A vida real de Elton John é ainda mais interessante do que "Rocketman"

"Rocketman", embora pelo menos reconheça as nuances queer da vida de Elton John, mostra o quanto a abordagem que Hollywood dá às histórias das celebridades gays ainda é limitada.

Photo Credit: David Appleby / David Appleby

Taron Egerton como Elton John em Rocketman.

Nas cenas de abertura de "Rocketman", a nova cinebiografia de Elton John, dirigida por Dexter Fletcher, John (interpretado por Taron Egerton) sai abruptamente de um grande show e irrompe em uma reunião de reabilitação vestido em um traje de lantejoulas. "Eu sei como é essa parte", ele diz, confessando uma lista de demônios que vão desde o abuso de drogas até o excesso de compras. A "parte" à qual ele está se referindo é o roteiro dos programas de recuperação. Mas ele pode muito bem estar falando sobre a já batida fórmula de cinebiografias de astros do rock, que nos últimos anos vêm se expandindo e — finalmente — incluindo homens gays.

O sucesso sem precedentes de "Bohemian Rhapsody", o filme do Queen lançado ano passado, hoje a cinebiografia mais lucrativa da história, aparentemente aguçou o apetite da indústria da músicae de Hollywood — para o gênero. "Rhapsody", também dirigido por Fletcher (após substituir Bryan Singer), conseguiu combinar um musical jukebox com a história de um homem gay, contando-a com a dose certa de seriedade — e tragédia queer — a fim de lhe dar uma perspectiva enquanto também mantinha o grande público confortável. (O fato de o filme ter sido classificado para maiores de 13 anos e não conter cenas de sexo gay ajudou a garantir isso.) O desempenho de Rami Malek como Mercury obteve êxito ao ser vendido como digno de Oscar em grande parte porque a narrativa no estilo "Filadélfia" sobre a morte de Mercury em decorrência de complicações com a AIDS fez o filme parecer mais sério do que realmente era.

Não há o mesmo nível de falsa seriedade em "Rocketman", que, assim como seu extravagante protagonista, quer apenas se divertir na maior parte do tempo. Mas a história e a celebridade de Elton John pareciam oferecer material um pouco semelhante para um sucesso de Hollywood. O filme geralmente consegue seguir melhor a linha entre o tipo de sentimentalismo excessivamente amplo exigido de todas as cinebiografias e as especificidades da história de John como um homem gay. Mas as formas como o longa se assemelha a "Rhapsody" sugerem como a abordagem que a Hollywood tradicional dá às histórias de celebridades gays ainda é limitada. Há claramente um apetite pelas trajetórias de figuras culturais queer, e muitas com histórias fascinantes a serem contadas. Mas quando os cineastas começarão a centralizar os seus aspectos queer, e todas as suas complicações, na narrativa?

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Tristan Fewings / Getty Images

Elton John e David Furnish comparecem à estreia britânica de Rocketman em Londres.

Elton John e seu marido se envolveram na produção de "Rocketman", portanto, o resultado é, em certa medida, sua visão. Ainda assim, de muitas formas, a semelhança do filme com "Rhapsody" é um lembrete de que indivíduos — mesmo celebridades ricas e poderosas — só têm poder até certo ponto dentro das instituições existentes. John ganhou as manchetes quando mencionou que tanto a Focus Features quanto a Walt Disney Studios repassaram o filme porque ele se recusou a atenuar o sexo e as drogas. "Eu não levei uma vida para menores", ele disse. Mas o resultado final é, na verdade, uma versão Disneyficada de sua história, apesar de uma cena de sexo gay muito elogiada.

"Rocketman" é contado por meio de flashbacks, enquanto John relata os acontecimentos que o levaram ao período de reabilitação. Nascido Reginald Kenneth Dwight, John ama piano e é próximo de sua avó e sua mãe, mas tem uma relação complicada com o pai. O filme é mais forte no início, quando tenta transformar a infância queer de John em uma história universal de alienação suburbana.

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Quando os cineastas começarão a centralizar os seus aspectos queer, e todas as suas complicações, na narrativa?

John é submetido à vigilância de gênero por parte de seu pai, que diz: "Pare de olhar isso, você não é uma menina", quando o encontra lendo a revista de moda da mãe. "Não seja mole", ele lhe diz em outro momento. É esse tipo de experiências específicas que moldam a vida de muitos homens gays, e ainda é raro vê-las em filmes. (Em "Tantrums & Tiaras", o documentário de 1997 sobre a vida dele dirigido por seu marido, David Furnish, a verdadeira mãe de John é mais sucinta a respeito da relação dele com o pai: "Acho que ele não gostava muito de você.")

