uma transcendente história que retrata a transição para a vida adulta. O pôster promocional do filme enfatiza essa narrativa — "A História de uma Vida Inteira", "Uma História de Tirar o Fôlego" — e inclui uma imagem que é um mosaico com o personagem Chiron em sua infância, adolescência e juventude (interpretado por Alex R. Hibbert, Ashton Sanders, e Trevante Rhodes).

Diferente de "Brokeback Mountain", "Moonlight" foi, para seu mérito, uma história interseccional sobre raça, classe social e sexualidade. Mas ela também é uma exploração consciente da maneira como a masculinidade estoica é construída, discutivelmente como uma defesa contra um mundo heteronormativo e branco, em que os negros em particular devem lidar com estereótipos raciais que envolvem o gênero. E os papéis das mulheres no filme — particularmente da mãe de Chiron (Naomie Harris), que luta contra o vício — são mais bem desenvolvidos.

Mas a história é centrada em como Chiron se distanciou de seus sentimentos e de como ele luta para se reconectar com eles. Algumas das cenas mais tocantes em "Moonlight" são as que exploram a vulnerabilidade e intimidade entre Chiron e seu mentor, Juan (Mahershala Ali), que age como uma figura paterna, em uma revalorização da paternidade e masculinidade negra — particularmente a cena em que Juan gentilmente segura Chiron no mar para ensiná-lo a nadar, e a confiar.

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Rex / Shutterstock

Alex R. Hibbert (Chiron) e Mahershala Ali (Juan) em Moonlight: Sob a Luz do Luar, 2016.

Essa história também se debruça sobre a intimidade complicada entre Chiron e Kevin, seu carismático, confiante e mulherengo colega de classe. A cena na praia, em que eles se beijam e Kevin masturba Chiron (homens encontrando sua intimidade de maneira branda é um tema recorrente nesses filmes) é seguida pela cena em que Kevin dá uma surra em Chiron para provar sua masculinidade. O filme deixa a cargo da audiência preencher as lacunas entre os três atos da história de Chiron. Quando encontramos Chiron já adulto e super musculoso, ele assumiu uma personalidade hipermasculina.

O dramaturgo queer negro Tarell Alvin McCraney, que escreveu a peça inacabada e não produzida em que o diretor Barry Jenkins baseou o roteiro do filme, sempre foi franco com relação à sua identidade feminina. Mas a "diferença" de Chiron quando garoto e durante sua adolescência no filme é representada como uma forma de timidez universal. Essa timidez é o que acaba marcando Chiron como "menos macho" aos olhos dos colegas, que o maltratam. O personagem não mostra nenhuma outra marca visível de feminilidade gay masculina (tipo as sapatilhas de balé que McCraney diz que calçava quando moleque) e que permite sua compatibilidade com o Chiron adulto.

E, mais importante, Trevante Rhodes, que faz o papel do Chiron adulto, só conheceu o dramaturgo depois das gravações e baseou sua interpretação de masculinidade em um amigo seu que ainda é enrustido. Ao responder perguntas sobre a dificuldade de "fazer um papel de gay", ele disse que ter atitudes masculinas é o que torna homens heterossexuais e homens homossexuais iguais: "Eu nasci gostando de mulheres, mas poderia ter facilmente nascido gostando de homens... Eu poderia ser exatamente a mesma pessoa, me comportando exatamente da mesma forma."

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David Bornfriend / Kobal / REX / Shutterstock

Trevante Rhodes (Chiron) e Andre Holland (Kevin) em "Moonlight: Sob a Luz do Luar", 2016.

"Moonlight" culmina com uma cena ao estilo "Brokeback Mountain", nos encorajando a simpatizar com o estoicismo masculino de Chiron — bem parecido com o de Ennis Del Mar. Quando adulto, Chiron encontra Kevin novamente, e este prepara um jantar para ele. Chiron então confessa seu desejo por Kevin. “Você foi o único homem que me tocou na vida”, diz, em uma cena carinhosamente guardada por muitos no YouTube. "O único."

