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Aqui está um trecho do livro que conta toda a história de amor de Ricardo Corrêa da Silva

"Ricardo e Vânia", livro-reportagem de Chico Felitti, será lançado no próximo dia 21 e reconstrói uma história de amor que tinha tudo para não ser contada. Leia aqui um trecho.

A reportagem que revelou quem era a pessoa por trás do apelido de Fofão da Augusta, publicada em 2017, tinha uma importante lacuna, segundo o próprio autor, Chico Felitti.

Em uma apuração de mais de quatro meses, Felitti descobriu que o nome daquele artista de rua conhecido há décadas na região da rua Augusta (centro de SP) era Ricardo Corrêa da Silva. Entrevistou parentes, amigos e conhecidos. Revelou detalhes da trajetória de Ricardo, até então lembrado apenas pelo apelido maldoso, que o comparava, por conta das bochechas inchadas por silicone, a um personagem infantil dos anos 80.

Mas, apesar de todo o esforço, o jornalista não havia conseguido localizar Vagner, o grande amor da vida de Ricardo.

Apenas depois da publicação da reportagem pelo BuzzFeed News, em outubro daquele ano, esse buraco na história de Ricardo seria preenchido.

O texto viralizou e chegou a mais de 1 milhão de leitores. Vagner, que agora se chama Vânia e mora em Paris, foi um deles. Felitti finalmente conseguiu falar com Vânia e fez ela e Ricardo conversarem, depois de décadas sem contato, em uma videochamada por celular. Pouco depois, em dezembro de 2017, Ricardo morreu.

"Ricardo e Vânia" (Ed. Todavia), que Felitti lança no próximo dia 21, no Cabaret da Cecília (rua Fortunato, 35, São Paulo, das 19h às 22h), é uma continuação da reportagem, que venceu o Prêmio Petrobras de Jornalismo na categoria Inovação.

O livro-reportagem narra a viagem de Felitti a Paris para encontrar Vânia — e mostra como, contra todas as probabilidades, ele conseguiu reconstruir, peça por peça, essa história de amor que tinha tudo para não ser contada.

Leia aqui a reportagem "Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece", de outubro de 2017.

E leia abaixo um trecho de "Ricardo & Vânia":


Dois dias depois, Vânia me adiciona no Facebook. Diz que ficou comovida com o texto “e muito triste por saber o que aconteceu com ele”.

Explica que o casal teve dois salões de beleza, um em São Paulo e outro em Araraquara, antes de Vânia se mudar para Paris, passar pelo processo de transição para assumir sua identidade feminina e começar um périplo de dezenas de cirurgias para retirar o silicone que um aplicava no rosto do outro. Vânia termina a mensagem dizendo que adoraria falar com Ricardo.

No meio de novembro de 2017, vou com Isabel ao Mandaqui. A infecção urinária que foi diagnosticada quando ele deu entrada pelo pronto-socorro, semanas antes, está curada. Um dos seus companheiros de quarto, o do infarto musical, recebeu alta, e Ricardo está prestes a ser liberado. Uma ultrassonografia do rosto dele mostra fraturas que parecem validar as histórias de espancamentos que ele sempre narrou. Mas nada que precisasse de cirurgia, segundo os médicos.

A assistente social do hospital afirma que sua internação na psiquiatria é provisória. Ele vai ficar lá até estar estabilizado, depois deve receber alta. Um membro do Ministério Público explica que é possível pedir na Justiça uma vaga definitiva em uma instituição psiquiátrica, e que a herança a que ele tem direito seja usada para custear sua estada num asilo.

Enquanto falamos com a assistente social, Vânia manda uma mensagem. Conto que estamos no hospital e pergunto se ela quer ver Ricardo. Ela diz que sim. Volto para o quarto e pergunto se Ricardo quer falar com um velho amigo. Ele diz que sim. Saco o celular e faço uma videochamada para Vânia. Ricardo olha para o rosto feminino na tela do celular e diz: “Eu estou falando comigo mesmo”.

Ela ri e pergunta: “Você ainda se lembra de mim, Ricardo?”.

Ele responde: “É claro que eu me lembro de você. Você é o Vagner. Você é o amor da minha vida”.

Vânia sorri.

“Sou eu. Ricardo, eu quero que você saiba que eu te quero muito bem. Eu vou te ver quando for para o Brasil, tá?”

Vânia sai de quadro por um segundo. Volta com algo no colo. É o cachorro que a acompanha em suas caminhadas por Paris. “Essa é a Gaya, Ricardo.”

Faz vinte anos que os dois não se falam, após um término conturbado. “A gente tinha gatinhos”, diz Ricardo, “você lembra?” Vânia sorri e seus olhos se fecham mais do que das outras vezes em que sorriu. Estão cheios d’água.

Quando a ligação de vídeo termina, há duas trilhas de água que começam nos olhos de Ricardo e percorrem suas bochechas. Isabel sai do quarto para chorar no corredor. O homem da cama ao lado, que não queria saber da história de Ricardo, passa a mão no rosto enquanto olha para a tv, ligada em um programa policial. Desconfio que ele também está chorando.


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