Com uma abordagem de musical jukebox, o filme usa com eficácia as músicas de John para capturar verdades emocionantes. "The Bitch is Back" é incorporada como um grande número musical que segue sua triste infância suburbana. Seus pais e sua avó cantam a canção "I Want Love", do início deste século, para ilustrar os problemas de John com o pai e a frieza de sua vida familiar. Quando o filme se volta para a fantasia dessa forma, cria alguns momentos mágicos.

Inicialmente, "Rocketman" define os conflitos de John com sua identidade em termos específicos. O filme dedica bastante tempo aos seus relacionamentos com seu parceiro musical de longa data, o letrista Bernie Taupin (Jamie Bell); sua mãe, Sheila (Bryce Dallas Howard); e seu agente que virou amante, John Reid (interpretado por Richard Madden). Vemos John aceitando sua sexualidade através de seus relacionamentos com Taupin e sua mãe. Seu pânico é palpável quando um membro da turnê o tira do armário para Taupin ("E quanto ao fato de você ser uma bicha?") antes de ele se assumir para o parceiro em seus próprios termos, mas a relação deles é consolidada quando Taupin diz que isso não tem importância para ele.

O filme também captura com eficiência a frieza de pais heterossexuais e os complicados relacionamentos dos homens gays com suas mães. Depois de ele quase hiperventilar antes de contar à mãe que é "um afeminado, um queer", ela reage com um tom de indiferença: "Ah, pelo amor de Deus, eu sei disso, sei há anos." E acrescenta: "Só espero que você saiba que está escolhendo uma vida de solidão; você nunca será amado de forma apropriada."

E, pelo menos neste filme, isso se torna verdade. Apesar de todo o burburinho sobre manter as cenas de sexo e drogas, o filme, assim como "Bohemian Rhapsody", mal explora a superfície dos relacionamentos de John com homens, ou como ele, como um homem gay, luta para encontrar um relacionamento funcional. Temos pouca noção das especificidades emocionais de seu relacionamento com Reid. Em certo ponto, Reid, que parece dominador, dá um soco no rosto de John, mas não ficamos sabendo se o relacionamento era abusivo. (Reid aparentemente continuou amigo de John na vida real; ele aparece em "Tantrums & Tiaras".)

Após o rompimento, John se casa com uma mulher, a engenheira de som Renate Blauel, mas não há explicação para o repentino matrimônio, além — como ele diz em um dos flashforwards na reabilitação — do fato de que ele estava bêbado. Alguns críticos sugeriram que a retratação do casamento dele com Blauel como uma negação de sua identidade gay é uma representação bissexual falha. Mas o que a polícia do apagamento bi parece não entender é que homens queer, especialmente os que não se encaixam em gêneros, sentem o olhar severo da heteronormatividade a tal ponto que "escolher" uma parceira heterossexual geralmente não é algo que ocorre livremente. Além disso, o próprio John se diz gay desde 1988. Este casamento não fazia parte do roteiro original, e foi adicionado mais tarde por Fletcher, o diretor hétero.

O filme estabelece os aspectos habituais dos conflitos de ser gay, mas, assim como "Bohemian Rhapsody", não parece interessado em apresentar uma resolução para esses problemas ao incluir parcerias ou comunidades gays no filme. Talvez seja demais pedir que uma cinebiografia de 2019 sobre um homem gay faça conexões sutis entre homofobia internalizada, vício e um casamento insensato com uma mulher.

Em vez disso, tudo na segunda parte do filme é retratado como uma consequência — sem causa — do abuso de drogas e álcool. Na reabilitação, observando essa época, John contextualiza esses conflitos da seguinte forma: "Eu me odiava; comecei a agir feito um babaca em 1975, ressentido por coisas que simplesmente não importam." Há passagens de seu "mau" comportamento, como danças em boates vestindo cuecas pretas e sangramentos nasais decorrentes do consumo de cocaína. Em uma cena com sua mãe, ele lhe diz: "Eu não quero suas opiniões frígidas e fodidas sobre nada. Eu já trepei com tudo que se mexe."

Outro filme talvez tivesse apresentado esse momento como um filho gay tentando se libertar das ideias heteronormativas dos pais heterossexuais. Mas, da forma como é mostrada aqui, sua explosão torna-se parte de seu mergulho em direção às drogas. Seus demônios são, de alguma forma, as próprias drogas — John de repente fica com medo de não ser tão bom sem elas —, e ele aparentemente supera esse conflito quando Taupin, seu parceiro de escrita, que é apresentado como uma figura hétero da salvação, lhe diz, bem vagamente, que ele só precisa ser... ele mesmo.