Dessa maneira, o filme termina com ele saindo do armário da masculinidade estoica enquanto ele e Kevin se debruçam sobre sua vulnerabilidade — apesar da falta de um beijo, a intimidade é palpável e eletrizante — e o ponto alto é que Chiron começa a se conectar com suas próprias emoções e compreender seus desejos. Como o diretor Jenkins explicou, ele agora "aceita se deixar querer e desejar essas coisas", mas, acrescentou, "eu não acho que esses dois homens vão se render a um relacionamento do tipo 'felizes para sempre'. Eu não acho que Chiron agora esteja extremamente confortável com sua sexualidade ou pronto para uma noite de intimidade física."

"Moonlight" foi revolucionário em vários aspectos; ele expandiu a discussão cinematográfica sobre amor queer além dos brancos e teve sucesso em uma indústria dominada por brancos. Ali ganhou um Oscar por sua atuação e sua representação de vulnerabilidade como Rhodes ajudou a torná-lo uma estrela em ascensão e um símbolo sexual. Além disso, o filme levou para casa os prêmios de Melhor Roteiro Adaptado e o de Melhor Filme. Mas não é difícil imaginar que o fato de "Moonlight" estar centrado no conceito de masculinidade contribuiu em parte para que o filme e seus atores ficassem conhecidos fora desse nicho.

Esse nível de reconhecimento não é comum entre produtores de filmes queer sobre negros e outros projetos que aderem ao mesmo tipo de enredo e que falam sobre gênero. Por exemplo, "Pariah", um filme sobre lesbianismo e amadurecimento aclamado pela crítica e mais claro na sua abordagem sobre dissidência de gênero, não saiu do circuito indie. O trabalho do produtor de TV e cinema Patrik-Ian Polk, que representa a masculinidade negra pelo ponto de vista de alguém com dissidência de gênero e característica feminina — desde seu primeiro filme, "Punks", até "Blackbird" e até "Noah’s Arc" — sofreu a mesma sorte. O trabalho deles dificilmente é aclamado como universal e nenhum de seus atores se tornou estrela de Hollywood.

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Sayombhu Mukdeeprom / Courtesy of Sony Pictures Classics

Timothée Chalamet (Elio) e Armie Hammer (Oliver) em "Me Chame Pelo Seu Nome"

Os atores de "Me Chame Pelo Seu Nome", no entanto, já estavam recebendo muita atenção antes mesmo do lançamento do filme. Um meme que mostra a cena de Oliver, o personagem de Armie Hammer, fazendo uma dancinha se tornou viral entre a crescente base de fãs apaixonados pelo livro e ansiosos para ver o filme. A atenção que essa cena recebeu — a fascinação com essa dancinha esquisita de Hammer — é um indicativo da maneira como os espectadores devem se identificar, no filme, com a adoração de Elio pela beleza masculina de Oliver.

Oliver é um professor visitante que está fazendo um estudo com o pai de Elio; o fato de eles estudarem história clássica, e de o filme estar cheio de imagens de estátuas gregas de homens bonitos, evocam aqueles modelos culturais de masculinidade. Oliver é ilustrado como uma figura que se movimenta com facilidade em contextos homossociais, como um bar masculino e a vila italiana da família, de uma forma incompreensível para Elio, apesar de Elio viver ali. Oliver é tão confortável consigo mesmo, tão glamourosamente alto, esbelto e autoconfiante, que a família de Elio diz que ele é um galã de cinema.

Não diferente de "Moonlight", a alienação contrastante de Elio é retratada como uma forma de introversão precoce e recatada, apesar de ser também uma timidez um tanto neurótica. Por isso ele se sente fascinado — e um tanto ressentido — com a tranquilidade com que Oliver se movimenta pelo mundo. A diferença de idade também é um fator na diferença de gênero entre os dois; a masculinidade adulta e peluda de Oliver em contraste com a meiguice pelada de Elio.

