Carlos Bolsonaro, o filho que o presidente Jair Bolsonaro já chamou de "fera nas mídias sociais", publicou ontem (14) um tuíte que colocou The Walking Dead, método Paulo Freire e "chás e bolos com ervas e recheios ilegais" no mesmo balaio.
Mesmo num tuíte com tantos ingredientes, a parte que gerou mais controvérsia foi o "É simples entender". Muita gente discordou.
Carlos, vereador pelo PSC-RJ, não é o único dos filhos do presidente que vem falando sobre Paulo Freire. Anteontem o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tuitou:
E por que os Bolsonaro resolveram voltar sua artilharia nas redes sociais contra Paulo Freire?
Paulo Freire (1921-1997) foi um educador pernambucano conhecido principalmente pela "Pedagogia do Oprimido", livro que lançou em 1968, quando estava exilado no Chile. Antes do Golpe de 1964, Paulo Freire coordenou, a convite do presidente João Goulart, o Programa Nacional de Alfabetização.
O método Paulo Freire, uma proposta para alfabetização de adultos, consistia, resumidamente, em ensinar o aluno a ler e a escrever com base em palavras e temas de sua realidade, em vez do uso das tradicionais cartilhas.
O Instituto Paulo Freire diz que o método "não trata apenas de alfabetizar, mas também de politizar", e que "os alfabetizandos eram levados a perceber as injustiças que os oprimiam e a necessidade de buscar mudanças".
Como o tuíte de Eduardo Bolsonaro sugere, a escolha de Paulo Freire como símbolo das deficiências da educação brasileira parece ser influência das ideias do filósofo Olavo de Carvalho.
Olavo — a quem Eduardo já disse que "é uma inspiração, e sem ele Jair Bolsonaro não existiria" — bate há tempos em Paulo Freire.
Em 2012, quando Paulo Freire foi declarado Patrono da Educação Brasileira por uma lei de autoria da deputada Luiza Erundina, Olavo escreveu:
"Ninguém melhor que Paulo Freire pode representar o espírito da educação petista, que deu aos nossos estudantes os últimos lugares nos testes internacionais, tirou nossas universidades da lista das melhores do mundo e reduziu para um tiquinho de nada o número de citações de trabalhos acadêmicos brasileiros em revistas científicas internacionais".
O tuíte acima, do próprio Jair Bolsonaro, é de 2018. Mas em 2015, muito antes da campanha à Presidência da República, o então deputado já mirava em Freire para atacar a "doutrinação ideológica":
E Carlos Bolsonaro também:
"O ensino brasileiro, qualquer um percebe que está sendo colocado como uma máquina de produção de analfabeto", diz Carlos no vídeo postado em 2015. "Tudo isso sobre [sic] a tutela do dito professor, o mestre Paulo Freire."
"O que as escolas ensinam hoje em dia? O homossexualismo? Dívida histórica? O incentivo ao fim da meritocracia? Cadê o ensino de qualidade? É óbvio que não está dando certo. É óbvio que algo tem que mudar. O que estamos fazendo na sociedade é transformar pessoas em militantes políticos."
Na campanha à Presidência no ano passado, Bolsonaro usou os ataques contra Paulo Freire como discurso eleitoral:
Ontem o biógrafo de Paulo Freire, Sérgio Haddad, publicou na Folha artigo em que rebate as críticas que o educador vem recebendo de bolsonaristas. Haddad diz que "Freire nunca foi comunista" e "nunca pregou uma educação partidária nas escolas".
Haddad defende que as tentativas de deslegitimar Paulo Freire são "consequência da nova onda conservadora que assola o país".
Reportagem do Nexo mostra que a "Pedagogia do Oprimido" é a terceira obra mais citada no mundo em trabalhos da área de humanas, segundo um levantamento feito por Elliott Green, professor associado da London School of Economics.
De acordo com o levantamento, Paulo Freire é mais referido do que pensadores como Michel Foucault e Karl Marx.