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O título da cinebiografia vem da música "Rocket Man", uma visão ao estilo Bowie de um mundo transcendental. Apesar de parecer ser sobre um homem casado, a canção tem versos sobre uma identidade possivelmente oculta, como: "Eu não sou o homem que eles pensam que eu sou em casa." Em uma cena em que John se joga em uma piscina em uma tentativa melodramática de suicídio, podemos escutar referências à sua homossexualidade que ele ouviu ao longo da vida, como "você é um garotinho tão tímido" e "você terá uma vida de solidão".

Ele olha para o fundo da piscina e se vê criança tocando piano vestido de astronauta, em uma interpretação interessante de "Rocket Man" que fala sobre a alienação de sua infância. Esta é uma cena forte em que o filme — por meio da narração — contempla a homossexualidade dele como parte de sua narrativa sobre ser você mesmo. A maneira como o longa encaixa os aspectos queer da sua infância em uma parábola inocente sobre diferença é algo louvável, além de raro nesse tipo de filme de grande alcance.

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Apesar de todo o burburinho sobre manter as cenas de sexo e drogas, o filme, assim como "Bohemian Rhapsody", mal explora a superfície dos relacionamentos de John com homens.

Mas, em vez de confiar que a busca pela identidade gay pode ser universal e traçar esse tema através da história da vida de John, o filme discutivelmente insere sua homossexualidade em uma metáfora maior sobre "normalidade". Os trailers do longa enfatizaram esse arco — "Você precisa matar a pessoa que nasceu para ser a fim de se tornar a pessoa que quer ser", diz um membro da banda em um deles; em outro, Taupin fala para John: "Lembre-se de quem você realmente é." Em uma das piores falas do filme, o próprio John diz: "Talvez eu devesse ter tentado ser mais comum." "Acho que estou bem sendo estranho", ele fala perto das cenas finais.

Essa retratação banal omite algumas das realidades mais complicadas — e, francamente, dramaticamente eficazes — de aceitar a sexualidade queer como uma figura pública, que são ignoradas no filme. Na vida real, John discutiu sua sexualidade pela primeira vez na Rolling Stones, em 1976, descrevendo-se como "bissexual em certa medida". Ele sofreu uma reação negativa, e as estações de rádio pararam de tocar suas músicas. Hoje, há uma noção de que o rock era de alguma forma cordial com gays porque estava repleto de homens heterossexuais usando maquiagem e roupas andróginas, como David Bowie. Mas Bowie, por exemplo, proferiu uma fala famosa — e homofóbica — na qual chama Elton John de "o Liberace, a rainha simbólica do rock". Um amigo de John contou a um biógrafo: "Do ponto de vista de Elton, havia aqui um cara que fazia sucesso fingindo ser gay enquanto um gay de verdade precisava fingir que era hétero." (Por outro lado, Elton John e Freddie Mercury eram amigos.)

Em 1988, John finalmente contou à Rolling Stones que se sentia "confortável sendo gay". Mas "Rocketman" não necessariamente reflete isso. Parece fácil imaginar outra versão do filme estruturada mais como "Johnny & June", a cinebiografia agressivamente heterossexual de Johnny Cash, de 2005, na qual o relacionamento de décadas entre John e Furnish torna-se a âncora emocional e narrativa da história. Em vez disso, Furnish é relegado a uma nota de rodapé nas informações que aparecem antes de os créditos subirem — sugerindo que, talvez, Hollywood ainda não veja um casamento feliz como um final feliz por si só se o casamento for entre dois homens. Já posso ver os e-mails dos leitores dizendo: quem se importa com a sexualidade dele! O filme é sobre sua música! Mas a música — com suas referências a Oz e estradas de tijolos amarelos — está repleta de aspectos queer. E o filme não é realmente sobre sua música, mas sobre sua vida.

Não foi só o rock clássico que se tornou a nova e badalada tendência de propriedade intelectual de Hollywood nos últimos anos — foram também as histórias de homens gays que já estiveram no armário. A MGM produzirá um filme sobre Boy George. E agora há cinebiografias concorrentes do compositor Leonard Bernstein, com Jake Gyllenhaal e Bradley Cooper tropeçando um no outro para ganhar o selo cultural de atores heterossexuais "corajosos" o suficiente para "interpretar gays". Mas, mesmo que esses filmes sejam ostensivamente sobre homens gays, parecem incapazes de confiar que toda a variedade de experiências gays — como relacionamentos gays e a busca pela comunidade queer — possa, por si só, contar uma história universal. "Rocketman" é, de algumas formas, um triste lembrete de que, até em suas imaginações supostamente mais fantásticas, as fantasias de Hollywood ainda podem ser muito heterossexuais. ●

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Este post foi traduzido do inglês.

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