Eles se envolvem em uma dança metafórica onde Elio tenta de alguma forma corresponder ao afeto de Oliver, agindo como um adolescente irritadiço e desinteressado. O meme da cena da dança vem de um momento em que Elio encara Oliver dançando com Chiara (Victoire Du Bois), uma das personagens femininas que servem de pano de fundo, que está lá simplesmente para confirmar a fluidez sexual dos dois e mantê-los separados em seu triângulo homossocial. Até mesmo a música que Oliver está dançando — "Love My Way,”do Psychedelic Furs — parte de uma tradição pós-punk de androginia que fala menos da celebração da feminidade do que do mérito cultural de homens que são "machos" o suficiente para serem mocinhas. O fato de que fãs do filme redublaram a cena com hinos como “Like a Virgin", da Madonna, pode ser entendido como uma crítica descontraída a respeito do masculinismo insistente do filme.

Quando Oliver e Elio interagem diretamente um com o outro, como naquela memorável cena onde circulam a fonte, muito do diálogo e da ação é sobre a dança da impossibilidade que também parece afetar os personagens em filmes como "Brokeback" e "Moonlight". Como a crítica de Richard Brody, da "New Yorker", apontou, os personagens — e seus diálogos circulares e intencionalmente vagos — são quase mistérios a serem resolvidos, dando bastante liberdade para a audiência projetar neles o que quiseram. "Você está dizendo o que eu acho que está dizendo?", pergunta Oliver, e eles parecem chegar a algum entendimento.

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Moviestore / REX / Shutterstock

"Me Chame Pelo Seu Nome"

Muito já foi discutido sobre o fato de que quando Oliver e Elio finalmente fazem sexo no quarto de Oliver, a câmera desvia da cama e foca na árvore do lado de fora da janela. (Guadagnino explicou que ele preferiu não incluir cenas de sexo explícito para deixar o filme mais universalmente aceitável.) No entanto, é parte da tradição desses filmes que a natureza sirva de pano de fundo ou metáfora para tornar natural o amor entre homens fora da rigidez da sociedade. Até mesmo a infame cena do pêssego — em que Elio usa a fruta para se masturbar e Oliver finge comê-la — faz parte desse tipo de idealização. A interação mais prolongada e ininterrupta entre os dois acontece durante uma viagem de fim de semana onde, como acontece em "Brokeback" e "Moonlight", eles visitam locais bucólicos cercados pela natureza e muitas cachoeiras.

No entanto, muita coisa é deixada em aberto entre os dois personagens, mesmo depois da sua despedida. E o discurso que o pai de Elio faz para ele sobre se manter aberto para o amor, a se conectar e abraçar suas emoções, é o que o ajuda a lidar com a partida de Oliver. Em sua última conversa por telefone, muito do que foi deixado nas entrelinhas é finalmente consolidado, especialmente o fato de que Oliver precisa manter seus desejos enterrados: ele anuncia que vai se casar e diz ter inveja de Elio por ele ter pais tão liberais. (De fato, os únicos personagens "travestidos" do filme — que Elio pejorativamente chama de Sonny e Cher, sendo que um deles é o próprio autor do romance, que é hétero — estão ali exatamente para ajudar a ilustrar a sofisticação dos pais de Elio com relação à sexualidade.)

O filme termina com uma tomada das lágrimas de Elio após a conversa deles. Mas tanto essas lágrimas quanto a tristeza da audiência com relação a esse primeiro caso de coração partido do rapaz também é, em grande parte, uma reação ao triste destino Oliver, que aparentemente terá que esconder seus desejos no armário. Ao final, Elio dá um sorriso por entre as lágrimas, enquanto uma assombrada música de Sufjan Stevens toca ao fundo. As músicas que tocam durante o filme inteiro são significantes; uma canção que aparece duas vezes no mundo dos personagens é um sucesso do Europop dos anos 80, “Words Don’t Come Easy”, que representa um dos principais temas do filme: a dificuldade de comunicação entre os protagonistas, em parte devido à dificuldade em sair do armário e em parte por causa da masculinidade de Oliver.

Parecer haver poucas dúvidas quanto ao fato de que Elio e Oliver em breve tomarão seu devido lugar no cânone dos casais com histórias tristes, mas que são lindos de se ver, junto com Ennis e Jack e Chiron e Kevin. Esses casais são abraçados, em parte, pela forma como aprendem um com o outro a expressar seus sentimentos, apesar de sua armadura masculina — e interpretados por atores celebrados por irem além de sua própria heterossexualidade. O monólogo do pai de Elio já está circulando como um tipo de cartão postal, uma declaração universal sobre a aceitação paternal, e o ator, Michael Stuhlbarg, já está sendo cotado para uma nomeação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Hammer, assim como Ledger e Gyllenhaal, descreveu sua experiência com o filme como uma jornada transformadora em direção à vulnerabilidade, e ele também é um potencial candidato ao Oscar. Chalamet recebeu ótimas críticas por sua atuação e foi escolhido como Melhor Ator pela New York Film Critics Circle.

Quando perguntaram a Guadagnino sobre escolher atores assumidamente gays, ele reveladoramente transformou a pergunta — por meio de uma resposta defensiva — em uma pergunta sobre expressão de gênero em vez de sexualidade. "Então, eu jamais iria pensar em escolher um elenco pensando em questões de gênero", explicou. "Eu acredito que as pessoas são tão lindas e complexas como criaturas que, mesmo eu sendo fascinado pela teoria de gênero — eu estudei Judith Butler por muito tempo —, prefiro não investigar ou rotular meus atores. Eu apenas escolho atores e atrizes por quem sou apaixonado — eu tenho um sentimento verdadeiro por eles, uma antecipação e um entusiasmo quando os vejo — e acredito que essa minha confiança emocional se mistura a essa química."

Seu comentário foi feito em um momento em que estrelas que se assumiram gays, como Matt Bomer (que chegou a ser considerado para filmes como "Superman" e "50 Tons de Cinza", mas acabou sendo rejeitado) ainda têm dificuldade em encontrar papéis de protagonistas em romances, mesmo que sejam convencionalmente masculinos. Supostas escalações "sem discriminação de gênero" levantam questões sobre quando e como as coisas vão mudar uma vez que os mesmo tipo de histórias e personagens — e atores — continuam sendo elevados e universalizados.

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Sayombhu Mukdeeprom / Courtesy of Sony Pictures Classics

Armie Hammer (Oliver) e Timothée Chalamet (Elio) em "Me Chame Pelo Seu Nome".

O conceito de universalidade é profundamente político, porque ele ajuda a determinar a que elementos uma cultura presta atenção — e o que permanece invisível. No entanto, as formas de amor e sofrimento queer considerados transcendentes, ou até mesmo transformadores, pela audiência nesses filmes recentes continua voltando aos mesmos temas e personagens. Em 2017, o filme britânico "God’s Own Country", por exemplo, seguiu padrões similares; uma história no estilo de "Brokeback" sobre um fazendeiro machão do norte da Inglaterra que aprende a ser emocionalmente vulnerável por meio de um romance com um trabalhador temporário. E ele foi descrito como um "romance de partir o coração" e "uma história de amor universal sobre se entregar ao amor, mesmo quando seu coração está em pedaços."

Em contraste, "120 BPM (Beats Per Minute)", um filme francês de 2017 amplamente aclamado, é uma história que poderia ser facilmente descrita como uma ilustração das complexidades do amor — em termos de romance, amizade e camaradagem política — e apresenta personagens em variedade de etnias e formas de expressão de gênero. Mas "120 BPM (Beats Per Minute)" ainda está sendo recebido como mais um "filme sobre AIDS." Paradoxalmente, talvez porque ele não fala sobre um romance particular, e por não se limitar à história de apenas um casal masculino, a representação de sofrimento e sentimento queer do filme pode parecer muito específico para a audiência de massa.

Há infinitas maneiras de enxergar, abordar ou celebrar a diversidade queer, e de muitas formas elas se intersectam com os aspectos de raça, classe, gênero e sociedade. Um filme como "Moonlight" é um exemplo brilhante de uma dessas intersecções. Mas, talvez, chamar esse subgênero de melodramas masculinizados, ao qual "Me Chame Pelo Seu Nome" está sendo integrado, pode nos ajudar a lembrar o quão estreita é a definição de universalidade quando se trata de questões de gênero. ●

Leia também:

Uma carta de amor para todas as minhas "primeiras vezes" gays

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Este post foi traduzido do inglês.

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